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‘Perambule’, a alegria e a nostalgia dos dias

Novo livro de Fabrício Corsaletti, da Editora 34, cumpre com perfeição o mandato da crônica, da literatura ao rés do chão

Foto de capa do 'Perambule'
Foto de capa do 'Perambule'ALEXANDRE KOK (REPRODUÇÃO)

Depois de acabar de ler Perambule, o novo livro de Fabrício Corsaletti, publicado pela Editora 34, você fica se perguntando como vai fazer para falar sobre esse punhado de crônicas, poemas e poesias em prosa que acabou de ler. Talvez, um jeito possível seria recorrer a um estratagema do próprio autor.

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No texto de abertura da coletânea, Corsaletti fala sobre Paterson, um dos filmes mais tocantes de 2017, sem dizer quase nada sobre o filme. Opta, ao contrário, por descrever a trivialidade de um dia: o despertador tocou, ele beijou a namorada, ouviu buzinas, reparou numa paisagem familiar, nuns estudantes saindo da faculdade, pensou no bar que um dia abriria e, por fim, concluiu que o melhor é não ter bar nenhum.

Com isso, mesmo sem conhecer o filme, dirigido por Jim Jamursch, em que um motorista de ônibus e poeta nas horas vagas leva a existência mais frugal e cotidiana possível, já sabemos tudo o que é necessário saber sobre o enredo. No parágrafo derradeiro do texto, Corsaletti arremata: "Sobrou pouco espaço para falar do filme, mas concordo: os melhores poemas são escritos no ar, motoristas de ônibus vão salvar o planeta, a serenidade é cheia de fósforos".

Outro modo de apresentar Perambule, que organiza textos de Corsaletti publicados na Folha de S. Paulo entre 2014 e 2017, seria, como faz Gregorio Duvivier na orelha do livro, dizer que o escritor é herdeiro direto de Rubem Braga – o cronista da borboleta-amarela, que era capaz de colocar o sentimento do mundo em um texto sobre a observação matutina, a partir de uma varanda distante algumas quadras do mar, de um homem atravessando Ipanema a nado.

Aqui, então, também poderia se dizer que o texto de Corsaletti não é apenas herdeiro de Braga, mas cumpre com perfeição o papel que Antonio Candido confere às crônicas, sendo uma literatura ao rés do chão, desimportante. O nome do livro, por isso, não poderia ser outro. Perambule, no imperativo, não como uma ordem, mas sim como uma referência a um poema de Waly Salomão que, em outras palavras, diz que perambular é o que nos faz humanos, nossa melancolia e alegria.

Só que, entre a artimanha de Corsaletti para falar sobre Paterson, e a localização de seu livro numa tradição histórico-literária-brasileira com patentes e linhagens bem definidas, o melhor, com certeza, é ficar com a artimanha do autor.

Assim, sem medo de ser cafona, Perambule, é sobre o café preto que engolimos de manhã; a lojinha de japoneses que nos chama atenção todo dia no caminho do trabalho; a criança que pede esmola na mesa do bar; a etílica interpretação de My Way às quatro da manhã em um karaokê tão alegre quanto decadente; a lembrança de quando nosso irmão mais novo se acidentou e ficamos impotentes diante da cena; a incrível história de um padre brasileiro que morreu, perdido no Atlântico, ao achar que poderia voar suspenso por balões de gás hélio.

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