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CHAMPIONS LEAGUE
Opinião
Texto em que o autor defende ideias e chega a conclusões basadas na sua interpretação dos fatos e dados ao seu dispor

A normal anormalidade do Real Madrid

O feito triunfal do time merengue na Champions League representa um desafio a todos os dogmas do futebol, uma lógica ilógica, um fenômeno alienígena

Benzema comemora seu primeiro gol contra o Bayern.
Benzema comemora seu primeiro gol contra o Bayern.Rodrigo Jiménez (EFE)
José Sámano

Talvez, apenas talvez, e muito remotamente, um simpósio futebolístico universal poderia explicar algo deste inaudito Real Madrid. Um clube que chega à sua terceira final consecutiva da Champions League após dinamitar todos os dogmas do futebol. Insólito até para os simples leitores de resultados. Não há precedente de uma equipe capaz de triunfar quando joga bem, regular, mal, muito mal e completamente mal. E, para encontrar algum antecedente, seria preciso mergulhar na história do próprio Real. Uma equipe iluminada para ganhar e ganhar. Depois, quem sabe, discutirá com você o como usando um cacoete de linguagem: “E daí?”.

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Por enquanto, ninguém o definiu melhor que o L’Equipe: “O Real caminha sobre as águas”. É possível enumerar os fatos que documentam com sobras esse aforismo, mas seria inútil sondar as causas de tamanho feito sobrenatural. Um enigma infinito sem outra abordagem senão “o Real vence porque sim”, “assim é o Real”, “é o Real, estúpido”… Resenha e mais resenha. Bobagem.

Há alguns meses, o time de Zinedine Zidane não teve vontade de brigar pela Liga contra um Barça exigente e pletórico. E muito menos de engolir o vexame da Copa do Rei. Mau ensaio para disputar a Champions, diriam os ortodoxos. Mentira, de nada importaram os protestos internos. E daí?

Na Europa, além disso, convém que o seu estádio seja o Fort Knox. Pois bem, já não é nem o caso de mencionar aquilo do medo cênico. De repente também é mentira, já não tem valor retórico: o Real Madrid não pôde em sua casa com o Tottenham, a Juventus, o Bayern, o Barça, o Atlético, o Valencia, o Villarreal, o Betis, o Athletic, o Levante, o Fuenlabrada, o Numancia e o Leganés. E daí?

Na Champions, chegou o radiante PSG ao Bernabéu e, com o jogo na mão, Unai Emery aprontou. Com suas substituições, a equipe francesa desmoronou sozinha. Uma mancha assim condena qualquer um. Mentira. Zidane saiu ileso da sua concepção equivocada no jogo de volta contra o Bayern, com Modric carregando piano, Kovacic extraviado e Casemiro à sombra. E daí?

O nó górdio está nos árbitros, nas falhas dos Ulreich da vida, na bicicleta de CR7, nas lesões dos rivais, no escudo, no DNA...?

Ainda por cima, para azar do PSG, Neymar se machucou antes do confronto de volta. Como nas semifinais seria o caso do Bayern com Vidal, Boateng, Robben e meio Javi Martínez. Coisas que acontecem, pois o Real também citará Carvajal e Isco, substituídos de forma muito pior que os alemães substituíram seus contundidos. E daí?

Se algo tradicionalmente caracteriza o Bayern é a sua confiabilidade. Também nesta temporada, quase não teve falhas grotescas, até cruzar com o Real. Rafinha descarrilou em Munique no gol de Asensio, e no Bernabéu o goleiro Ulreich deixou que a bola lhe pregasse uma peça. Nem isso murchou o Bayern, que manteve o Real contra as cordas até o último segundo. E daí?

Claro, entre as certezas madridistas mais arraigadas está o singular flerte de Cristiano Ronaldo com a Champions. Em caso de dúvida, CR7. Pois bem, o português foi irrelevante contra o Bayern. Sim, afloraram Benzema e Keylor Navas, os dois mais contestados do elenco. O francês questionado pela torcida. O costarriquenho, pela diretoria do clube. E daí?

Não há lógica mais ilógica que a deste Real Madrid. Nem como exercício espiritual alguém do elenco negaria que no gramado convém ter mais posse de bola que o adversário. Que tampouco é bom sofrer 39 arremates (os que o Bayern fez somando ida e volta, contra 16 do Real), que é preciso semear na área alheia. Que é um disparate que o seu jogador mais baixinho (Carvajal) dispute o jogo aéreo com o oponente de maior estatura (Mandzukic). E daí?

Há mais capítulos nessa descomunal confusão. A arbitragem, por exemplo. E sem irracionais devaneios conspiranoicos. Independentemente de como se deseje interpretar a disputa de bola entre Benatia e Lucas Vázquez, que resultou em um pênalti duvidoso contra a Juventus, custou caro para o Real. Assim como para o Bayern foi uma cruz gigantesca, com três juízes cegos enquanto ignoravam a indiscutível mão de Marcelo contra os alemães. E daí?

Como ficamos? O nó górdio está nos árbitros, nas lesões rivais, nas falhas dos Ulreich da vida, na gloriosa bicicleta de CR7, nos vexames de Emery, na pontualidade de Lucas Vázquez, nas aparições inesperadas de Benzema e Keylor, no escudo, no DNA...? Só resta se render a um fenômeno alienígena como o deste Real Madrid de normal anormalidade.

E daí?

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