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Quinze dias de escalada sangrenta no Rio após assassinato de Marielle

Estado teve duas chacinas, policiais mortos, tiros em shopping e confrontos na última semana. Execução da vereadora do PSOL e de seu motorista continua sem resposta

Militares patrulham o complexo do Lins, nesta terça.
Militares patrulham o complexo do Lins, nesta terça.Marcelo Sayão (EFE)
Felipe Betim

A contagem de mortos no Estado do Rio de Janeiro se acelerou nos últimos quinze dias, após a execução política da vereadora Marielle Franco (PSOL) e em meio a uma intervenção federal ainda sem rumo certo aparente. Só nesse período foram duas chacinas, uma na favela da Rocinha e outra em Maricá, vários policiais militares mortos, um confronto aberto entre milicianos e traficantes, uma tentativa de assalto em um shopping da Zona Sul que resultou em pânico e tiros, uma criança e outras três pessoas mortas no Complexo do Alemão... Nesta quinta, três pessoas morreram baleadas, sendo duas no município de Belford Roxo e uma na favela da Rocinha — que já soma 12 mortos em oito dias. A lista de mortos não para de crescer, apesar da promessa do presidente Michel Temer (MDB) ao assinar o decreto, no dia 16 de fevereiro: "O Governo dará respostas duras, firmes e adotará todas as providências necessárias para enfrentar e derrotar o crime organizado e as quadrilhas. Não podemos aceitar passivamente a morte de inocentes. É intolerável que estejamos enterrando pais e mães de família".

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No entanto, apenas na última terça-feira, 40 dias depois, o presidente garantiu o envio de recursos para o interventor e general Walter Braga Netto, chefe do Comando Militar do Leste e comandante máximo da segurança pública fluminense. Através de uma Medida Provisória (MP), que deverá passar pelo Legislativo mas que já entrou em vigor, o Governo Temer garantiu 1,2 bilhão de reais para o Rio. Mas Braga Betto, que ao longo do último mês analisou a situação dos aparatos de segurança, sobretudo as sucateadas polícias Civil e Militar, pedira 3 bilhões de reais para colocar as contas em dia.

Essa demora teve consequências nos dados do Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio, divulgados pelo jornal O Globo, que não são positivos para o Governo Temer. Entre aquele 16 de fevereiro e o dia 16 de março foram registrados 113 homicídios, dois a mais que o mesmo período de 2017 (111 homicídios) e quatro a mais que um mês atrás (109). Já o roubo de carros aumentou 19% com relação ao mesmo período do ano passado, mas caiu 8% se comparado com o mês anterior à intervenção. O roubo de cargas aumentou 12% no último ano e 6% no último mês.

Enquanto isso, a abordagem dos militares continua indefinida. A intervenção começou sua primeira semana com operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLOs) em favelas como a Kelson's e Vila Kennedy. As tropas acabaram se instalando nesta última comunidade, considerada pelo próprio Braga Netto como um "laboratório" da intervenção. Lá, destruíram barricadas montadas por traficantes, tiraram fotos de moradores e de seus documentos de identidade, abriram o caminho para um mutirão de serviços públicos... Com o território considerado estabilizado, mas com poucos resultados efeitos — traficantes continuaram agindo, ainda que de maneira mais discreta — a intervenção decidiu iniciar a retirada das Forças Armadas do local e entregá-lo a PM. O contexto era de forte contestação após o assassinato da vereadora Marielle Franco ao mesmo tempo que a violência em todo Rio não dava sinais de trégua.

Ainda assim, a esmagadora maioria dos moradores do Rio continua apoiando a intervenção, segundo uma pesquisa Datafolha: 76%. Mas a maioria, 71% dos entrevistados, também acredita que a presença das Forças Armadas não fez diferença. Um olhar com lupa nos dados revela algumas curiosidades. Por exemplo, o apoio a intervenção cai para 63% entre aqueles que moram na Zona Sul, a parte rica da cidade, e 66% entre aqueles que ganham mais de 10 salários mínimos.

Foi justamente na Zona Sul que a intervenção federal passou, nesta semana, a concentrar policiais e soldados das Forças Armadas. Estão em pontos com bastante movimento, como nas avenidas Presidente Vargas e Rio Branco (centro), na Praia de Copacabana e na Orla de Botafogo — no início desta semana, um assalto do Botafogo Praia Shopping resultou em tiros e pânico. Especialistas em segurança pública avaliam que a medida tem como objetivo aumentar a sensação de segurança da população e "mostrar serviço", ainda que tenha poucos efeitos práticos — sobretudo nos índices de violência, que por sua vez ocorre em lugares mais afastados.

