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Quinta-feira de pressão para o peso argentino, que perde quase 9% do seu valor

Banco Central tenta, sem sucesso, diminuir a pressão sobre a moeda elevando as taxas de juros em 300 pontos-base, o segundo aumento desde sexta-feira.

Federico Rivas Molina
Casa de câmbio exibe a cotação do dólar na quarta-feira em Buenos Aires
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A economia da Argentina está atravessando uma tempestade. A saída de fundos de mercados emergentes, resultante de um aumento das taxas de juros dos títulos norte-americanos a 10 anos atingiu duramente o peso argentino, que perdeu hoje 8,6% de seu valor e acumula uma depreciação de 11,9% nos últimos sete dias. O dólar subiu quinta-feira de 21,45 pesos para 23,30 pesos, a maior cotação desde o fim da conversibilidade em janeiro de 2002. O Banco Central tentou, sem sucesso, desencorajar as posições em dólares com dois aumentos consecutivos da taxa de juros, que passou de 27,25% para 33,25% desde sexta-feira, enquanto injetou no mercado de câmbio 4,8 bilhões de dólares de suas reservas nos últimos seis dias.

As depreciações foram generalizadas na região, mas seus efeitos tiveram maior impacto na Argentina, um país que está financiando seu déficit fiscal, agora equivalente a 5 pontos do produto interno bruto (PIB), com financiamento externo. “Hoje o dinheiro está saindo de todos os mercados emergentes, mas a Argentina sente mais porque está entre os mais vulneráveis. O país tem muitas necessidades fiscais e isso significa que é um grande devedor. Quando você começa a ter problemas, o credor corta o fluxo de dinheiro “, diz ao EL PAÍS o diretor do Centro de Estudos Econômicos, Fausto Spotorno.

A Argentina também enfrenta uma estiagem sem precedentes nas lavouras de oleaginosas, a principal fonte de ingresso de divisas. Dos 57 milhões de toneladas de soja previstos no momento do plantio serão colhidos cerca de 37 milhões. Dos 40 milhões de toneladas de milho se passará a 32 milhões. Os prejuízos chegarão a 4,6 bilhões de dólares, o equivalente a 0,7% do PIB , de acordo com estimativas da Bolsa de Valores de Rosário. Nesse cenário, a margem de manobra é pequena.

O Governo Macri parece, assim, preso entre várias frentes. Enquanto o déficit não baixa, a receita encolhe e o financiamento se torna mais caro, não pode se dar ao luxo de aumentar o dólar porque, ao mesmo tempo, precisa reduzir a inflação, que este ano deve ultrapassar em pelo menos quatro pontos a meta de 15% estabelecida pela Fazenda, segundo as previsões do FMI. Depreciação e inflação não se dão bem, especialmente na Argentina, onde cada aumento do dólar se transfere para os preços.

Na quinta-feira, o chefe do gabinete de ministros, Marcos Peña, tentou pela segunda vez nesta semana acalmar os ânimos frente ao aumento do dólar. “É parte do aprendizado de viver com uma taxa de câmbio flutuante. Se não tivéssemos a flutuação ou não houvesse correções teríamos um atraso cambial que afetaria o emprego e a produção” disse aos jornalistas credenciados na Casa Rosada. A leitura do Governo é que a tempestade passará logo porque o Banco Central “está cuidando da situação”, disse Peña. Soube-se que estava cuidando quando o dólar já havia ultrapassado os 22 pesos e o presidente da instituição, Federico Sturzenegger, decidiu aumentar a taxa de juros em mais 300 pontos-base – como já havia feito na sexta-feira – para 33,25%. A medida foi um fracasso.

A frente política

Se a frente econômica não é simples, a política não fica atrás. O peronismo encontrou uma brecha para atacar Macri depois de meses de perplexidade: o aumento das tarifas dos serviços públicos. Em seu esforço para reduzir o déficit, Macri ordenou eliminar aos poucos os subsídios que mantiveram as faturas domésticas baixas durante o kirchnerismo. Mas o “sinceramiento tarifario”, como o Governo chama, pressiona a inflação e também altera o humor da população. Pesquisas das últimas semanas indicaram que, pela primeira vez desde dezembro de 2015, há mais argentinos pessimistas sobre o futuro do que otimistas.

Nessa brecha de descontentamento entrou o peronismo reunido no Congresso. Nesta semana conseguiram levar adiante um projeto de lei para trazer as tarifas de volta ao valor de novembro do ano passado e limitar futuros aumentos, uma proposta que o Governo considera “demagógica”. Macri recebeu um relatório do Ministério da Energia que estima em 10,2 bilhões de dólares o custo fiscal do projeto de lei defendido pelos peronistas. O ministro Peña disse que, se for aprovada no Congresso, a lei será vetada pelo presidente. “A proposta da oposição sobre as tarifas é inviável em termos fiscais. Se passar, certamente será vetada. Não há espaço para demagogias desse tipo”, disse Peña.

É pouco provável que o projeto passe pelo filtro do Congresso, especialmente no Senado, onde as províncias estão representadas. Já existem governadores peronistas que se manifestaram contra, pelo efeito que terá sobre suas próprias receitas fiscais. Mas é verdade que a oposição já alcançou um sucesso político pelo simples fato de forçar Macri a adiantar um possível veto. A economia argentina vive tempos difíceis devido a fatores externos, disso não há dúvida, mas o dano é reforçado por questões domésticas, tanto econômicas como políticas.

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