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Filhos jogam melhor sem os pais

Na Espanha, 90% dos casos de confusão nas categorias de base são provocados por adultos

Partida do Gallarta (de branco e vermelho), com os pais fora do estádio.
Partida do Gallarta (de branco e vermelho), com os pais fora do estádio.L. RICO
GORKA PÉREZ
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A luta contra a violência no futebol de base oferece episódios dignos de filme de Hollywood.

Um dos últimos foi protagonizado por uma equipe do País Basco, o Gallarta B, que compete no grupo 5 da Liga B de futebol escolar de Biscaia, província espanhola. Durante a partida na qual enfrentava o Ikhoba Kirol Kluba no último dia 3 de março, o público local foi advertido pelo árbitro com um cartão preto (medida implantada em 2012 pelo Governo provincial de Biscaia para castigar o mau comportamento) por lhe insultar continuamente.

A coisa não ficou por aí, e o pai de um dos jogadores do Gallarta B (de 13 e 14 anos nesta categoria) tratou de agredir o trio de arbitragem ao final do encontro, o que fez o clube receber seu segundo cartão preto. Depois deste episódio, a Federação Biscaína de Futebol (FVF) decidiu castigar com três jogos sem público o Gallarta B, que também perdeu três pontos. E, desde então, a equipe, que nesse momento estava no fundo da tabela de classificação, viveu de tudo. Em sua primeira partida sem pais, conseguiu a maior goleada da temporada: 6 a 0 no Trapagarán. Na segunda, empataram em 0 a 0 contra o Zuazo e neste sábado, no último encontro castigado, perderam para o Ortuella (4 a 0).

“As multas, dependendo da forma como lidamos, podem ser benéficas se fizermos uma reflexão”, reconhece Iñaki Ortega, presidente do CD Gallarta. “A princípio nos pareceu exagerada, como fiz a FVF ver, sobretudo porque nós imediatamente expulsamos esse pai das instalações e oferecemos todas as facilidades ao árbitro para que seguisse com os jogos programados. Eles estiveram muito confortáveis sem público e, tendo em vista os resultados, talvez as crianças possam dizer aos responsáveis que, sem eles, desfrutam mais do futebol”, afirma Ortega.

“90% dos episódios que encontramos não têm a ver com o mau comportamento dos jogadores, e sim de treinadores, torcedores ou pais”. Quem disse foi Jaime Pocovi, secretário do Comitê de Competição da Federação de Futebol das Ilhas Baleares (FFIB), arquipélago espanhol. Faz um ano, uma briga entre os pais das categorias infantis de UE Alaró e UD Collerense apareceu nos telejornais pela brutalidade das agressões. A Comissão decidiu neste caso impor multas de 750 euros (cerca de 3 mil reais) a ambos os clubes e enviar o vídeo dos culpados à polícia civil.

“O Alaró decidiu retirar-se da competição e nós acordamos de fechar o campo do Collerense ao público por toda a temporada”, recorda Pocovi. “À vista do ocorrido, decidiu-se levar a cabo uma série de congressos para buscar a melhor maneira de evitar que episódios como estes voltassem a se repetir, e foi tomada a decisão de redigir um Código Ético que serve a todos os clubes. Depois eles poderiam incluir alguma cláusula a mais se necessário”, acrescenta.

Encenação

Nove meses após a briga, os clubes voltaram a se enfrentar. Com o presidente da FFIB, Miquel Bestard, presente, jogadores, técnicos e pais de ambas as equipes entraram no campo juntos encenando um ato de amizade e desportividade para fechar o conflito.

“Um dos objetivos que nos propomos na hora de planejar este edifício foi separar rápido às crianças dos pais, que assim, com todo o carinho, não incomodarão”. Foram as palavras de José Martín, encarregado da planta de L’Alquería, as novas instalações esportivas do Valência Basket. “Posso ser o treinador mais expressivo quando joga minha equipe, mas quando vou ver jogar a meus filhos, não vaio, não agito os braços e não tento os treinar”, assegurou, em um dos discursos que viralizou nas redes sociais, Frank Martin, treinador da equipe de basquete da Universidade de Carolina do Sul, nos Estados Unidos.

O caso do Gallarta B evidenciou que a transformação drástica do meio tem uma influência direta no desempenho esportivo. Pode ser que, desde cedo, alguém decida utilizar as crianças como exemplo para encher as salas de cinema.

Rivalidade à brasileira

No Brasil, um caso semelhante chamou a atenção em 2014, quando Corinthians e Palmeiras se enfrentaram na final do Campeonato Paulista sub-11, no Parque São Jorge. A decisão foi marcada pela troca de ofensas entre os pais adversários nas arquibancadas e terminou com bombas e foguetes arremessados em direção ao gramado. Um dos rojões, que teria sido lançado por um familiar corintiano, explodiu a menos de cinco metros de onde estavam reunidos os atletas palmeirenses. Na época, foi levantada uma série de questões a respeito da pressão exercida por familiares e treinadores sobre jovens jogadores e de como os pais, contaminados pela rivalidade, transmitem esse fanatismo para as crianças.

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