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As horas decisivas de Lula

Ex-presidente vive o que devem ser seus últimos momentos de liberdade em um 'bunker' político no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC cercado de aliados e da família

Lula acena da janela do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.
Lula acena da janela do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.Sebastião Moreira (EFE)
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Luiz Inácio Lula da Silva passou o que devem ser suas últimas horas de liberdade em um bunker político, organizado no exato lugar onde sua vida pública começou no final da década de 1970: o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Ele entrou no prédio de quatro andares em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, cerca de uma hora depois de ser informado que o juiz Sérgio Moro havia decretado sua prisão. Eram quase 20h de quinta. Em 21 horas acabaria o prazo dado pelo magistrado para que ele se entregasse.

Quando entrou nas dependências do sindicato naquela quinta-feira, o ex-presidente mais popular do Brasil não sabia onde dormiria na noite seguinte. Uma cela privativa na carceragem de Curitiba, berço da Operação Lava Jato, já estava separada para recebê-lo. Na prisão, ficaria isolado. Mas naquela quinta ele decidiu que não ficaria sozinho. Permaneceria ali noite adentro, em uma sala espaçosa no final de um corredor, onde havia uma geladeira abastecida. Caixas de suco de fruta e pacotes de pão ainda estavam na mesa no início da tarde seguinte. Em seu lar improvisado, recebeu seus filhos e o restante da família, que permaneceram todo o tempo de liberdade que restava ao ex-presidente ao lado dele.

O refúgio político do petista está localizado no segundo andar do prédio, onde ficam as salas da direção do sindicato. Chegar até ele não era fácil. Primeiro, era preciso passar por uma barreira de grades de ferro e seguranças. Só entrava quem tivesse uma justificativa forte para convencer os guardiões. Ainda assim, a luta poderia ser frustrante. Passada esta etapa, chegava-se apenas a uma sala maior, com outra porta guardada por uma nova grade e mais seguranças. Por essa segunda barreira, só entravam lideranças do escalão mais alto da esquerda brasileira e alguns poucos assessores que chegavam a um espaço com sete salas. Mas era o suficiente para formar uma pequena multidão de cerca de cem pessoas. Lula, entretanto, não circulava por lá. Para alcançá-lo, era necessário enfrentar ainda um novo guarda. 

Ao destino final só chegavam os principais apoiadores do ex-presidente. Uma procissão de políticos que englobava ex-ministros, deputados e senadores do PT, PCdoB, PSOL e PDT, as principais legendas da esquerda brasileira. E pela ex-presidenta Dilma Rousseff, que esteve com ele na quinta à noite. Mas nem dentro deste círculo restrito se sabia com segurança o que aconteceria naquelas próximas horas. Especulava-se que o ex-presidente se entregaria em breve. E também que ele permaneceria ali até o final. O único a controlar o futuro parecia ser o próprio Lula.

Na manhã desta sexta, o petista se fechou em seus encontros com políticos e com seu advogado Cristiano Zanin. Enquanto isso, nas salas vizinhas a dele, duas reuniões aconteciam ao mesmo tempo. A primeira, de seus assessores políticos. A segunda, de seus assessores jurídicos. Pouco antes das 14h, um aviso: o ex-presidente sairia no corredor. Era necessário abrir passagem. Nos fundos surgiu um Lula abatido, preocupado. Abraçou alguns apoiadores, enquanto uma funcionária gritava na sua frente: “Com licença, gente. Reunião urgente! Reunião urgente!”. Minutos depois ele entraria em uma nova sala, desta vez com lideranças de movimentos sociais e dos partidos, além de seu advogado. Uma nova barreira é formada. Além de um clima de tensão. Confusos, os seguranças não reconheceram Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, um dos filhos do petista. Barrado, ele precisa explicar que é filho de quem é. Uma das apoiadoras petistas que está perto, ironiza: "Mas você não reconhece o dono da Friboi?", em referência aos boatos que circulam entre os odiadores de Lula de que seu filho enriqueceu com seu Governo e é o verdadeiro dono do megafrigorífico.

Pouco a pouco, as lideranças deixaram a sala onde estava Lula e começaram a se concentrar em um local mais afastado. A bancada no PT no Congresso se fechou em uma sala. Em um canto, a bancada do PCdoB de reúne. Todos discutiam quais seriam os passos nas próximas horas.

Ex-presidente sorri após o fim do prazo de Moro.
Ex-presidente sorri após o fim do prazo de Moro.Talita Bedinelli

Do lado de fora, uma contagem regressiva começa, anunciando que o prazo dado por Moro vai se esgotar. 17h. Uma pequena multidão se aglomera na frente de um aparelho de televisão que transmitia notícias, para onde, horas antes, o ex-prefeito Fernando Haddad olhava sério para a imagem de uma maquete da futura cela do ex-presidente. Tensa, uma liderança pergunta para outra: "E essa história de Tropa de Choque? Você viu foto?". Alguns acreditavam que a polícia iria invadir. Outros achavam que seria impossível. Gleisi Hoffmann, presidente do PT, surge no corredor, seguida por uma multidão de parlamentares. Descem pelas escadas para falar no carro de som. Lula continua na sala.

Pontualmente às 18h, Lula surge, enfim, por um corredor. É convidado por uma mulher a tirar uma selfie e aceita. "Deixa ele falar com o povo enquanto tem luz", alerta a presidenciável pelo PCdoB, Manuela D'Ávila. "Lula, você vai falar?", pergunto a ele. O ex-presidente gesticula com o dedo um sinal negativo. "Acho que é prudente eu não falar". Nas últimas horas de luz daquele dia, o petista entra em mais uma sala e se aproxima da janela. Lá embaixo, era aguardado por uma multidão, formada por pessoas que passaram a noite na porta do sindicato e por outras que haviam recém deixado o turno em uma das metalúrgicas da região. Ele acenou, sorriu, mas não falou. Cerca de 15 minutos depois, caminhou de volta em direção a sua sala privativa. Sorri muito, como se energizado pelos acenos de seus apoiadores. Bem-humorado e já com tempo de sobra, arrisca mais abraços. Consola uma mulher que chora. Engata uma conversa rápida com o senador Roberto Requião, do MDB.

"O senhor vai ficar aqui?", pergunto mais uma vez. "Eu vou ficar. Só não sei até quando."

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