_
_
_
_
_

Nilmara, a técnica que desafia o monopólio dos homens

Única mulher à frente de um time de futebol profissional masculino se tornou pioneira ao registrar o primeiro contrato de treinadora no Brasil

Seu jeito discreto, tímido até, faz com que ela se distancie naturalmente do estereótipo de treinador de futebol. Não tem o hábito de xingar palavrões, evita subir o tom de voz ao orientar jogadores, impõe respeito sem precisar ceder a tentações autoritárias. Nilmara Alves, de 36 anos, é a primeira mulher a obter o registro de técnica na Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e única à frente de uma equipe profissional masculina no país. Desde 2012, ela comanda o Manthiqueira, de Guaratinguetá, time que disputa a terceira divisão paulista. Embora nunca tenha militado em causas e movimentos feministas, o posto que ocupa diz muito sobre seu poder de resiliência. “Não é fácil para uma mulher trabalhar em um meio que sempre foi dominado pelos homens. Mas eu amo estar à beira do campo e quero ser treinadora por muito tempo”, conta Nilmara.

Sob o comando de Nilmara, o Manthiqueira disputa a terceira divisão paulista.
Sob o comando de Nilmara, o Manthiqueira disputa a terceira divisão paulista.Divulgação
Mais informações
A ascensão do Manthiqueira, o time que se inspira no Carrossel Holandês
Demissão de Emily Lima, a primeira mulher a comandar a seleção feminina
Por que os técnicos duram tão pouco no futebol brasileiro

Ex-jogadora, ela não pode se dar ao luxo de viver do futebol. Além de técnica, também dá expediente em uma creche pública de Aparecida do Norte, cidade vizinha de Guaratinguetá. No ano passado, teve de se afastar do cargo no clube para cumprir a jornada do outro emprego. Mas seguiu atuando como consultora à distância na campanha que levou ao inédito acesso à Série A3 do Paulistão. Jogadores do Manthiqueira elogiam seu conhecimento e a calma para tomar decisões em momentos de extrema pressão. “Ela sabe respeitar o espaço de cada atleta”, afirma o zagueiro Léo Turbo. Enquanto seus comandados se aprontam no vestiário, Nilmara espera do lado de fora e só entra para passar as últimas instruções antes da partida.

Mais longeva que a maioria dos colegas de profissão, ela reassumiu o posto de treinadora este ano, mas o respaldo da diretoria do Manthiqueira ao longo desses seis anos não foi suficiente para resguardá-la do preconceito. No início de carreira, ouviu desaforo de um técnico adversário que, antes de enfrentá-la, dizia abertamente que não aceitaria perder para uma mulher. O Manthiqueira venceu o jogo por 4 a 3, de virada. “Muita gente me apoia, mas tem também aqueles que não aceitam”, afirma a treinadora, que já se acostumou às provocações de torcedores rivais nos estádios. “Gritam que lugar de mulher é no tanque ou no fogão, não no campo de futebol. Quando aceitei o desafio de virar treinadora, sabia que teria de enfrentar barreiras e todo tipo de ofensa.”

Dado de Oliveira, o presidente do Manthiqueira, a mantém intocada no cargo independentemente dos resultados. Para ele, o mais importante é que ela siga fiel aos princípios do clube, que se autointitula laico, pró-diversidade e signatário do jogo limpo. Dado não admite que jogadores simulem faltas, cavem pênaltis ou tentem enganar a arbitragem. Exige que sua equipe jogue um futebol vistoso, com criatividade e troca de passes constante, sob a inspiração da lendária Laranja Mecânica, a seleção holandesa de Cruyff, Rinus Michels e companhia que quebrou paradigmas na Copa de 1974. Adepta de um estilo ofensivo, Nilmara se encaixou como uma luva nessa proposta. “Eu prefiro uma jogada bem trabalhada, com bola de pé em pé, do que um drible que não leva a lugar nenhum”, explica a técnica.

Antes de Nilmara, somente Cláudia Malheiro, vice-campeã acriana com o Andirá, em 2007, havia treinado um time de futebol masculino no Brasil. Mulheres são minoria até mesmo no comando de equipes femininas. A seleção brasileira da categoria é dirigida por um homem. Somente no fim de 2016, Emily Lima se tornou a primeira mulher a treinar o selecionado feminino, mas durou apenas 10 meses no cargo. Em sua sexta temporada no Manthiqueira, Nilmara Alves é um símbolo de representatividade que sonha com o dia em que exemplos como o dela sejam regra em vez de exceção. “Se a mulher tiver oportunidade de comandar, tempo de trabalho e apoio, tenho certeza que ela será tão bem sucedida quanto o homem. Acredito que o futebol ainda vai reconhecer nosso valor.”

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_