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Acordo nuclear iraniano
Tribuna
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Ao romper com Irã, Trump expõe um ilusório isolacionismo

Enganam-se aqueles e aquelas que acreditam que a presidência dos EUA é hoje, ocupada, por um amador

Presidente Donald Trump.
Presidente Donald Trump. Carolyn Kaster (AP)
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O Presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump, revogou nesta última terça-feira, dia 8 de maio, a participação de seu país no Plano de Ação Conjunta Global (Joint Comprehensive Plan of Action), um acordo nuclear internacional firmado com o Irã, em meados de 2015, juntamente com a Rússia, China, Reino Unido e França, que buscou evitar o desenvolvimento de armas nucleares por parte dos iranianos, abdicando, em contrapartida, de grande parcela das sanções econômico-comerciais impostas ao país.

Boa parcela da mídia e dos analistas americanos entenderam essa decisão de Trump como uma das mais significativas para a política externa americana desde sua posse, em 2017, compreendendo a ação como compatível com a sua proposta, encabeçada durante a corrida eleitoral, da ‘América em Primeiro Lugar’ (ou, em inglês, ‘America First’). Trump fora eleito defendendo a necessidade dos EUA em se “isolar” e deixar de lado, gradativamente, o histórico de “grande interventor” global que o seu país exerce desde, ao menos, o período entre as duas grandes guerras mundiais.

A resolução de Trump preocupou muitos. Como ficará a situação no Oriente Médio após o término deste acordo internacional? As relações de poder na região, com um cenário possível de nuclearização do Irã, não tenderia aos caos? Como os EUA, dentro dessa sua nova política, poderia ser tão irresponsável em deixar as tensões na região crescerem mais ainda?

Certamente, a retirada dos EUA do Acordo Nuclear com o Irã passa uma mensagem, principalmente aos setores da sociedade americana que o elegeram, de um isolacionismo gradativo, uma ação necessária para apaziguar os temores de muitos de seus eleitores que viram a ideia de ‘America First’ ser deixada de lado após o recente bombardeio americano no território sírio. Contudo, esse isolamento das questões e “responsabilidades” internacionais se apresenta, sobretudo, de forma fictícia. É um isolacionismo aparente, apenas.

Enganam-se aqueles e aquelas que acreditam que a presidência dos EUA é hoje, ocupada, por um amador.

A primeira consequência da ação americana será a de causar um enfraquecimento não só econômico, mas também político, ao Irã. O retorno das sanções comerciais, por enquanto somente por parte dos americanos, será acompanhada de uma maior pressão internacional ao país do Oriente Médio, mas, também, de uma possível pressão interna por mudanças políticas. Exaurir o poder do Irã é benéfico para dois dos principais aliados dos EUA na região, Israel e Arábia Saudita.

Desde 2015, mesmo ano no qual o Acordo Nuclear fora estabelecido, o Irã tem aumentado sua presença no conflito da Síria, aproximando-se e fortalecendo grupos como o Hamas e o Hizbullah, grandes opositores históricos às políticas de Israel na região. O aparentemente fortalecimento do Irã, após a ratificação do acordo, preocupa Israel que, recentemente, divulgou um relatório de inteligência contrariando a Agência Internacional de Energia Atômica, responsável por verificar se o governo do Irã está respeitando o acordo e enriquecendo urânio apenas para fins pacíficos. Neste relatório, o governo de Israel afirma que o Irã continua avançando em seu programa com o objetivo de construir a então almejada bomba nuclear. Relatório, esse, que fora mencionado por Donald Trump em seu discurso sobre a retirada dos EUA do acordo.

O rompimento do acordo faz com que o Irã deixe de caminhar para um cenário onde se tornaria uma das principais potências da região. Cenário nada agradável para os objetivos políticos de Israel e da Arábia Saudita.

Seguramente, as tensões no Oriente Médio irão se intensificar e até uma possível nova ‘tensão nuclear’ é esperada. Contudo, lidar com o Irã agora é mais fácil do que esperar o seu fortalecimento. A relação de poder, neste momento, é mais favorável ao “eixo” EUA-Israel-Arábia Saudita. Esperar o fortalecimento do Irã pode trazer consequências graves a estes países. Ademais, o envolvimento do Irã com a Rússia e a Síria pode trazer altos benefícios políticos às pretensões iranianas na região – ainda mais após o eventual término da Guerra Civil na Síria. Dessa forma, a ação americana evita o fortalecimento de um “eixo” Síria-Irã, parceria que modificaria em muito a configuração das relações de poder na região.

Mas quais são as possíveis consequências disso?

A primeira delas, a guerra. Mas como dito, uma nova guerra na região, hoje, é mais benéfica a Israel e `a Arábia Saudita. E, neste cenário, teremos a prova definitiva do aparente isolacionismo americano. Uma guerra na região envolvendo Israel certamente contaria com apoio marcante e decisivo dos EUA – não somente do governo, mas também de grandes grupos sociais americanos.

Uma segunda possível consequência encontra-se no aparente isolacionismo americano. A retirada do país de grandes questões internacionais poderia deixar um “vácuo” de poder, abrindo espaço para países como Rússia e China aumentarem suas ações internacionais bem como suas zonas de influências. Reconfigurando o cenário político mundial.

Além disso, o rompimento unilateral do Acordo Nuclear passa uma mensagem preocupante para os demais parceiros internacionais dos EUA. A da credibilidade, no caso, a falta de. E o enfraquecimento da confiabilidade da palavra do governo americano pode gerar uma desconfiança crescente no cenário internacional, contribuindo para o fortalecimento de outras potências, conforme dito anteriormente.

Por fim, outra consequência possível estaria nas negociações com a Coréia do Norte. Embora o governo americano queira passar uma mensagem de força, o governo norte-coreano pode compreender que a falta de confiabilidade na palavra americana pode lhe retirar qualquer garantia conquistada num futuro acordo nuclear. Modificando, assim, os recentes avanços das negociações com o país.

Resta agora esperar os próximos capítulos.

Thiago Babo é Pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais (NUPRI) e do Centro de Estudos em Conflito e Paz (CPCS), da Universidade de São Paulo.

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