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A desabalada carreira de Sérgio Moro em busca de seu troféu da Lava Jato

De vazamento de áudios ao decreto de prisão, processo do juiz de Curitiba contra petista tem momentos controversos, inclusive pela rapidez em alguns procedimentos

O juiz Sérgio Moro, durante um seminário sobre corrupção em Curitiba.
O juiz Sérgio Moro, durante um seminário sobre corrupção em Curitiba.HEULER ANDREY (AFP)
Felipe Betim

A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), decretada pelo juiz federal Sergio Moro na tarde desta quinta-feira, é um clímax da Lava Jato e espécie de principal troféu para o magistrado de Curitiba que se tornou um dos símbolos da operação. Nos primeiros minutos do dia, ainda na sessão de quarta que entrou pela madrugada, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu negar o habeas corpus do ex-mandatário. Menos de 18 horas depois, Moro recebeu um ofício do Tribunal Regional Federal da 4ª Região informando que já não havia obstáculos legais para o início do cumprimento da pena do petista. O relógio marcava 17h31. Exatos 19 minutos depois, às 17h50, uma rapidez que surpreendeu a muitos, inclusive os advogados do petista, Moro emitiu a ordem de prisão.

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Tudo aconteceu depois de dias em que a informação oficial fornecida pelo TRF-4 era a de que o tribunal seguiria a praxe: esperaria ao menos até a terça-feira, quando se esgotaria o prazo oficial para a entrada do último recurso da defesa de Lula. Ao que parece, os cálculos mudaram para que o relógio andasse mais rápido contra o petista. O TRF-4 emitiu a ordem e Moro justificou porque não esperou o último trâmite: o magistrado disse que se trata de "uma patologia protelatória e que deveria ser eliminada do mundo jurídico". Acrescentou ainda que "embargos de declaração não alteram julgados, com o que as condenações não são passíveis de alteração na segunda instância".

Um dos motivos para a pressa pode ser o temor de que o Supremo acabe por julgar ações que podem livrar o ex-presidente da cadeia. O ministro Marco Aurélio, que foi favorável ao habeas corpus do petista, tem nas mãos um pedido de liminar que cobra que o STF vete qualquer "prisão injusta" até que a mais importante corte do país julgue a questão de fundo no caso Lula: afinal, viola ou não o princípio da inocência de um réu prendê-lo antes que ele tenha tido o direito de recorrer de uma condenação? Há duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) neste sentido - Marco Aurélio é o relator - que tratam da questão. E esperança do partido PEN, que as moveu, era a que o ministro do Supremo concedesse a liminar. Questionado, porém, o magistrado demoveu os mais otimistas: "Eu não posso levar em conta nesse exame a situação de um caso concreto, de Luiz Inácio Lula da Silva", disse ao jornal Estado de S. Paulo. Não, descarta, porém, trazer o tema a todo o Supremo, mas só na semana que vem.

Um processo mais rápido que a média

Além dos lances dessa quinta-feira, o próprio histórico de Moro e do TRF-4 na Lava Jato mostram que a ação contra Lula andou mais rápido do que a média - e isso considerando que, de fato, a operação, com um juiz exclusivo na primeira instância, anda mais rápido do que boa parte dos processos na morosa Justiça brasileira. Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, a tramitação do processo do petista no tribunal de Porto Alegre foi a segunda mais rápida da Lava Jato, ultrapassando outras sete ações da operação. Nos outros 8 casos em que Moro determinou a prisão de réus que respondiam ao processo em liberdade, as ordens de detenção levaram entre 18 e 30 meses para serem expedidas. No caso de Lula, foram menos de 9 meses.

A condução de Sérgio Moro também tem sido marcada por outras jogadas ousadas e rápidas - muitas delas consideradas inadequadas. No dia 4 de março de 2016, ele decretou a condução coercitiva do ex-presidente, que teve de depor no aeroporto de Congonhas. O magistrado afirmou que havia feito para garantir a segurança do petista, mas acabou incendiando o país por um dia.

Dias depois, no dia 16 daquele ano, Lula decidiu assumir o ministério da Casa Civil à convite da então presidenta Dilma Rousseff. Moro recebeu um relatório da Polícia Federal com um enorme conjunto de grampos do caso Lula e decidiu, uma hora depois, às 16h21 daquele dia, quebrar seu sigilo e liberá-los ao público. Entre os áudios estava uma conversa gravada horas antes, às 13h32, em que Dilma falava de um termo de posse que deveria ser usado pelo ex-presidente "em caso de necessidade". Era a prova que os investigadores precisavam para demonstrar que Dilma buscava proteger Lula das mãos de Moro ao nomeá-lo como ministro.

A conversa foi vazada diretamente para a Globo News - Moro mais uma vez incendiaria o país. Ruas foram abarrotadas por manifestantes contrários a posse do petista, que acabou não ocorrendo após a interferência direta do ministro do Supremo Gilmar Mendes. Os grampos trariam não só a conversa central, mas milhares de outros diálogos sem nexo com a investigação, como uma conversa da mulher de Lula, Marisa, com o filho. O juiz precisou dar explicações públicas e inclusive se desculpou com o então ministro do STF Teori Zavascki, que criticou a decisão. Mas, a essa altura, o estrago e seu impacto político já estavam feitos. Apesar da advertência formal do STF, Moro pediu desculpas só a Teori, mas jamais disse ter se arrependido da decisão de divulgar os áudios. Pelo contrário, em recente entrevista no programa Roda Viva, reafirmou sua decisão: “Jamais pedi escusas.”

Agora, parece usar um cálculo semelhante em sua autodeclarada cruzada contra a corrupção. Preferiu o ônus da crítica por eventual açodamento a ver o maior troféu da Lava Jato escapar entre seus dedos. Com o atual cronograma, só um lance de último minuto ou uma reviravolta que faça Lula não se entregar podem estragar a imagem estampada nos jornais: Lula detido nas celas da Polícia Federal em Curitiba. Nem que seja por alguns dias.

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