O Rio conta seus mortos

E esses índices não pararam de aumentar na última semana. Só nesta quinta-feira, três pessoas morreram, sendo duas delas no município de Belford Roxo, na Baixada Fluminense: Marcos Wander Silva de Oliveira, secretário de Ordem Pública da cidade, e Tânia da Silva, diretora da Escola Municipal Jorge Ayres. Acredita-se que ambos foram mortos em assaltos, mas nenhum suspeito foi detido. O primeiro chegou a ser levado com vida para o hospital, mas não resistiu. A segunda levou um tiro na cabeça e, ao chegar ao hospital, sua morte cerebral foi decretada. Também morreu nesta quinta-feira, na favela da Rocinha, o ajudante de pedreiro Davidson Farias de Sousa, que estava na varanda de casa, com seu filho ainda bebê no colo, quando recebeu um tiro fatal. A criança não teve ferimentos graves.

Cinco jovens, entre eles três menores, foram executados em um conjunto residencial do Minha Casa Minha Vida. Eles participavam de um projeto cultural da Prefeitura do local

No dia 21, três policiais militares foram mortos em 24 horas, fazendo aumentar para cerca de 30 o número de agentes falecidos só em 2018 no Rio. Entre as vítimas está o fardado Filipe Santos de Mesquita, 28 anos, que morreu em um confronto entre bandidos e policiais Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha. Ele foi descrito por amigos e familiares como alguém "queria mudar o mundo" e que buscava se aproximar dos moradores da favela, segundo reportagem da BBC Brasil. Naquele mesmo dia também morreu na Rocinha, durante o mesmo confronto, um homem de 70 anos chamado Antônio Ferreira. Ele trabalhava com reparos de eletrodomésticos na comunidade e era conhecido por todos como "Marechal".

Três dias depois, no dia 24, a Rocinha vivenciou uma chacina, que resultou na na morte de oito moradores, sendo que ao menos seis pelas mãos da polícia. A operação ocorreu nas primeiras horas da manhã, na saída de um baile funk, e acabou com a vida do dançarino Matheus da Silva Duarte Oliveira, de 19 anos. Ele recebeu um tiro nas costas. Durante o enterro, sua família cobrou do Estado que o responsável por sua morte seja encontrado e punido. Seis inquéritos foram abertos para investigar as oito mortes. Por fim, no dia 26, um outro homem, que não foi identificado, morreu durante um tiroteio. Com a morte do ajudante de pedreiro no dia 29, chega-se aos seguintes números: um total de 12 pessoas mortas em oito dias apenas na favela da Rocinha.

Mas não foi só a Rocinha que vivenciou tragédias na última semana. No dia 25, no município de Maricá, cinco jovens, entre eles três menores, foram executados em um conjunto residencial do Minha Casa Minha Vida. Eles participavam de um projeto cultural da Prefeitura do local. A Polícia Civil afirma que duas pessoas participaram da execução e trabalha com a hipótese que foi cometido por milicianos.

Quem matou Marielle?

Em meio a este cenário de incerteza sobre a intervenção, o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes continua um enigma duas semanas depois. Nenhum suspeito foi achado. As autoridades afirmam que as investigações correm sob sigilo, de modo que não há como saber exatamente o andamento. Mas na primeira semana após o crime, várias pistas acabaram reveladas: soube-se que o assassino efetuou 13 disparos com uma pistola 9mm, que a munição usada na execução pertencia a um lote da Polícia Federal, que dois carros participaram da ação.... Mas na última semana o silêncio vem sendo absoluto. No Brasil, 92% dos homicídios não são apurados ou suas investigações ficam sem resultados. Apoiadores de Marielle temem que aconteça o mesmo, ainda que uma comissão externa da Câmara dos Deputados esteja acompanhando de perto o caso.

Paralelamente, a família de Marielle vem obtendo importantes vitórias na Justiça contra aqueles que espalharam mentiras e promoveram uma campanha difamatória contra a vereadora. Nesta quarta, o juiz Jorge Jansen Counago Novelle, da 15ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio, ordenou que o Facebook retirasse do ar, em um prazo de 24 horas, todos as publicações "que ofendam a intimidade, a honra e a imagem de Marielle Franco". Determinou ainda que a rede social informe se o Movimento Brasil Livre (MBL), assim como a pessoa identificada como Luciano Ayan, administrador do site Ceticismo Político, ligado ao grupo, "patrocinaram os posts que impulsionaram a onda de fake news". No início da semana, a Justiça do Rio já havia determinado que o Google retirasse 16 vídeos do Youtube que também continham mentiras contra a vereadora.

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