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A rápida alta de Kate Middleton depois de dar à luz atiça a polêmica

Especialistas não entram em acordo. Alguns se mostram partidários de enviar a mãe para casa em até 24 horas, outros consideram isso um passo atrás

A duquesa de Cambridge, a sua saída do hospital St Mary's de Londres.
A duquesa de Cambridge, a sua saída do hospital St Mary's de Londres.Samir Hussein (WireImage)
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A duquesa de Cambridge, Kate Middleton, deu à luz na segunda-feira seu terceiro filho, e sua rápida saída do hospital, apenas sete horas depois, com uma esplêndida aparência e batendo o próprio recorde –com a segunda filha a alta foi após 10 horas–, causou surpresa na Espanha, no Brasil e em vários países, onde o habitual é passar 48 horas internada em caso de parto natural, de um só filho e sem complicações. Nas cesáreas, quatro dias. No entanto, na Espanha também estão sendo encurtadas as internações e alguns hospitais vêm adotando a chamada alta precoce ou expressa. Os partidários do nascimento natural e dos partos com a menor intervenção médica possível aplaudem a medida enquanto os obstetras alertam que isso só será possível se for reforçada a rede de atendimento básico.

No Reino Unido, os partos ambulatoriais são uma prática habitual, segundo relata o correspondente de EL PAÍS em Londres, Pablo Guimón. Salvo partos múltiplos, cesáreas ou complicações, as mulheres britânicas costumam receber alta entre seis e oito horas depois. De todo modo, depende muito do hospital. Por exemplo, no King’s College afirmam que se tudo corre bem mãe e filho podem estar em casa até mesmo em duas ou três horas. No UCLH, o período é estendido para seis. Mas, uma vez em casa, as britânicas não estão sozinhas: uma parteira vai à residência e examina a mãe e o filho, em tese, no dia seguinte, três dias depois e aos seis dias. Também telefonam aos pais com regularidade e eles recebem um número de telefone para o qual podem ligar a qualquer momento.

A alta expressa é comum também em outros pontos da Europa, como a Holanda e a Suécia, embora entre os países desenvolvidos o Reino Unido seja aquele em que a mãe passa menos tempo no hospital, segundo The Telegraph. De acordo com esse jornal, que cita um estudo feito em 71 países, a média nos Estados Unidos é de 2 dias, na Alemanha, 3, e na França, de 4,2. A OMS recomenda passar pelo menos 24 horas no hospital para partos naturais. Essa política de alta precoce tem causado certa polêmica, já que é atribuída aos cortes no National Health Service (o serviço público de saúde britânico). The Guardian publicou uma pesquisa que revela que duas de cada cinco mães britânicas sentem que são mandadas para casa cedo demais.

Olga de Tapia, espanhola de 44 anos e residente em Londres, onde deu à luz sua filha há oito anos, admite que receber alta “poucas horas depois é muito chocante quando você vem da cultura espanhola”. Ela “queria ir para casa e estava perfeitamente bem”, mas teve que ficar uma noite porque deu à luz às 19 horas e “a partir das 20 horas não dão alta”. “Fiquei em uma sala com seis outras mães e seis bebês, na qual a única coisa que nos separava eram cortinas. Não preguei o olho. Preferia ter ido embora”, explica. Tapia considera que engravidar “é muito melhor” na Espanha –no Reino Unido são feitos menos ultrassons e a gravidez não tem acompanhamento ginecológico–, mas a alta rápida é um avanço. “Dois dias no hospital... E o que os médicos fazem nesse tempo?”, se pergunta em uma conversa telefônica na qual duvida que isso seja necessário.

