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Coluna
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Cúpula das Américas: uma oportunidade perdida

O encontro terá poucos resultados e isso tem um custo para a população

Oliver Stuenkel
Cúpula das Américas em 2015
Cúpula das Américas em 2015Reprodução

A Cúpula das Américas é sempre uma oportunidade para os líderes discutirem como podem enfrentar juntos seus desafios mais urgentes. No entanto, a oitava edição do encontro, nos próximos dias 13 e 14 de abril em Lima, dificilmente cumprirá essa função.

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Neste ano, representantes de Governos, acadêmicos e jornalistas, que normalmente debatem suas ideias sobre o futuro da região nas semanas imediatamente anteriores ao encontro, mantiveram-se presos a assuntos internos, o que tem despertado em analistas a sensação de pessimismo, desinteresse e até desespero em relação à cúpula.

Mesmo os mais otimistas admitem que um progresso tangível é muito pouco provável e torcem para que o presidente dos EUA, Donald Trump, não aproveite a reunião para reforçar sua postura anti-imigrante com vistas a impressionar sua base eleitoral. Isso seria suficiente para tornar o encontro a pior cúpula desde que os presidentes da região se reuniram pela primeira vez em 1994 em Miami – e quase certamente um retrocesso em comparação à mais recente cúpula, realizada no Panamá em 2015, marcada pela importante decisão do então presidente Obama de se aproximar de Cuba.

No entanto, mesmo que Trump faça um discurso minimamente aceitável, não há muita esperança em relação ao evento. Uma combinação inédita de um Governo grotescamente despreparado e imprevisível em Washington, sem uma estratégia clara em relação à América Latina, um Brasil enfraquecido e um elevado número de presidentes em fim de mandato (em Bogotá, San José, Havana, Assunção, Brasília e Cidade do México), reduz muito o espaço de manobra das negociações em Lima. Tanto que, antes da reunião, os ministérios de Relações Exteriores dos países têm priorizado o agendamento de conversas bilaterais à margem do encontro principal, haja vista a baixa probabilidade de o evento resolver problemas que exijam ação conjunta.

Exemplo disso é a paralisia em relação à crise na Venezuela. Devido à oposição cubana e boliviana a ações mais enérgicas contra o regime de Maduro, não será possível alcançar um consenso sobre a questão. Como se tudo isso não bastasse, o presidente venezuelano, excluído do encontro neste ano, ameaçou comparecer mesmo assim.

Diante dessa perspectiva desalentadora, teria sido melhor adiar a cúpula para o próximo ano. Contudo, o novo presidente do Peru, Martín Vizcarra, que chegou ao poder depois da recente renúncia de Pedro Pablo Kuczynski, insistiu em manter a data.

Engana-se quem pensa que um fracasso da cúpula seria má notícia apenas para as relações exteriores. Sem cooperação regional, é impossível encontrar soluções para muitos dos desafios domésticos. Por exemplo, nenhuma liderança em Brasília pode melhorar a segurança pública na Cidade do Rio de Janeiro sem repensar a estratégia de segurança nas fronteiras, em parceria com os países vizinhos, e sem trabalhar com os governos da região para combater o crime organizado transnacional.

A violência relacionada ao tráfico de drogas talvez seja o maior fator desestabilizador na América Latina. Com grupos conservadores controlando a maioria dos parlamentos latino-americanos e defendendo uma guerra ineficaz e onerosa contra as drogas, a articulação regional é imprescindível para que grupos progressistas articulem e promovam políticas mais sensatas, como já acontece no Uruguai e nos estados norte-americanos Califórnia e Colorado.

Há mais exemplos. Nenhum governo pode enfrentar sozinho a crise de refugiados nas fronteiras da Venezuela. Reduzir a corrupção é impossível sem compartilhar, na região, as melhores práticas e estabelecer plataformas em que promotores, juízes e escolas de Direito possam fortalecer sua cooperação e estabelecer regras e normas regionais para evitar retrocessos – essa é, aliás, a única área em que poderá haver algum progresso em Lima.

Finalmente, um debate racional em toda a região é necessário para assegurar que a crescente influência política e econômica da China nas Américas realmente beneficie os cidadãos do Alasca à Terra do Fogo. Falta, porém, um consenso regional mínimo a esse respeito. O plano de Trump de pedir aos governantes da América Latina que se unam a ele na oposição às práticas comerciais de Pequim provavelmente não despertará muita simpatia em uma região que se favorece imensamente da demanda chinesa por commodities.

Sem uma cooperação regional sistemática e coordenada, políticas públicas gerarão menos bens públicos. No entanto, os governos não são os únicos responsáveis. As universidades brasileiras, por exemplo, ainda não investem o bastante na formação de futuras elites políticas que enxerguem a região como crucial para resolver problemas domésticos. No Brasil, em particular, falta uma consciência latino-americana, e a população muitas vezes não se interessa pela cooperação com os países vizinhos. Os veículos de imprensa, por sua vez, têm poucos correspondentes nas Américas, fora dos Estados Unidos.

A Cúpula das Américas é um foro de extrema relevância para estreitar as relações entre países com tantos desafios em comum. A deste ano, porém, perderá essa oportunidade. Espera-se que a próxima, em uma nova conjuntura política regional, recupere a agenda perdida.

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