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FMI questiona as grandes medidas econômicas de Donald Trump

Economia mundial acelera o ritmo, mas o Fundo adverte contra a guerra comercial entre as grandes potências e alerta que a desoneração fiscal agravará a desigualdade nos EUA

Amanda Mars
Donald Trump fala sobre a redução de impostos, durante um ato realizado na segunda-feira em Hialeah (Flórida).
Donald Trump fala sobre a redução de impostos, durante um ato realizado na segunda-feira em Hialeah (Flórida).JOE RAEDLE (AFP)

Duas das principais características da política econômica de Donald Trump, a grande desoneração tributária e a guinada protecionista no comércio exterior, fizeram disparar os alarmes do Fundo Monetário Internacional, que nesta terça-feira inicia sua reunião ordinária da primavera boreal em Washington. A economia global cresce a passo firme, com uma previsão de 3,9% tanto para 2018 como para 2019, segundo as previsões recém-publicadas. E os grandes motores – EUA , China, a zona do euro e o Japão – estão à frente desse movimento. Mas a disputa econômica entre os dois primeiros é um dos grandes riscos à vista.

Não há no mundo uma grande economia avançada para a qual o FMI preveja tanta expansão como a dos Estados Unidos. Seu PIB deverá crescer 2,9% neste ano, o que representa uma revisão de apenas dois décimos em relação ao que se esperava em janeiro passado, mas de até seis décimos com base nos prognósticos de outubro, na última cúpula do Fundo. O que aconteceu entre uma previsão e a outra é a maior redução de impostos dos últimos 30 anos nos Estados Unidos, só comparável à desoneração da era Reagan. O corte, que premia sobretudo as empresas, soma um montante de 1,5 trilhão de dólares (5,1 trilhões de reais) em 10 anos e estimulará a atividade em curto prazo, mas o impulso norte-americano voltará a ficar abaixo do seu potencial uma vez digerida essa ajuda fiscal.

Além disso, o relatório alerta para os efeitos dessa medida na distribuição de riquezas para um país já muito desigual. “Espera-se que as mudanças na política tributária nos EUA agravem a polarização da renda, o que poderia afetar o clima político nas opções políticas de futuro”, diz o texto

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Crescimento global ameaçado

O Fundo prevê que a economia brasileira terá um crescimento maior que o esperado, neste ano. O PIB deve avançar 2,3%, o que representa um aumento de 0,4 ponto percentual em relação à ultima estimativa de janeiro, que era de 1,9%. Segundo o Fundo, o crescimento será puxado pela recuperação do consumo privado e dos investimentos, mas a performance do Brasil ainda estará muito aquém da média global e das economias emergentes.

A zona do euro terá um crescimento de 2,4% (dois décimos a mais que a previsão de janeiro), e o FMI mantém a estimativa de 1,2% para o Japão, eleva em um décimo a previsão para a China (para 6,6%) e coloca a maior economia mundial, a norte-americana, nos já citados 2,9% (modera-se para 2,7% em 2019). Mas a partir daí começa uma enxurrada de notas de rodapé e advertências para o futuro que faz o atual brio parecer uma espécie de apoteose passageira.

“Que grandes economias estejam flertando com uma guerra comercial num momento de ampla expansão econômica pode parecer paradoxal, sobretudo quando essa expansão depende tanto do investimento e do comércio”, afirma o economista-chefe do FMI, Maurice Obstfeld, em sua declaração inicial da reunião de Washington. Essas grandes economias são simplesmente as duas maiores do mundo, Estados Unidos e China, que já se impuseram mutuamente uma primeira rodada de tarifas de volume reduzido, mas preservando a ameaça de uma nova série de taxações muito mais agressivas.

Washington clama contra o déficit comercial da economia norte-americana, de mais de 568 bilhões de dólares, dos quais 375 bilhões correspondem à defasagem com a China, a cujo regime Washington acusa de concorrência desleal e roubo de tecnologia. Depois das primeiras tarifas aplicadas ao aço e ao alumínio, ativaram-se negociações bilaterais entre os sócios comerciais para reduzir esse déficit, observa o Fundo, mas o organismo dirigido por Christine Lagarde salienta que a maior parte do déficit norte-americano em conta corrente se deve a fato de o gasto líquido superar o rendimento total. Por isso, advertiu Obstfeld, o déficit em conta corrente crescerá com a reforma fiscal recém-aprovada, mais 150 bilhões de dólares em 2019, segundo os cálculos do Fundo.

Entre esses desafios de médio prazo também figura a desaceleração da China, que prosseguirá assim que forem reduzidos os estímulos fiscais e o crescimento do crédito.

Busca por crescimento sustentável

O Fundo pede aos Governos que potencializem um crescimento mais inclusivo, do qual todas as rendas se beneficiem, e implementem as reformas necessárias enquanto o ciclo econômico ainda é positivo. Além disso, adverte para o endurecimento das condições financeiras, com juros mais altos e restrições ao crédito, em linha com a postura light adotada por Christine Lagarde de revisar erros do passado e buscar um crescimento sustentável dos países, dessa vez, realmente capaz de combater a desigualdade social. Por isso, não surpreende que o FMI tenha deixado em branco em seu relatório as previsões para a Venezuela. A entidade estima que o país caribenho feche 2018 com uma inflação de 13.864%. Em 2019, o valor de dezenas de produtos básicos continuará crescendo em 12.874%. Isso significa que, em dois anos, os preços deverão subir por um número astronômico de 1.811.751%. Ou seja, os preços multiplicarão em mais de 18.000 no mesmo período.

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