_
_
_
_
_

Lula e as eleições: um candidato preso ou inelegível desde já?

Depois da prisão confirmada no TRF-4, petista pode ter a candidatura impugnada Brechas jurídicas podem garantir campanha que favoreça um eventual plano B do partido

Lula durante ato de sua caravana em São Leopoldo (RS), no último dia 23.
Lula durante ato de sua caravana em São Leopoldo (RS), no último dia 23.DIEGO VARA (REUTERS)

A condenação de Luiz Inácio Lula da Silva no TRF-4 por conta do  caso do triplex do Guarujá abriu um cenário bastante confuso em relação às eleições de 2018. Os caminhos que o pleito poderá seguir, se o PT mantiver a candidatura de Lula, são muitos: vão da simples impugnação e substituição do petista por um outro candidato do partido até uma possível nova eleição ao final de todo o processo, passando por uma campanha feita por um candidato preso ou por um segundo turno disputado por um terceiro candidato mais votado. Tudo depende de quando as decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) serão tomadas e, também, de como caminharão os recursos do ex-presidente nas instâncias superiores da esfera criminal, como o Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ). À condenação confirmada nesta segunda pelo TRF-4 ainda cabe recurso, ou seja, ainda há prazos para esgotar a defesa do ex-presidente até o veredito final. Até lá, crescem as especulações sobre o destino pessoal e político do ex-presidente, preso no último dia 7 de abril.

Mais informações
Os dilemas da estratégia do PT, que aposta em Lula como candidato ou cabo eleitoral
O sistema político em crise de legitimidade enfrenta agora o ‘vácuo Lula’
“Para o mercado, não importa só a candidatura de Lula, mas seu capital político”
Em três dias, Temer lança a si mesmo e a Meirelles para a sucessão no Planalto

O Partido dos Trabalhadores (PT) já declarou inúmeras vezes que não tem um plano B para Lula. O argumento oficial é que lançar um nome que não o dele seria fazer o jogo dos que trabalharam pelo "processo de golpe", iniciado no impeachment de Dilma Rousseff e terminado com a retirada de Lula da competição. Mas mantê-lo como candidato, mesmo após a condenação em segunda instância (que o enquadra na Lei da Ficha Limpa), é também uma estratégia política. A aposta é que quanto mais ele se mantiver na campanha, mais seria possível transferir seus votos para um candidato substituto, caso fosse necessário. No último Datafolha, divulgado no final de janeiro, Lula aparece com até 37% das intenções de voto. Fernando Haddad, seu coordenador de campanha, tem 3% —segundo os jornais nacionais, Haddad, que não sairá candidato ao Governo ou ao Senado por São Paulo, já pede bênção aos caciques petistas para disputar a Presidência.  

Mas a manutenção de Lula na corrida eleitoral também é um sinal de que o partido tem esperanças em relação aos prazos da Justiça. Caso tudo corra de forma favorável ao ex-presidente, ainda é possível não só que ele faça campanha, mesmo preso, mas que também tome posse, explica o professor de direito eleitoral da FGV-SP e do Mackenzie, Diogo Rais. A pedido do EL PAÍS, ele explica quais os possíveis cenários eleitorais para o petista a partir de agora.

O que é a Lei da Ficha Limpa?

A Lei complementar 135, de 4 de junho de 2010, conhecida popularmente como Lei da Ficha Limpa, alterou a Lei complementar 64, de 18 de maio de 1990, aumentando as hipóteses de inelegibilidade eleitoral, os prazos desta inelegibilidade e permitindo que a regra fosse aplicada antes que se esgotassem todos os recursos judiciais a que um réu tem direito. Ela tornou possível que o TSE negue a candidatura de candidatos que tenham uma condenação em um órgão colegiado, como é o TRF-4.

Como isso pode afetar Lula?

A Lei estabelece que não basta apenas a condenação no órgão colegiado para alguém seja proibido de ser candidato. É preciso que o TSE aceite que ele não pode ser candidato. "Existem duas estruturas diferentes. Uma é a estrutura judicial criminal, que é por onde se desenvolve o processo do ex-presidente [em relação ao caso do triplex]. E a outra é a estrutura judicial eleitoral, por onde tramita o pedido de registro de candidatura", explica o professor Diogo Rais. "No nosso sistema, só quem é competente para dizer quem é elegível é a Justiça eleitoral", ressalta ele.

Isso significa que o PT poderá, sim, apresentar o pedido de registro da candidatura do ex-presidente no TSE, mesmo que Lula esteja preso. Depois que isso for feito pelo partido, outros candidatos, partidos políticos, coligações e o Ministério Público Eleitoral têm um prazo de até cinco dias para impugná-la, em uma petição fundamentada em provas. Quem decide se autoriza ou não a candidatura é o TSE. E, enquanto a decisão não acontece, Lula poderá continuar com a campanha. Segundo o professor, em geral, a decisão do tribunal eleitoral acontece em cerca de 30 dias. E, muito provavelmente, ela deverá ser no sentido de impedir a candidatura, já que a inelegibilidade de pessoas condenadas por tribunais colegiados é algo pacificado no STF.