Em todo caso, o sistema parece melhor no papel. Tapia afirma que recebeu “muito poucas indicações, praticamente nenhuma”. Ajudaram-me um pouco a dar o peito, mas nada mais”, critica esta bancária, que acrescenta que a informação é dada nas aulas pré-parto e de amamentação, que “não são obrigatórias”, e em um guia que recebem aos três ou quatro meses de gravidez. “Espera-se que a assistente de parto te visite poucos dias depois, mas a minha demorou uma semana, e só veio uma vez”, acrescenta. “Depois, você vai ao médico de família e uma vez por semana à clínica pediátrica, que é uma sala onde atendem juntos todos os recém-nascidos, sem hora marcada. Você fica na fila, eles são pesados, observados um pouco, mas os atendentes não são pediatras nem parteiras”, diz Tapia, que deu à luz no University College Hospital. Sua filha passou por exames “sete minutos depois de nascer” e depois outros, “duas ou três horas mais tarde”, mas não tive de voltar com ela ao hospital no dia seguinte.

Txantón Martínez-Astorquiza, presidente da Sociedade Espanhola de Ginecologia e Obstetrícia (Sego), se mostra partidário do modelo britânico e está tentando adotar a alta em 24 horas no hospital de Cruces de Barakaldo (Biscaia), onde é chefe de Serviço. “É difícil, mas não pela saúde da mãe”, explica Martínez-Astorquiza, que recorda que “há 100 anos as mulheres pariam em casa”, embora não considere isso aconselhável hoje em dia; “Se uma mulher deu à luz via vaginal, sem episiotomia nem fórceps nem ventosa, e se ficou comprovado que o útero se contraiu bem, poderia ir para casa em 24 horas. Se não faz isso é principalmente pelos exames de metabolopatias ou doenças genéticas que é preciso fazer na criança”, explica o especialista, que acrescenta que a alta precoce poderia ser aplicada a “50% das mulheres”, mas “teriam que voltar dentro de 48 horas pela criança”.

Além disso, “seria preciso haver maior infraestrutura de atendimento básico e contar com uma rede de parteiras que as visitem em 24 horas”, afirma, para ressaltar que “seria mais barato e melhor”. Sua conclusão é que “pode ser feito, mas é preciso de organização”. Quanto aos riscos depois de ir para casa, o presidente da Sego enfatiza que as hemorragias costumam acontecer “nas primeiras 24 horas ou, muito raramente, a partir do sétimo ou oitavo dia” e a icterícia “normalmente começa antes das 24 horas”

A polêmica teve a adesão de muitas mães que no Instagram criticaram Middleton e sua alta sete horas após dar à luz. As mulheres postaram suas fotos depois de parir, ao lado da imagem da duquesa de Cambridge, mostrando o que para elas é a realidade do pós-parto. Nessa linha se posiciona a ginecologista Josefina Ruiz, que ministra cursos de preparação para o parto há mais de 30 anos e é autora de duas obras de referência. A especialista considera que “uma mulher e uma criança têm que ficar internadas não menos de dois dias, para o caso de haver qualquer complicação ou hemorragia pós-parto, para ajudá-la a liberar o leite, para garantir uma boa pegada do bebê, para monitorar a evolução uterina e os pontos por episotomia ou por rasgadura e para que se recupere, descanse e facilite o vínculo e o apego com seu filho”.

A médica ressalta que o sistema de saúde espanhol está anos-luz à frente do britânico e muito acima do resto da Europa, somente com a França ao lado. “Na Alemanha, você tem de pagar a epidural, na Dinamarca não controlam a diabetes gestacional, em Genebra nenhuma clínica privada tem UVI neonatal.” E recorda que “a dona de casa britânica não tem quem monitore seu útero em sua residência nem tem quem lhe faça a comida e cuide de seus dois outros filhos e, sejamos realistas, às vezes contamos com pouca ajuda do pai”.

Por sua vez, Cecilia Ontiveros, parteira do Hospital Universitário La Paz e criadora do método Calvo Ontiveros de preparação ao parto, considera que a alta precoce é ‘o ideal”. “Claro, as altas precoces têm de estar ligadas às visitas das parteiras em domicílio, mas não temos infraestrutura”, reconhece Ontiveros, para quem em seu método, se uma mulher sai do hospital no dia seguinte ao parto, tal especialista deveria visitá-la em 24 a 48 horas “para fazer o acompanhamento em casa”. “A mulher recebe alta, mas é uma alta vigiada e acompanhada.”

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