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O guru anti-luxo que construiu o império Ikea

Ingvar Kamprad “faleceu tranquilamente em sua casa” na Suécia, segundo anúncio feito pela empresa

Ingvar Kamprad, fundador da rede de móveis Ikea, em foto de 2006.
Ingvar Kamprad, fundador da rede de móveis Ikea, em foto de 2006.Cristóbal Manuel
María Fernández
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Há anos vivia retirado em sua encantadora casa em Småland (sul da Suécia), um imóvel simples onde se permitiu um único luxo: uma piscina à beira da qual costumava fechar acordos comerciais com seus fornecedores. “Não voo em primeira classe, os executivos das lojas tampouco”, sentenciava, frequentemente, Feodor Ingvar Kamprad (Suécia, 1926). Comprava roupas usadas, hospedava-se em hotéis baratos e não se importava em adquirir produtos a ponto de perder a validade. O fundador da Ikea morreu no sábado, 27 de janeiro, “tranquilamente e rodeado por seus entes queridos”, segundo um comunicado da empresa. O testamento não foi divulgado ao público.

Kamprad foi um desses cada vez mais raros bilionários que erguem seus próprios impérios. Em seu caso, o resultado de uma obsessão pessoal pela democratização do design e da eficiência, não por uma vida de luxo e ostentação. A revista Forbes chegou a listá-lo como a terceira pessoa mais rica da Europa, e a Bloomberg estima sua fortuna em 42,2 bilhões de euros. Mas ele não prestava atenção em dinheiro, apenas na hora de economizar. Nascido no seio de uma família pobre, aos 5 anos vendia palitos de fósforos, grãos e canetas a seus vizinhos. Com apenas 17 anos fundou sua empresa de móveis, unindo suas iniciais (I e K) com as primeiras letras de Elmtaryd e Agunnaryd, a fazenda e o vilarejo onde cresceu. No início contava com fornecedores locais e, seis anos depois, conseguiu lançar seu primeiro catálogo (1951). Designer autodidata, abriu seu primeiro showroom de móveis em Älmhult (Suécia) em 1953, e sua primeira loja em 1958.

Austero até não poder mais (“Não creio que tenha alguma peça de roupa que não tenha sido comprada em segunda mão. Isso significa que quero dar um bom exemplo”, dizia), gostava de passear por bosques bucólicos e recomendava a todos os funcionários que adotassem os valores da empresa. O The New York Times recorda que Kamprad nunca ocultou seu vício por álcool, que, segundo ele, era controlado com tratamentos de desintoxicação várias vezes ao ano.

Sua política de economia de custos, além dos bons preços, se apoiou na entrega de móveis desmontados que seriam armados em casa pelo cliente — um conceito-chave do grupo. O empresário conseguiu formar uma rede de 350 lojas em 29 países com vendas em torno de 36,3 bilhões de euros. E imprimiu valores que recomenda compartilhar com seus 190.000 funcionários. Em 1986, deixou a direção da Ikea para continuar como consultor, e em 2013 anunciou sua decisão de sair do conselho administrativo, que passou para as mãos de um de seus três filhos, Mathias. Os outros dois contam com responsabilidades específicas no grupo. Há dois anos perdeu sua segunda mulher, Margaretha Sennert, com quem se casou em 1963. Sua única visita pública à Espanha foi em 2006, quando tinha 80 anos. Aqueles que o conheceram na ocasião dizem que o empresário apareceu em uma das lojas às 5h45 para conversar com os caminhoneiros que descarregavam material. Só foi embora depois das 17h, e durante toda a jornada só o viram se sentar duas vezes.

Passado fascista

Algo de que Kamprad sempre se arrependeu foi de seu passado como simpatizante do fascismo, uma revelação feita em 1994 pelo jornal Expressen, de Estocolmo. Seu nome aparecia vinculado ao de Per Engdahl, fascista sueco, e a seu movimento de extrema-direita. “Foi o erro mais estúpido da minha vida”, reconheceu o empresário, argumentando que tinha sido influenciado por uma avó alemã e pela visão de uma Europa “socialista não comunista”. Também foi muito criticada sua decisão de morar na Suíça em 1976 para evitar os altos impostos suecos, apesar de, em 2014, ter fixado domicílio em seu país depois de uma reorganização do grupo.

Sua obsessão pela economia talvez tenha se projetado demasiadamente em seu império. Em dezembro do ano passado, a Comissão Europeia informou que está conduzindo uma investigação sobre a estratégia da Ikea para reduzir o pagamento de impostos na Europa. O órgão executivo da UE está estudando dois incentivos fiscais sob medida que a Holanda ofereceu à multinacional e que corroeram substancialmente — um deles ainda hoje — os lucros sujeitos a tributação. Um estudo do Partido Verde no Parlamento Europeu, que propiciou a investigação, estima que esses supostos benefícios fiscais estão em torno de 1 bilhão de euros. Diante disso, o grupo recorda que um de seus princípios é “fazer negócios de maneira responsável” como única via para “obter um negócio rentável". No último ano fiscal, o grupo pagou 825 milhões de euros mundialmente em Imposto de Sociedades, o que equivale a uma taxa de imposto efetiva de 24,9% (em relação a 21,6% em 2016). A declaração de impostos total, incluindo outros impostos e tarifas como as taxas imobiliárias, ambientais e alfandegárias, chega a 1,26 bilhão de euros.

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