Se a impugnação é quase certa, qual o motivo de mantê-lo candidato?

É aqui que entra a estratégia política. Segundo o calendário eleitoral desta eleição, os partidos e coligações podem registrar seus candidatos até as 19h de 15 de agosto. No dia seguinte, 16, já será permitido o início da campanha, com comícios, carreatas, distribuição de material gráfico e propaganda gratuita na Internet. A propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão terá início em 31 de agosto (37 dias antes das eleições).

Vamos supor que os prazos médios que costumam vigorar no TSE continuem os mesmos para essa situação. Se o PT registrar a candidatura de Lula no último dia possível (15), as impugnações ocorrem até 20 de agosto e o TSE toma sua decisão em até um mês, ou seja, até 20 de setembro. Lula terá tido mais de 30 dias de campanha. Isso viria a ser útil não só se, ao final, ele acabar candidato. Mas também caso ele precise lançar mão de um substituto: Lula funcionaria como um excelente cabo eleitoral.

Mas e se ele estiver preso, poderá fazer campanha?

Sim, mesmo preso ele poderá fazer campanha, explica o professor de direito eleitoral. "A Constituição só proíbe a campanha da pessoa condenada já em última instância", ressalta ele. Isso porque pessoas com sentenças transitadas em julgado perdem o direito político, ou seja, a capacidade de votar e de ser votado. "A Constituição fala que o preso que tem recurso não deveria nem ser preso. Acontece que o Supremo um tempo atrás passou a interpretar a Constituição dizendo que ela autoriza a prisão já a partir da segunda instância. Mas o Supremo não se manifestou sobre este outro artigo, que é o da suspensão política", explica ele. Nas eleições de 2016,  um candidato a vereador de Ibatiba, no Espírito Santo, fez campanha enquanto estava detido por improbidade administrativa e crimes de corrupção. Beto da Saúde (PSD) foi, inclusive, o mais votado da cidade e ocupa o posto atualmente.

E o que acontece se o TSE decidir que ele não pode ser candidato?

Tudo depende de quando essa decisão acontecer, explica o professor. Existem alguns caminhos possíveis:

  1. Se acontecer antes dos últimos 20 dias da campanha (até 17 de setembro): O PT teria um prazo de dez dias, após a a decisão do TSE, para registrar uma nova candidatura
  2. Se acontecer entre os últimos 20 dias da campanha e o primeiro turno: o PT não poderia indicar um candidato e ficaria sem um nome na campanha presidencial. Também não há previsão jurídica para que o partido ingresse em uma nova coligação
  3. Se acontecer quando (e se) Lula estiver no segundo turno: o PT também não poderia substituí-lo e o terceiro candidato mais votado no primeiro turno disputaria o segundo turno
  4. Se acontecer depois do segundo turno e ele for eleito: a chapa inteira seria cassada e novas eleições, convocadas

Mas sempre existe um porém...

Antes de tudo isso acontecer, o ex-presidente Lula ainda pode lançar mão de um outro recurso: o chamado 26-C, uma referência ao artigo de mesmo número e letra na Lei da Ficha Limpa. Após a condenação no TRF-4, o ex-presidente pode apelar ao STF e ao STJ para rever a decisão que o condenou em segunda instância. Junto a esses recursos, a defesa pode apresentar um pedido de liminar, com base neste artigo, que bloquearia a ação do TSE em relação à candidatura de Lula até que o processo dele seja julgado nesta instância. 

"O recurso do 26-C permite que a defesa pergunte para o tribunal: 'Tem alguma chance desse sujeito ser absolvido?' Se o STF ou o STJ achar que sim, dará uma liminar que autoriza a continuidade do registro da candidatura. É como se o tribunal mandasse uma cartinha para o TSE dizendo que não tem certeza se ele vai ser condenado ou não, então ele pode tocar a candidatura dele", explica o professor Diogo Rais.

Caso esse seja o entendimento do STF ou do STJ, o recurso sobre a condenação de Lula ganha prioridade neste tribunal. Ele precisa ser votado antes de todos os outros processos, com exceção de mandados de segurança e habeas corpus, que são medidas judiciais urgentes. Isso trancaria a pauta do tribunal, explica o professor. Por isso, a decisão final sairia rapidamente. Provavelmente antes mesmo do final da campanha.

Isso pode implicar em dois cenários

  1. Lula ser definitivamente absolvido das acusações relacionadas ao triplex, ficar livre e poder concorrer as eleições normalmente.
  2. Lula ser definitivamente condenado, ser preso e perder os direitos políticos.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_