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O líder da seita de autoajuda que marcava “escravas sexuais” como gado

Keith Raniere, da Nxivm, acusado de tráfico de mulheres, foi preso no México no último domingo

Luis Pablo Beauregard
Keith Raniere, na foto do seu perfil no Facebook.
Keith Raniere, na foto do seu perfil no Facebook.
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Keith Raniere, o líder do obscuro grupo Nxivm (nexium), foi deportado por autoridades mexicanas para os Estados Unidos no último domingo depois de ser detido em uma luxuosa residência nos arredores de Puerto Vallarta (Jalisco). O chefe da suposta organização de autoajuda era procurado pelas autoridades norte-americanas pelos crimes de tráfico de escravas e formação de quadrilha para a prática de trabalhos forçados. Há alguns meses, o The New York Times revelou que algumas mulheres foram forçadas a fazer sexo e marcadas como gado com as iniciais do guru detido no fim de semana no balneário do oeste mexicano. Vanguarda, como Raniere é chamado dentro da organização, pode ser condenado a pelo menos 15 anos de prisão.

“Raniere criou uma sociedade secreta de mulheres com as quais fez sexo e que foram marcadas com suas iniciais, e que foram forçadas sob a ameaça de divulgar seus dados pessoais e se apropriar dos seus recursos”, afirma a peça de acusação apresentada ao Departamento de Justiça por Richard P. Donoghue, promotor do distrito leste de Nova York. “Raniere demonstrou um asqueroso abuso de poder em seus esforços para denegrir e manipular mulheres que considerava serem suas escravas sexuais”, afirmou William Sweeney, que comanda a investigação do FBI em Nova York.

Muitas escravas eram marcadas na zona pélvica com uma caneta cauterizadora com um símbolo que continha as iniciais de Raniere
Departamento de Justiça dos Estados Unidos

Raniere, de 57 anos, organizou durante duas décadas oficinas de motivação e autoajuda através da Nxivm, que tem sede em Albany (Estado de Nova York) e presença no Canadá, México e vários países da América do Sul. As reuniões eram promovidas como parte dos chamados Programas de Sucesso Executivo (ESP, na sigla em inglês). As oficinas tinham a estrutura de um esquema de pirâmide. Os participantes, chamados espians, pagavam milhares de dólares para participar e adquirir um manual que combinava a filosofia ultraliberal da escritora Ayn Rand com psicologia. Uma informação de 2011 afirmava que um curso de 160 horas custava 7.500 dólares (quase 25.000 reais, pelo câmbio atual). Uma vez dentro, e depois de assinar um contrato de confidencialidade, eram convencidos pela cúpula a investir mais dinheiro em aulas adicionais. Além disso, os líderes da organização os motivavam a recrutar novos membros e ascender no escalão do ESP.

O programa virou uma poderosa rede de influências e relações públicas com mais de 16.000 participantes. No México, Emiliano Salinas Occelli, um dos filhos do ex-presidente Carlos Salinas de Gortari (1988-1994), é membro do Conselho e coproprietário da filial mexicana do ESP. A fundação Inla’Kech, vinculada ao ESP, foi uma das promotoras e organizadoras da Caravana pela Paz com Justiça e Dignidade que viajou em 2011 por todo o país para exigir o fim da violência. A caravana teve como figuras centrais o líder menonita de Chihuahua, Julián Lebarón, e o poeta Javier Sicilia. O documentário Encender el Corazón, produzido e pago por ex-participantes das oficinas do ESP, também utilizou Lebarón como figura central para fazer um libelo pacifista ao mesmo tempo em que promovia a filosofia de Raniere.

Em outubro, após a revelação do NYT, Emiliano Salinas concedeu várias entrevistas para tentar desacreditar a reportagem do jornal norte-americano e se distanciar do escândalo. “Meu nome não aparece nesse artigo, nem há nenhum vínculo com o que eu faço no México”, disse ele em nota. Nesta segunda-feira, depois da detenção do líder da seita, o ESP México emitiu um comunicado em que manifesta sua “confiança” de que as autoridades norte-americanas “ratificarão no curto prazo a inocência de Keith Raniere”.

As autoridades que investigam a seita nos Estados Unidos afirmam que Raniere formou em 2015 um grupo mais seleto dentro da organização, ao qual chamou de DOS (“dominante sobre submisso”, na sigla em inglês). Esse grupo funcionava com mulheres “escravas” que tinham “donos”. Assim como na outra organização, as escravas precisavam recrutar novas mulheres para se tornarem donas e alcançar novos patamares. Segundo as vítimas que apresentaram queixas sobre a organização, apenas Raniere se encontrava no topo da pirâmide. O resto da DOS era composto por cerca de 50 mulheres.

Estes graves crimes contra a humanidade são não só espantosos como também desconcertantes. Hoje colocamos um fim a esta tortura
William Sweeney, agente do FBI em Nova York

As novatas que aderiam à DOS eram obrigadas a fornecer informações paralelas que poderiam comprometer amigos ou familiares, como fotos de nus e dados bancários ou financeiros para que a seita se apoderasse dos recursos. As integrantes eram chantageadas com o uso desta informação se decidissem abandonar a DOS ou revelar sua existência a terceiros. “Muitas escravas eram marcadas na região pélvica com uma caneta cauterizadora com um símbolo que continha as iniciais de Raniere”, afirma em nota o Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Essas marcas eram realizadas por uma osteopata seguidora do culto, numa cerimônia que era gravada em vídeo e na qual as escravas eram obrigadas a se despirem completamente. “Estes graves crimes contra a humanidade não são só espantosos como também desconcertantes. Hoje colocamos fim a esta tortura”, disse Sweeney após a captura de Raniere, obtida graças à colaboração de agentes do FBI no México e a Polícia Federal mexicana.

Nenhuma autoridade especificou por que Raniere se encontrava no México. O site Frank Report, dedicado a seguir os passos da seita internacional – e sobretudo as ações de seu líder – afirma que ele fugiu para o México depois da publicação da reportagem do NYT e da denúncia das vítimas às autoridades norte-americanas. Uma série de publicações supostamente situou o líder do ESP em San Pedro Garza García, um município vizinho a Monterrey e uma das áreas mais ricas do México. Em dezembro de 2017, o Frank Report assegurou que Raniere vivia em um condomínio de luxo chamado La Jolla, onde era protegido por mexicanas da DOS e do ESP. Até o momento não se sabe se isto é parte da lenda que cerca o autodenominado Vanguarda, que será apresentado a um juiz nesta terça-feira em um tribunal de Dallas-Fort Worth (Texas).

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