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Globo de Ouro 2018: as mulheres de Hollywood que já não se calam

Natalie Portman aponta falta de representatividade feminina ao apresentar indicados a melhor diretor. Premiação também lançou grito contra o assédio sexual em Hollywood e o racismo

Natalie Portman e Ron Howard na apresentação do prêmio de Melhor Diretor no Globo de Ouro.
Natalie Portman e Ron Howard na apresentação do prêmio de Melhor Diretor no Globo de Ouro.Paul Drinkwater (AP)
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Desde o primeiro segundo. Da primeira imagem do tapete vermelho. Sem trégua. O primeiro evento de Hollywood neste ano, a 75ª edição do prêmio Globo de Ouro, foi uma grande discussão sobre o movimento feminista que vem causando uma reviravolta na indústria do cinema. O fim do assédio sexual no setor, dos testes do sofá exigidos das mulheres na época dourada, está em curso. Decidiu-se que o preto seria a cor da solidariedade com as vítimas que tiveram a coragem de falar, e essa foi a cor que dominou o tapete vermelho. Somaram-se a isso broches com a frase “Time is Up” (“o tempo acabou”) e contundentes declarações para os microfones. Se há uma mensagem nessa edição do Globo de Ouro é que as mulheres de Hollywood já não sorriem e se não calam. "E aqui estão todos os homens indicados", provocou Natalie Portman ao anunciar o prêmio de Melhor Diretor, deixando a plateia masculina com sorrisos amarelos frente a falta de representação feminina na disputa, especialmente a aclamada Greta Gerwig, diretora de 'Lady Bird'. “Vemos vocês, ouvimos vocês, e vamos contar suas histórias”, disse Reese Witherspoon resumindo o momento.

O apresentador da festa, Seth Meyers, tinha o impossível trabalho de tornar engraçado o que não tem nenhuma graça e é ao mesmo tempo inevitável. “Quem precisa apresentar outras premiações está me olhando como se eu fosse o primeiro cachorro enviado à Lua”, disse. Optou por não deixar nada de fora. Citou nominalmente o produtor Harvey Weinstein e disse que ele “voltará dentro de 20 anos para ser a primeira pessoa vaiada durante o segmento in memoriam”. Um murmúrio percorreu a salão do hotel Beverly Hills Hilton. “Sim, vai soar desse jeito.” Os risos indicaram que Weinstein já morreu para este mundo. Houve muitas outras brincadeiras sobre assédio sexual. Pode-se discutir seu bom gosto, mas Meyers falou sem meias palavras, na noite em que Hollywood decidiu falar sem meias palavras.

O melhor filme dramático do ano, na opinião dos filiados à Associação da Imprensa Estrangeira de Hollywood, foi Três Anúncios para um Crime, dirigido por Martin McDonagh e com uma poderosa Frances McDormand no papel principal. O grande prêmio da noite era praticamente um cara-ou-coroa. Não havia apostas seguras. As outras eram nada menos que Dunkirk, Me Chame pelo Seu Nome, A Forma da Água e Segredos do Pentágono. Qualquer um teria sido um ganhador justo.

Apesar de não levar o prêmio de melhor filme, Guillermo del Toro foi o melhor diretor do ano na opinião dos correspondentes estrangeiros em Hollywood, por A Forma da Água. É o terceiro diretor mexicano a receber o prêmio nesta década, depois de Alfonso Cuarón e Alejandro González Iñárritu. Para os outros dois, em seus respectivos anos, esse troféu foi um preâmbulo para o Oscar. Trata-se de um grande reconhecimento para o mais radicalmente original dos três grandes cineastas mexicanos da atualidade. A Forma da Água é uma personalíssima fábula sobre a história de amor entre uma mulher e um monstro aquático. O triunfo é da imaginação mais íntima de Del Toro. “É muito bonito premiar a imaginação mexicana, um ponto de vista único que carregamos conosco”, disse o diretor na sala de imprensa. “É preciso recordar ao mundo que há muito o que contar, e um contar muito mexicano.” A Forma da Água já é um filme imprescindível este ano.

Guillermo del Toro, com o Globo de Ouro de melhor diretor.
Guillermo del Toro, com o Globo de Ouro de melhor diretor.LUCY NICHOLSON (REUTERS)

Em comédia, triunfou a aclamadíssima Lady Bird – A Hora de Voar, dirigida por Greta Gerwig, que conta a história de uma adolescente que deseja romper com sua família e sua cidade natal, Sacramento. Lady Bird é um dos filmes mais bem avaliados pela crítica popular (leia-se Rotten Tomatoes) na história. Saoirse Ronan, levou o prêmio de melhor protagonista de comédia, derrotando a enorme Margot Robbie de Eu, Tonya, a outra grande competidora. Allison Janney foi premiada como melhor coadjuvante nesse filme por sua interpretação de uma terrível mãe abusadora. Foi o ano das mulheres também na comédia.

