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O Brasil em busca da revolução dos ventos

País aumenta sua geração de energia eólica e alcança o oitavo posto no ranking mundial. Nordeste concentra 80% dos parques e já chega a exportar energia para outras regiões

Complexo de Calangos, no Rio Grande do Norte, a maior instalação renovável da Iberdrola na América do Sul.
Complexo de Calangos, no Rio Grande do Norte, a maior instalação renovável da Iberdrola na América do Sul.Pedro Vitorino (Neoenergia/Divulgação)
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Meio-dia. O sol está no topo na Serra de Santana. Nesta região do semiárido potiguar, o calor sobe do solo. Não há verde, exceto por alguns cactos que costumam brotar sem programação. Na seca severa a paisagem se torna acinzentada, mas agora é época de chuvas e as árvores recomeçam a ganhar suas folhas. A natureza por ali é cruel. Mas ao mesmo tempo bondosa. Quando a chuva falta, o vento sobra em abundância. E, além de amenizar o calor, serve também para produzir eletricidade. Por isso, nos últimos anos, os sertanejos daquelas terras viram surgir turbinas do tamanho de prédios de 26 andares, que utilizam o vento pra produzir energia não poluente. As estruturas se repetem em muitas regiões do Nordeste, mudando o cenário local. Já são tantas que ajudaram a levar o Brasil à oitava posição no ranking mundial de geração de energia eólica, segundo dados divulgados no mês passado pela pela Global Wind Energy Council (GWEC). O prognóstico é que, em alguns anos, o país possa chegar a sexto, encostando em gigantes da área como a Espanha e a Índia.

O projeto de energia eólica no Brasil começou a ganhar força em 2009, quando o país passou a realizar leilões específicos para fontes de energias renováveis alternativas com contratos de 20 anos, trazendo garantia de retorno financeiro para os investidores. Com isso, despertou o interesse do mundo no potencial de seus ventos. Atualmente 6.600 aerogeradores, as grandes turbinas horizontais que usam o vento para gerar energia, estão distribuídos em 518 parques eólicos, segundo dados da Associação Brasileira da Energia Eólica (ABEEólica). Juntos, eles são capazes de gerar 13 GW de energia ao mês, ou 8,3% do que todas as matrizes energéticas produzem no país. No ano passado, segundo a associação, a energia dos ventos abasteceu, em média, 22,4 milhões de residências ao mês. Segundo o Ministério de Minas e Energia, dados recentes sobre o custo real de cada uma das fontes de energia apontam ainda que ela teve, no ano passado, o preço mais baixo dentre todas as matrizes.

Com os leilões já realizados, até 2023 o país implementará mais 213 parques, com um acréscimo de 4,8 GW. E a expectativa é que a capacidade total de energia eólica instalada chegue a 28,5 GW até 2026, segundo o Plano Decenal de Expansão de Energia brasileiro, aumentando a participação desta matriz para 12,5%. E, ainda assim, restará um enorme potencial eólico a ser explorado. Segundo o Plano, os ventos brasileiros podem produzir até 350 GW de energia. Por isso, apesar da crise econômica enfrentada pelo Brasil nos últimos anos, os investimentos na área continuam. O grupo espanhol Iberdrola, maior produtor de energias renováveis da Europa e dos EUA, anunciou que pretende investir nos próximos quatro anos 15 bilhões de reais no país nas suas diversas frentes de trabalho. A empresa é controladora da Neoenergia, a maior distribuidora privada de energia brasileira, com forte atuação no Nordeste. Ela gerencia 17 parques eólicos na região: três na Bahia, 11 no Rio Grande do Norte e três na Paraíba, onde serão implementados outros nove até o início de 2022.

Energia limpa

"Em termos de futuro, o Brasil ainda tem um enorme potencial e dará exemplo para outros países", explica Marco Aurélio dos Santos, coordenador do Programa de Planejamento Energético da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Como não pode ser estocada, a energia produzida pelos aerogeradores entra na rede elétrica, interligada em todo o país, no momento em que é produzida. Por isso, em épocas de muito vento, o Brasil consegue economizar parte da água dos reservatórios das hidrelétricas, resguardando-a para os momentos de menos vento, por exemplo, explica o professor. "É uma questão de otimização do sistema", afirma.  

