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Cármen Lúcia suspende super indulto de Natal de Temer e joga decisão final para fevereiro

Presidenta do Supremo atendeu a questionamento da procuradora-geral Raquel Dodge. Decisão de tribunal federal que julgará Lula havia anulado em outubro a prerrogativa presidencial

Rodolfo Borges
A ministra do STF Cármen Lúcia acompanha destruição de armas no Rio de Janeiro, no dia 20 de dezembro.
A ministra do STF Cármen Lúcia acompanha destruição de armas no Rio de Janeiro, no dia 20 de dezembro.MAURO PIMENTEL (AFP)
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A clemência do presidente Michel Temer tem limite, e ele foi estabelecido nesta quinta-feira pela presidenta do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia. Cinco dias depois de o peemedebista estender como nunca os benefícios do tradicional indulto de Natal — reduzindo o tempo de cumprimento de pena a condenados por crimes cometidos sem violência e ampliando a possibilidade de perdão a multas — o STF suspendeu seu decreto. O assunto deve ser retomado pelo Supremo em fevereiro, após o período de recesso judiciário, e será relatado pelo ministro Luís Roberto Barroso.

Cármen Lúcia atendeu a questionamento apresentado pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge. "O chefe do Poder Executivo não tem poder ilimitado de conceder indulto. Se o tivesse, aniquilaria as condenações criminais, subordinaria o Poder Judiciário, restabeleceria o arbítrio e extinguiria os mais basilares princípios que constituem a República Constitucional Brasileira", diz a procuradora-geral na ação direta de inconstitucionalidade apresentada na noite de quarta-feira.

O decreto de Temer reduzia de um quarto para um quinto o mínimo de pena cumprida para receber o indulto — o próprio presidente já havia reduzido em 2016 a fração, que vinha sendo de um terço da pena desde pelo menos 1999. A mudança suspensa também prevê livrar o beneficiado pelo indulto do pagamento de multas estabelecidas em sua pena.

"Em um cenário de declarada crise orçamentária e de repulsa à corrupção sistêmica, o decreto [...] passa uma mensagem diversa e incongruente com a Constituição, que estabelece o dever de zelar pela moralidade administrativa, pelo patrimônio público e pelo interesse da coletividade", reclamou Dodge ao STF. Nesta quinta-feira, Cármen Lúcia endossou a ação direta de inconstitucionalidade e suspendeu os artigos questionados pela PGR, mantendo apenas os efeitos do indulto que não afrouxam as regras. Segundo a presidenta do STF, o indulto "não pode ser prêmio ao criminoso nem tolerância o crime".

Governo

Horas antes da divulgação da decisão do STF, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, havia defendido em artigo publicado no jornal O Globo o decreto presidencial, que sofreu ataques nos últimos dias de juristas e de procuradores da Operação Lava Jato. "Não há que se confundir Lava Jato com indulto. Não há qualquer relação de causa e efeito. Lava Jato é uma série de processos administrativos ou judiciais de investigação ora em curso ou na Polícia Federal ou no Ministério Público Federal. Processos sem conclusão, donde sem sentença judicial. Logo, processo administrativo da Lava Jato não é objeto de indulto. O indulto pressupõe decisão judicial – ainda que não definitiva", escreveu Jardim (os grifos são dele).

Mencionando "Torquemadas contemporâneos", numa referência que cita o juiz da inquisição para criticar a operação, o ministro reclama que "dizem aqui e ali que o objetivo real é beneficiar condenados por corrupção, perdoar crimes do colarinho branco". "Ocorre que, segundo a última edição do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, disponível no website do Ministério da Justiça, há 73.781 presos por furto. Em tese, a depender do percentual da pena cumprida, são abraçados pelo indulto", argumenta o represente do Governo Temer. Ele acrescenta, no artigo, que apenas um dos "50 presos por corrupção passiva" seria beneficiado.

Inconstitucional

Quando se debruçarem sobre essa questão, ao fim do recesso judiciário, os ministros do STF podem se confrontar com mais do que um limite para o indulto presidencial. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) — que deve monopolizar as atenções do país no dia 24 de janeiro, quando julga o recurso do ex-presidente Lula contra condenação do juiz Sérgio Moro — declarou em outubro último a inconstitucionalidade do indulto de Natal presidencial. "Dessa forma, o indulto natalino passou a ser inconstitucional em toda a Justiça Federal da 4ª Região, que compreende os estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina", informou o tribunal nesta quinta-feira por meio de sua assessoria de imprensa.

O caso que levou à decisão questionava a concessão do indulto em 2015 a um condenado por tráfico de drogas. O desembargador Leandro Paulsen, que relatava o caso, disse que “o decreto de indulto retira a eficácia da resposta penal ao reduzi-la a níveis desproporcionalmente brandos, com a dispensa do cumprimento de mais da metade das penas aplicadas, e viola o princípio constitucional da vedação da proteção insuficiente, que é uma garantia da sociedade”.

Para Paulsen, “o Presidente da República, ao estabelecer normas redutoras de penas, de cunho geral e abstrato, mediante decretos de indulto editados periodicamente, viola a norma constitucional que lhe proíbe legislar sobre Direito Penal”. O indulto de Natal já deixou de ser seguido na região Sul do país. O STF dirá a partir de fevereiro se — ou como — ele vai seguir valendo no resto do Brasil.

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