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Crise argentina não vai chegar ao Brasil, mas afetará indústria automobilística

País vizinho é destino de 75% das exportações de produtos automotores brasileiros Reservas internacionais e déficit de conta corrente próximo de zero garantem proteção

Rodolfo Borges
Manifestantes protestam em frente ao Congresso argentino, em Buenos Aires.
Manifestantes protestam em frente ao Congresso argentino, em Buenos Aires.MARCOS BRINDICCI (REUTERS)
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Os fantasmas despertados na Argentina pela desvalorização do peso e pelo pedido de ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI) não assustam os brasileiros — a alta do dólar parece ser uma ameaça bem mais urgente. Apesar de os argentinos serem um dos principais parceiros do Brasil em produtos manufaturados, especialistas ouvidos pelo EL PAÍS não enxergam impactos da crise vizinha na economia brasileira para além da indústria automobilística. "Aprendemos com as crises passadas", resume Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating. Ele destaca que o Brasil tem um bom nível de reservas internacionais — são 380 bilhões de dólares contra apenas cerca de 30 bilhões de dólares da Argentina, para se ter uma ideia da distância.

Outro dado que conta a favor da economia brasileira é o déficit de conta corrente (o resultado de todas as transações comerciais, de serviços e financeiras entre o país e o exterior) próximo de zero, enquanto na Argentina ele se aproxima de 6% do PIB. "A Argentina representa 8,5% da nossa pauta de comércio exterior, atrás dos Estados Unidos, com 11,5%, mas não é algo que vá afetar de forma dramática o ambiente macroeconômico”, diz Agostini, fazendo coro ao Governo brasileiro. "Não há canal de contágio", garantiu o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, quando questionado na terça-feira sobre o fato de os juros terem sido elevados para 40% ao ano no país vizinho e sobre o pedido de ajuda de 30 bilhões de dólares ao FMI. A necessidade de auxílio do fundo monetário é interpretada, contudo, como um alerta para uma região que já se imaginava emancipada do FMI.

A blindagem da economia brasileira só não conseguirá proteger a indústria de automóveis, cuja exportação vai quase toda (75%) para a Argentina. Para José Augusto Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), a recente desvalorização cambial do peso agrava um problema causado pela quebra de safra da soja na Argentina, que já deve tirar 5 bilhões de dólares da pauta de exportação entre os dois países. "Antes da seca da Argentina, a previsão é de que [o país] cresceria até 4%. Agora, com esse cenário, o crescimento não passa de 3%", lamenta, destacando que a desvalorização da moeda do país vizinho torna os produtos brasileiros mais caros. Além de tratores e caminhões, a exportação de automóveis e autopeças também deve ser afetada.

O presidente da Associação Nacional do Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Antonio Megale, disse na segunda-feira que o setor deve levar cerca de dois meses para entender melhor qual será o verdadeiro impacto da crise argentina. "Por enquanto, não teve nenhum impacto, nenhum cancelamento [de compras da Argentina], mas ainda é muito cedo para isso", disse Megale a jornalistas durante evento para apresentação dos resultados do setor no primeiro quadrimestre de 2018. Segundo ele, a Argentina ganhou mais importância para as exportações brasileiras do setor neste ano porque o México passou a comprar menos do Brasil, como consequência das negociações para reformulação do Nafta (o Acordo de Livre Comércio da América do Norte).

As exportações brasileiras do setor para a Argentina subiram 31% no primeiro quadrimestre, durante o qual foram exportados 253.400 veículos para o país vizinho. O presidente da Anfavea diz que a indústria nacional tem tentado diversificar suas vendas para lugares como o Oriente Médio, para onde os brasileiros já forneceram veículos décadas atrás.

Política

O revés à política reformista de Macri animou seus críticos na Argentina. E no Brasil. "E a Argentina volta ao FMI. A direita brasileira vivia exaltando Macri. Agora o receituário (neo)liberal leva a Argentina novamente à beira da bancarrota, com uma taxa de juros de 40% (a maior do mundo). Esse era o exemplo para o continente", publicou o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) em seu perfil no Twitter. "Macri detona a Argentina e manda a conta para o povo. Lá e aqui a mesma coisa! Até quando?", tuitou o senador Roberto Requião (MDB-PR). O infortúnio de Macri pode reverberar na agenda de reformas brasileira?

"Não deveria", diz o economista Silvio Campos Neto, sócio da Tendências consultoria. "Lá [na Argentina], a situação tem piorado apesar de ter se caminhado na agenda das reformas", completa. "Os ajustes são mais lentos porque se vinha com um problema muito sério de tarifas congeladas por muitos anos. A Argentina perdeu competitividade por muitos anos de dificuldade", analisa Campos Neto. Para o economista, o discurso contra as reformas é mais fácil, mas não pode ser usado "de forma minimamente responsável" para impedir o Brasil faze-las.

Alex Agostini, da Austin Rating, considera a possibilidade de contágio político do vizinho ainda mais remota. "O Brasil já tem noticias de contaminação política de muito maior peso recentemente, como a decisão do STF [Supremo Tribunal Federal] de trazer para a primeira instância acusados com foro privilegiado". Perto disso e da perspectiva de mudança de rumos nas eleições, Agostini trata a crise argentina como um detalhe.

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