Além disso, outra vantagem da eólica é que ela é mais limpa e ajuda o país a cumprir seus compromissos ambientais. E provoca menos impacto social do que a construção de hidrelétricas, outra energia renovável limpa, que no Brasil corresponde a 60% da capacidade energética instalada. Na construção da hidrelétrica de Belo Monte, por exemplo, áreas importantes de comunidades indígenas foram alagadas. No caso dos parques eólicos, as atividades podem continuar a ser realizadas mesmo com a instalação dos aerogeradores e acabam gerando uma renda extra para os donos das terras onde eles são implementados. As propriedades são escolhidas por meio de um software, que calcula quais são os pontos em que o vento é mais constante, explica Diogo Romeu Mariga, gerente de operação e produção da Neoenergia Renováveis.

O criador de gado Marcelo Assunção, de 27 anos, divide com outras 17 propriedades locais 15 máquinas do Complexo Calangos, localizado na Serra de Santana, no sertão potiguar. Ao todo, o local inaugurado no final de 2016 possui oito parques em quatro municípios vizinhos do Rio Grande do Norte, com 117 aerogeradores no total. Por mês, Marcelo recebe pouco mais de 2.000 reais pelo uso de sua área e pode manter suas 20 cabeças de gado pastando abaixo das turbinas. "O espaço utilizado é pouco, então não houve muita diferença. A gente tinha visto uns vídeos de como funcionavam as máquinas na Espanha. E quando eles chegaram, assustamos um pouco com o barulho", conta ele. "Mas com o dinheiro extra construímos um poço, o que ajuda na época da seca", afirma. 

O país, entretanto, enfrenta um desafio importante na área. Não basta aumentar a geração de energia eólica, é preciso garantir que ela chegue até os consumidores por meio das linhas de transmissão. Muitos parques, prontos, ficaram parados durante anos porque não estavam conectados com a rede elétrica. "O sistema de transmissão impõe um desafio. Em lugares como o Rio Grande do Sul e o Rio Grande do Norte, onde há um enorme potencial, temos uma baixa margem de escoamento", ressalta Eduardo Azevedo, secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia do Brasil. Mas ele afirma que os novos leilões, a partir de 2014, colocaram a garantia de que a empresa vencedora também é responsável por garantir a conexão. E o ministério realiza estudos para ampliar a rede atual.

Potencial do Nordeste

O Rio Grande do Norte, onde fica Calangos, é o Estado que possui mais parques eólicos (137) e um dos maiores potenciais para o aproveitamento dos ventos, explica Jacques Cousteau, coordenador do curso de Engenharia de Energia do Instituto Federal do Rio Grande do Norte. "Está na esquina do Brasil, possui ventos abundantes e frequentes o ano todo", diz.

Oito de cada dez parques instalados no Brasil estão no Nordeste. Na região mais pobre do país, os ventos estão entre os mais ricos do mundo, de acordo com especialistas. Ele são fortes, constantes e unidirecionais, o que potencializa o trabalho dos aerogeradores. Desta forma, as máquinas não precisam mudar de posição o tempo todo para buscar o vento mais adequado do momento. "É um vento muito especial, um recurso ímpar, que traz uma vantagem comparativa com outros países porque tem uma produtividade alta e um custo de produção menor", explica Elbia Gannoum, presidenta da ABEEólica. Segundo ela, enquanto a média europeia de produtividade do vento é de 28%, a nordestina ultrapassa os 50% na época conhecida como safra dos ventos, período que vai de julho a novembro. No Rio Grande do Sul, outra região do Brasil onde os parques se proliferaram nos últimos anos, ela chega a 40%.

De acordo com dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), responsável por coordenar a geração e transmissão de energia no país, em 21 de outubro de 2017 a geração de energia eólica bateu recorde no Nordeste, conseguindo suprir 62,74% da carga de energia da região. Ao somar o produto desta matriz com o gerado pelas hidrelétricas locais, em alguns dias dos meses de setembro e outubro do ano passado a região, que geralmente importa energia de outras áreas brasileiras, chegou a transferi-la para outras partes do país. "Sem a eólica, a gente estaria com um problema de geração de energia no Nordeste", garante o secretário de Planejamento do Ministério. Até 2026, a expectativa é que o Nordeste se torne um exportador frequente de energia para outras áreas do país.

A jornalista viajou a convite da Neoenergia/Iberdrola.

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