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A música que há 44 anos deu início à Revolução dos Cravos

Levante popular em Portugal começou quando a canção de José Afonso tocou no rádio

Soldados e civis comemoram a vitória da insurreição militar que acabaria com a ditadura de Marcelo Caetano.
Soldados e civis comemoram a vitória da insurreição militar que acabaria com a ditadura de Marcelo Caetano.Foto de arquivo
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“Grândola, vila morena/Terra da fraternidade/O povo é que mais ordena/Dentro de ti, ó cidade”. Esses foram os versos que deram início à Revolução dos Cravos em Portugal, há 44 anos. Trata-se da canção Grândola, Vila Morena, de José Afonso, proibida pelo regime ditatorial de Antonio Oliveira Salazar, que dominava o país desde 1926. Na madrugada de 25 de abril de 1974, o povo português estava na expectativa, à espera de escutar os dois sinais pactuados pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) para iniciar a sublevação contra o poder estabelecido.

Em primeiro lugar, soou às 22h55 de 24 de abril E Depois do Adeus, de Paulo de Carvalho, transmitida pelo jornalista João Paulo Diniz da Rádio Emissores Associados de Lisboa. Já no dia seguinte, à 0h25, a Rádio Renascença, emissora católica portuguesa, transmitiu a canção de Afonso. Esse era o segundo sinal, indicando que os rebelados deviam ocupar os pontos estratégicos do país. Nas horas seguintes, a ditadura desmoronou.

O artista português compôs essa canção em homenagem à Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense da vila portuguesa de Grôndola. Em 17 de maio de 1964, Zeca Afonso fez nessa cidade um show muito importante para ele. Primeiro, porque conheceu o guitarrista Carlos Paredes. E também porque ficou impressionado com a consciência e a maturidade política dos membros da Sociedade Musical e com seus escassos – embora bem aproveitados – recursos.

A canção foi incluída no álbum Cantigas de Maio, gravado na França entre 11 de outubro e 4 de novembro de 1971. Foi a quinta faixa do disco, que teve arranjos e direção musical de José Mário Branco. Após o levante, a música se transformou em símbolo da revolução e da democracia em Portugal, ganhando várias versões. Ainda em 1974, a cantora de fados e atriz portuguesa Amália Rodrigues quis interpretar a dela. Anos mais tarde, a banda de rock brasileira 365 também a gravou com o título Vila Morena. Na Espanha, o Reincidentes, grupo de rock e punk de Sevilha que aborda sempre temas de crítica social, política e religiosa em suas canções, deu à composição de Afonso um toque heavy.

Uma das versões mais novas é a entoada pela cantora portuguesa Dulce Pontes em seu álbum Peregrinação. A maior representante do fado, que já se apresentou com Ennio Morricone, Giorgos Dalaras, Andrea Bocelli e José Carreras, consegue, com sua voz melancólica, uma das versões mais belas até o momento.

A canção continua vigente não apenas na música, mas também na política. Nos protestos de setembro de 2012 contra o plano de austeridade do Governo português de Pedro Passos Coelho, os manifestantes entoaram

Grândola, Vila Morena como hino da passeata. Meses depois, quando o primeiro-ministro Passos Coelho iniciava sua intervenção numa sessão de debate da Assembleia, foi interrompido por membros do movimento Que se Lixe a Troika. Situados nas galerias reservadas ao público, os manifestantes voltaram a cantar a música emblemática.

Pouco tempo depois, vários integrantes do movimento 15-M da Espanha também se manifestaram ao compasso de José Afonso. No último 18 de abril, deputados e senadores do Partido Democrata Europeu Catalão (PDeCAT) e da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) se despediram, ao som da canção, do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, que pronunciou um discurso no Congresso ante ambas as Câmaras.

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