_
_
_
_
_
CRÍTICA | CINEMA
Crítica
Género de opinião que descreve, elogia ou censura, totalmente ou em parte, uma obra cultural ou de entretenimento. Deve sempre ser escrita por um expert na matéria

Mais Escobar, e apenas correto

Meu problema não é já o abusivo ‘déjà vu’ com o personagem e o argumento, e sim que o filme frustra minhas expectativas

Carlos Boyero
Mais informações
Charlize Theron: essa mulher, essa atriz
‘Jurassic World: Reino Ameaçado’: Os dinossauros estão em perigo (como sempre)
‘Jogador Nº 1’: Que imenso tédio o novo filme do Spielberg

Foi uma das colaborações mais felizes que já existiram no cinema espanhol (caramba… no cinema, sem restrições), a de um diretor chamado Fernando León de Aranoa com o ator Javier Bardem. Intitula-se Às Segundas ao Sol, e sua capacidade de comoção, sua arte, seu compromisso, sua loa à resistência, sua dureza, sua ternura, sua humanidade permanecem intactas para mim depois de tanto tempo e tantas salvadoras revisões. Santa, esse vagabundo barrigudo, sacana e insolente, infatigável sedutor das ruas (claro que acaba transando com a filha adolescente do seu amigo), tão metido como desamparado, profissional da sobrevivência razoavelmente enfurecido, narrador impagável do conto da cigarra e a formiga, genético, rebelde e conscientizado quebrador de luminárias públicas, embora essa atitude tão insensata lhe cause uma ruína ainda maior que a que já tem, com intacta consciência de classe, enganador e digno, dissimulado e generoso, parece-me uma das grandes criações da história do cinema, ao nível do Brando de Há Lodo no Cais e do Newman de A Vida É Um Jogo, três atores magnéticos e extraordinários que beiravam os trinta anos.

Aí você espera com grande entusiasmo o reencontro de criadores tão dotados em um projeto que aparentemente habitava a cabeça de ambos havia muito tempo, mas que por diversas circunstâncias demorou até agora para sair. Chama-se Escobar – A Traição (Loving Pablo, no original), que estreia no Brasil nesta quinta-feira, 23, e mergulha na lendária e infausta existência de Pablo Escobar, o ogro que jorrava ouro e desafiou o Estado – e esteve a ponto de vencer –; o capiau astuto transformado em super-homem da droga e arrogantemente consciente de que o dinheiro pode comprar e corromper tudo. E, se não o faz, a alternativa é o chumbo para os insubmissos.

Mas ocorre que este personagem fascinante e tenebroso, seu império de infâmia, suas relações familiares e sentimentais, sua sangrenta queda-de-braço com o Governo, sua briga com outros clãs pela posse absoluta do suculento bolo, sua implacabilidade e seu sadismo, seu poder de sedução, o respeito ou o medo de Deus e o mundo quanto aos seus desígnios e seu encurralamento final foram retratados ultimamente à exaustão em filmes e séries de televisão. Há uma overdose de informação e de ficção sobre sua sinistra figura e seu significado na história da Colômbia e na distribuição mundial da gulosa e indestrutível substância branca. Que eu recorde, me falaram de Escobar com melhor ou pior linguagem na esquecível série Escobar, o Senhor do Tráfico, na muito aceitável Narcos, no atrativo filme Profissão de Risco e na irrelevante Escobar: Paraíso Perdido. Também em documentários. E com certeza há mais. Além de prolíficos e já cansativos retratos de chefes de cartéis mexicanos, bolivianos, colombianos. E ultimamente também galegos, já que devido à lógica o fastuoso e inacabável negócio foi, é e será universal. Bom, imagino que a moda de Escobar e de Winston Churchill seja rentável, mas pode acabar em saturação.

E não importa o tema, e sim seu tratamento. De acordo. Meu problema com Escobar – A Traição já não é o abusivo déjà vu com o personagem e o argumento, mas sim que ele frustra minhas expectativas. É um filme que vejo bem, corretamente narrado, em que não olho o relógio, e que escuto pior. Não pela qualidade de seus diálogos, mas sim por sua rodagem em inglês, algo compreensível, mas anacrônico para o ouvido, ao escutar a língua de Shakespeare com feroz acento colombiano. Soa muito estranho.

E não decepciona o esforçado e notável trabalho de Javier Bardem, esse imenso luxo da interpretação espanhola (como José Isbert e Fernán Gómez) e internacional. E Penélope Cruz exibe credibilidade, angústia, beleza e sensualidade. Sei que nesta convulsa época é perigoso citar os dois últimos atributos, mas a evidência me absolverá.

Escobar – A Traição

(Loving Pablo)

Direção: Fernando León de Aranoa.

Elenco: Javier Bardem, Penélope Cruz, Peter Sarsgaard.

Gênero: ‘biopic’. Espanha, 2017.

Duração: 123 minutos.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_