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Se a inflação caiu, por que o gás de cozinha e a gasolina subiram tanto no Brasil?

Os dois itens sobem seguindo a cotação internacional do petróleo, o que gera percepção de que os preços gerais não cedem, embora índice de janeiro seja o menor desde Plano Real

Pedro Ventura (Agência Brasil)

Pesquisar preços antes de fazer qualquer tipo de compra é rotina há tempos na vida da dona casa Maria Abreu, de 69 anos, que ganha um salário mínimo (954 reais) de aposentadoria. Nos últimos meses, no entanto, um item tem frustrado sua buscas por ofertas baratas: o gás de cozinha. "Em outubro eu ainda conseguia achar um botijão de gás por 53 reais, mas esta semana já tive que pagar mais de 70 reais e em um dos lugares mais baratos da região. Tem gente pagando até 100 reais no botijão", conta Maria que mora com a família no distrito de Pirituba, na zona Noroeste de São Paulo. Geralmente, a aposentada compra dois botijões de 13kg por mês já que, além de preparar as refeições em casa para mais quatro pessoas, ela precisa cozinhar o milho que usa nas pamonhas que vende para ganhar um dinheiro extra. "A verdade é que ficou bem pesado, mas não posso ficar sem", conta Maria que atualmente tem 14,5% do seu orçamento comprometido para pagar apenas o gás de cozinha.

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O preço do botijão de gás é um dos custos domésticos que mais aumentaram no último ano. De junho a dezembro, a alta do preço foi de quase 20% para o consumidor final, segundo estimativa do sindicato dos revendedores.  O número é quase oito vezes maior que a inflação no período, de 2,5%, medida pelo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). E não foram poucas as pessoas que sentiram, assim como Maria, a alta pesar no bolso. Hoje o gás liquefeito de petróleo (GLP, popularmente conhecido como gás de cozinha) é o combustível mais utilizado nas casas brasileiras - mensalmente são comercializados 35 milhões de botijões no país. Em dezembro, uma pesquisa Datafolha, mostrou que dois terços da população do Brasil consideravam que a alta do gás compromete muito o orçamento familiar.

A disparada no preço do gás, na contramão da queda da inflação, pode ser explicada pela nova fórmula utilizada pela Petrobras (única fornecedora do produto) para definir o valor do GLP na refinaria. Desde o segundo semestre do ano passado, ela passou a aplicar correções mensais no produto acompanhando o mercado internacional. A escalada da cotação do produto, que subiu quase 70% nas refinarias, fez a Petrobras revisar sua política no início deste ano. Ela continua tendo como referência o mercado internacional, mas os ajustes de preços passam a ser trimestrais em vez de mensais, com vigência no dia 5 do início de cada trimestre. Segundo a petroleira, o gás ficou 5% mais barato a partir de janeiro, mas ressaltou que a redução para o consumidor depende das distribuidoras e dos revendedores. O que não foi confirmado no mês passado. Segundo a Agência Nacional de Petróleo (ANP), o preço médio do botijão no Brasil saltou de 66,53 reais em dezembro para 67,31 reais em janeiro.

Assim como o gás, a gasolina foi outro combustível que disparou com o aumento do brent, já que a Petrobras também aplica nela uma política de paridade internacional desde julho. Com a nova metodologia, o preço da gasolina comercializado nas refinarias acumula alta de 21,66% desde então. O preço médio do litro para o consumidor brasileiro é de 4,22 reais atualmente, mas não são poucos os postos que já vendem a gasolina acima dos cinco reais.

Na avaliação do economista Heron do Carmo, ainda que a inflação esteja em trajetória de queda, e em janeiro tenha subido apenas 0,29%, o menor índice para os meses de janeiro desde a criação do Plano Real, o aumento desses dois itens importantes de consumo, que pesam para a classe baixa e média, dão a sensação que os preços não param de subir e que não há alívio no ritmo desse aumento. "É natural que as pessoas prestem atenção para o que está subindo. Mas tem muitas coisas caindo, como o aluguel e os alimentos. A percepção das pessoas é bastante seletiva", explica.

O economista ressalta também que a forte recessão que o país atravessou nos últimos anos reduziu de forma significativa a renda da população brasileira, cerca de 10%, o que dificulta a percepção da queda da inflação. No acumulado dos últimos doze meses, o IPCA desceu para 2,86%, ficando abaixo dos 2,95% registrados nos 12 meses imediatamente anteriores, segundo dados publicados nesta quinta-feira pelo IBGE. A inflação paras as famílias mais pobres foi ainda menor e recuou para o menor nível da historia. O indicador  que mede a variação de preços para esse grupo ficou em 2,07%. "A queda no ritmo do aumento dos preços, no entanto, foi acompanhada por uma crise, que tirou a renda da população. Por isso o efeito do recuo da inflação não é fácil de ser sentido. Não conseguimos isolar uma coisa da outra, sentimos o conjunto da ópera", explica do Carmo.

Fonte: ANP

Logística e impostos também encarecem produto

Ainda que o valor da refinaria dite grande parte da alta do gás, o preço do botijão é formado por outros componentes que também são responsáveis pelas variações do valor do produto. Além do preço do produtor, é preciso levar em conta os impostos (ICMS/CIDE/PIS/Confins) e a margem das distribuidoras e revendedoras. "O custo da logística tem um peso importante na formação do preço, uma vez que se trata de um produto entregue porta a porta", explica Sérgio Bandeira de Mello, presidente do Sindigás.

O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é o que tem maior peso na venda do gás. "Como alguns estados tem um ICMS mais caro é comum que haja uma variação também entre as regiões do país. A questão é quem mais sofre com essas variações, são os mais pobres que têm seu orçamento bastante comprometido", diz Fábio Gallo, professor de Finanças da FGV. Na última semana, o preço máximo do botijão de gás encontrado no país foi em Mato Grosso, onde o produto foi vendido a 120 reais. Já o mínimo foi registro na Bahia, com um valor de 45 reais. Ainda segundo Gallo, os preços mais baixos geralmente estão em regiões mais populosas onde há mais revendedores e, logo, mais concorrência.

"Apesar de estarmos atravessando um momento de aumento do preço do petróleo e derivados, a política da Petrobras hoje é mais saudável do ponto de vista empresarial, já que durante o Governo de Dilma Rousseff os preços ficara abaixo do mercado internacional, gerando um prejuízo grande a estatal, mas sobra para o consumidor", explica. No mandato da presidenta petista, os preços administrados - combustíveis e energia elétrica, principalmente - foram controlados artificialmente para segurar a inflação. A medida foi duramente criticada e acabou gerando depois um tarifaço, levando a inflação brasilira a dois dígitos em um grave momento de crise econômica.

Ainda segundo Gallo, como o preço do petróleo e seus derivados varia de acordo com a cotação de outros mercados, algumas vezes o produto vai subir bem acima da inflação e, às vezes, abaixo. No último ano, a turbulência no Oriente Médio acelerou a escalada do preço de petróleo, o que gerou tamanho aumento nos preços da gasolina e do gás.

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