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Papa sobre o bispo chileno acusado de acobertar abusos sexuais: “É tudo calúnia. Está claro?”

Francisco encerra viagem ao Chile alimentando ainda mais a polêmica com as vítimas. Elas insistem que o bispo Barros viu como eles foram abusados durante anos

Carlos E. Cué
Enquanto se encaminhava para Iquique, o papa Francisco casou dois membros da tripulação do voo, Paula Podest (c) e Carlos Ciuffardi (esq). Os dois já eram casados no civil, e só não haviam casado na igreja porque o templo onde o fariam foi destruído por um terremoto em 2010.
Enquanto se encaminhava para Iquique, o papa Francisco casou dois membros da tripulação do voo, Paula Podest (c) e Carlos Ciuffardi (esq). Os dois já eram casados no civil, e só não haviam casado na igreja porque o templo onde o fariam foi destruído por um terremoto em 2010.OSSERVATORE ROMANO (EFE)
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A sombra dos abusos sexuais da Igreja chilena obscureceu a viagem do papa Francisco a esse país vizinho do seu durante os três dias, até o último minuto. A polêmica não se extinguiu, mas o próprio Pontífice a reaqueceu no último momento de sua viagem, em Iquique, no norte, perto da fronteira com a Bolívia. Francisco passeava antes de entrar no Papamóvel e um jornalista da rádio Bio Bio perguntou-lhe sobre a polêmica gerada pela presença em todos os eventos, também em Iquique, do bispo de Osorno, Juan Barros, que segundo as vítimas dos abusos do sacerdote Fernando Karadima acobertou a violência porque sabia tudo e nunca disse nada. Barros foi secretário de Karadima durante anos, e algumas vítimas como Juan Carlos Cruz afirmam que ele viu como os tocava ou os forçava a beijá-lo. Barros nega tudo e afirma ter o apoio do Papa. E Francisco deixou isso muito claro. Com um rosto muito sério, indignado com a polêmica que arruinou pelo menos midiaticamente sua viagem, disse aos jornalistas: “No dia que me trouxerem uma prova contra o bispo Barros, então eu falarei. Não há uma única prova contra ele. É tudo calúnia. Está claro?”

Juan Carlos Cruz — que insiste que Barros viu durante anos como abusaram dele — respondeu-lhe rapidamente: “Como se alguém pudesse ter tirado um selfie ou uma foto, enquanto Karadima abusava de mim e de outros com Juan Barros parado ao lado, vendo tudo”, clamou diante da exigência de provas. “Essas pessoas de cima estão loucas e @pontifex fala de reparação às vítimas. Continuamos na mesma e seu perdão continua sendo vazio”. Cruz, que hoje é alto executivo de uma multinacional e mora nos EUA — todas as vítimas são de famílias conhecidas e com boa formação — insistiu com sua batalha no Twitter em várias línguas para todos aqueles que colocavam em dúvida a sua versão. Outra das vítimas, José Andrés Murillo, que se juntou a Cruz e criou uma fundação de proteção das crianças, também respondeu indignado: “Isso já se tornou pessoal... Francisco, perceba que nossa luta é contra o abuso... Bento, precisamos de você agora”, ironizou.

Pouco antes desse apoio explícito de que o Papa quis que fosse visto por todos, o próprio bispo Barros, que viaja para as missas no mesmo avião que a imprensa chilena, explicou que o Papa lhe havia dado seu apoio em particular. Mas essa decisão do Pontífice de fazê-lo em público lhe dá uma dimensão muito maior. É o único momento que Francisco disse algumas palavras à imprensa durante toda a viagem. Não foi algo organizado, mas espontâneo, mas quis deixar clara sua posição em favor de Barros. Depois, diante de todas as câmeras, ele se despediu de Barros com um grande abraço e um beijo. “O Santo Padre foi muito carinhoso no final da missa ao me dar ânimo e carinho, foram palavras de apoio. O Santo Padre sempre foi muito carinhoso e muito solidário comigo”, disse Barros a um grupo de jornalistas pouco antes de receber o apoio incondicional do Papa que confirmou suas palavras.

Essa polêmica final obscurece a mensagem que Francisco quis dar no primeiro dia sobre a “vergonha” que sentia pelos abusos que destruíram a imagem da Igreja chilena e enfraqueceram sua presença ao ponto de os dois principais eventos fora de Santiago, em Temuco e em Iquique, terem mostrado claramente as dificuldades para reunir os fiéis porque compareceu muito menos gente do que o previsto e eram visíveis as enormes áreas vazias com telas gigantes preparadas para fiéis que nunca chegaram da forma maciça prevista pela organização, algo nada usual nas viagens de um Papa que, em outros países, é uma estrela indiscutível que lota todos os lugares.

Papa defende imigração e clama contra aqueles que exploram os estrangeiros

C.E.C.

O Chile é um país rico dentro da América Latina que está atraindo imigrantes dos países fronteiriços. Existe uma tensão crescente, especialmente no norte do país, onde fica a fronteira com a Bolívia e há maior pressão. O Papa foi até lá para lançar um discurso de forte defesa da imigração diante de milhares de pessoas vestidas com trajes típicos de vários países.

Em Iquique, uma região de mineração, concentram-se imigrantes vindos da Bolívia, Peru, Colômbia — e mais recentemente do Haiti — em busca de oportunidades. O discurso racista está se espalhando inclusive na política e 68% dos chilenos são a favor da limitação da imigração, enquanto 47% acreditam que eles tiram trabalho dos chilenos, de acordo com o Instituto Nacional de Direitos Humanos.

O Papa tentou deter essa onda de xenofobia no Chile e em todo o planeta na era Trump. “Não há alegria cristã quando se faz sentir aos demais que estão sobrando ou que eles não têm lugar entre nós. Iquique é uma região de imigrantes que nos lembra da grandeza de famílias inteiras que, diante da adversidade, não se dão por vencidas e vão à luta. Devemos ficar atentos a todas as situações de injustiça e às novas formas de exploração que expõem tantos irmãos a perderem a alegria da festa. Devemos ficar atentos à precarização do trabalho que destrói vidas e lares. Devemos ficar atentos aos que se aproveitam da irregularidade de muitos imigrantes porque não conhecem a língua ou não têm os documentos em ordem”, clamou.

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