A equipe de Lady Bird, com os prêmios à melhor comédia e à melhor atriz, Saoirse Ronan, à direita.
A equipe de Lady Bird, com os prêmios à melhor comédia e à melhor atriz, Saoirse Ronan, à direita.KEVIN WINTER (AFP)

Se o sexo feminino brilhou pelos rostos e pelas histórias, merece menção especial também o caso de James Franco. Após duas décadas lutando em Hollywood, o vilão de Spiderman se encontra em um momento assombroso. Neste domingo, levou para casa um Globo de Ouro de melhor protagonista de comédia, por Artista do Desastre, que ele também dirige e produz. Franco, além disso, é o astro da última série de David Simon para a HBO, The Deuce, em que interpreta dois papéis e dirige dois episódios. É discutível que tenha realmente oferecido a melhor interpretação do ano (frente a Daniel Kaluuya, de Corra!), mas com certeza ele é um dos homens do momento em Hollywood.

A mulher mais famosa do showbiz nos Estados Unidos, Oprah Winfrey, recebeu o prêmio Cecil B. De Mille pelo conjunto da carreira. Winfrey é uma lenda, não só por ter triunfado como mulher, mas sim como mulher negra. Em um discurso comovente, que viverá durante anos no YouTube, traçou um paralelismo entre o momento em que a comunidade negra decidiu se erguer contra a discriminação institucionalizada e o que está acontecendo em Hollywood com o movimento feminista Time Is Up e Me Too.

“Durante muito tempo as mulheres não eram ouvidas ou não se acreditava nelas quando se atreviam a dizer a verdade ao poder masculino, mas isso acabou”, disse Winfrey. “Quero que todas as meninas que estão me vendo hoje saibam que há um novo dia no horizonte. E quando esse dia finalmente raiar, será graças a muitas mulheres magníficas, muitas delas aqui esta noite, e alguns homens bastante fenomenais se empenhando em serem os líderes que nos levem a uma época em que ninguém mais tenha que dizer: ‘Eu também, nunca mais’.”

Na categoria de atores dramáticos praticamente não havia dúvidas sobre o triunfo de Gary Oldman por seu poderoso Winston Churchill no momento mais sombrio. Oldman, um dos atores mais aclamados da sua geração, nunca tinha recebido um grande prêmio de Hollywood. A verdadeira competição da noite estava na categoria feminina, onde Frances McDormand triunfou por Três Anúncios para um Crime. “Costumo não falar sobre política”, disse. “Mas foi divertido estar aqui esta noite e ver a mudança tectônica na nossa indústria.”

O fenômeno Viva – A Vida É uma Festa teve seu primeiro grande reconhecimento deste ano. A deliciosa fábula mexicana da Pixar foi premiada como melhor filme de animação, embora não tenha levado o troféu de melhor canção para Remember Me, que é quase um personagem a mais. O diretor Lee Unkrich disse no palco que o filme “não existiria sem o grande povo do México e sua tradição do Dia de Finados. Muchísimas gracias.”

Os prêmios para as atrizes televisivas acabaram repetindo as escolhas do Emmy há alguns meses. Os dois rostos femininos do ano na TV são Elizabeth Moss e Nicole Kidman, que levaram as estatuetas por seus papéis em The Handmaid’s Tale e Big Little Lies, respectivamente. Laura Dern foi premiada como coadjuvante em Big Little Lies. Soma-se ao grupo Rachel Brosnaham, de quem lembramos por House of Cards e que levou o prêmio de melhor atriz de comédia por The Marvelous Ms. Maisel. A tendência se repetiu com Sterling K. Brown, celebrado por seu papel em This Is Us.

O prêmio de melhor série também foi para The Handmaid’s Tale, a distopia sobre mulheres escravas baseada no romance O Conto da Aia, de Margaret Atwood, que a plataforma Hulu relançou nos Estados Unidos. E a melhor minissérie foi Big Little Lies. Estes são prêmios que já couberam a Transparent, The Crown e Atlanta. Neste ano, o Globo de Ouro rompeu a sua tradição de revelar grandes séries para o público, mas só parcialmente. A premiação deste domingo nos deixa a recomendação de ver The Marvelous Ms. Masel (Amazon), escolhida como melhor comédia televisiva. O júri não costuma se enganar.

Como sempre, o Globo de Ouro de pouco serve para indicar quem chegará ao Oscar com chances. A temporada de prêmios só começou neste domingo. Pela primeira vez em anos, não há uma duelo entre dois claros favoritos. O sindicato de produtores, por exemplo, indicou nada menos que 11 filmes para seus prêmios. Cada publicação especializada tem suas apostas. Mas também, como sempre, o Globo de Ouro cumpre sua função de nos dizer quais são os filmes imprescindíveis do ano. E eles são A Forma da Água, Lady Bird e Três Anúncios para um Crime.

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