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2018 e o desafio de voltar a crescer sem o avanço do emprego precário

Governo e Congresso, em ano eleitoral, terão de deter crise nas contas e tentar passar reforma da Previdência

Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.
Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.ADRIANO MACHADO (REUTERS)
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O ano que se despede nesta semana foi definitivamente de notícias mais animadoras para a economia brasileira. Após atravessar a maior recessão das últimas décadas, o país começa emitir alguns sinais positivos que indicam que, provavelmente, o pior já ficou para trás. O ano de 2017 chega ao fim com um índice de inflação rondando os 3%, ante 6,29% de 2016, e com a taxa básica de juros de 7% ano, o menor patamar histórico. A atividade econômica também saiu do vermelho, e o Produto Interno Bruto (PIB), soma de todos os bens e serviços produzidos no país, cresce há três trimestres consecutivos. Além disso, o fantasma do desemprego vem, ainda que timidamente e com oscilações, em trajetória de queda.

Diante desse cenário mais alentador, o presidente Michel Temer aproveitou o pronunciamento de fim de ano para afirmar que agora o país está "em ordem" e "mais barato para viver". No apagar das luzes de 2017, o Ministério da Fazenda aumentou a projeção para o crescimento da economia para o próximo ano. A estimativa para o PIB passou de de 2% para 3%, em 2018. Segundo o ministro da pasta, Henrique Meirelles, as empresas e as famílias reduziram o endividamento e as taxas de juros reais (descontada a inflação) está mais baixa, o que permite maior crescimento da atividade econômica.

Mas a equação para uma retomada contundente não é tão simples assim. Apesar de algumas boas novas, o caminho para recolocar o país nos trilhos e reequilibrar as contas públicas ainda é grande e desafiador, segundo especialistas ouvidos pelo EL PAÍS.

Desemprego

O nível ainda elevado do desemprego pode ser mais um entrave para um crescimento mais virtuoso. Apesar do desemprego ter começado a cair antes do estimado por algumas instituições financeiras, a composição dos novos empregos é ruim. O desemprego no país recuou para 12,2% no trimestre encerrado em outubro. No trimestre anterior, encerrado em julho, a taxa havia sido de 12,8%. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, 586 mil pessoas deixaram a fila do emprego no período. Houve, no entanto, um aumento de vagas informais ao invés de postos com carteira. Das 2,303 milhões de vagas geradas no país ao longo deste ano, 75%, ou 1,743 milhão, são informais, segundo a Pnad, o que inclui tanto os empregos por conta própria como os empregos sem carteira assinada. Os postos restantes foram gerados pelo setor público.

O ano termina ainda com uma nota inesperada: o fechamento de vagas em novembro. No mês passado, o Brasil viu sumir 12.292 vagas formais de emprego. Os números são do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados nesta quarta-feira pelo Ministério do Trabalho. Os dados frustraram o mercado porque a expectativa dos agentes financeiros entrevistados pelos serviços Valor Data e Reuters era de criação de vagas.

Novembro foi o primeiro mês em vigor da reforma trabalhista, mas ainda é bastante cedo para vincular estatisticamente as cifras a esse fato. Seja como for, 2018 será o ano em que empresários, trabalhadores e Justiça testarão para valer as utilidades e os problemas das novas regras trabalhistas, que podem impactar também na qualidade dos empregos a serem criados. Há quase uma dezena de ações questionando a reforma no Supremo Tribunal Federal sem falar de uma regulação por Medida Provisória ainda pendente de aprovação no Congresso.

Ajuste fiscal e reforma da Previdência

No plano político e das contas do Estado, ainda está ativa a bomba-relógio das contas públicas. A economia ainda precisa de um ajuste fiscal grande ante os déficits projetados. No ano prestes a começar, a estimativa é de um rombo de 159 bilhões de reais. Caso as agendas de reformas e do ajuste não avancem, a atividade econômica pode voltar a retroceder, e o país continuará a gastar mais do arrecada nos próximos anos, como vem acontecendo desde 2014, o que faz a dívida pública brasileira aumentar cada vez mais. Atualmente, de acordo com o Banco Central, ela está em 74,4% do PIB, e se situa acima da média de 48% do PIB dos países emergentes.

Em 2017, as várias renegociações de dívidas, como os diversos parcelamentos de débitos tributários (Refis) não ajudaram o quadro  fiscal. Além disso, uma liminar do STF suspendeu o adiamento do reajuste dos servidores - que traria alívio de 6 bilhões de reais. Sem falar que a equipe econômica ainda luta para tentar restabelecer cobrança de alguns tributos suspensos no Governo passado e nem sequer discute outras opções como mexer progressivamente na tributação da renda e dos dividendos empresariais.

Neste quadro, o maior revés, no entanto, foi o Governo Temer não ter tido força política para votar e aprovar a reforma da Previdência, adiada para fevereiro. Projeções do Ministério do Planejamento apontam que, sem a reforma da Previdência, os gastos que o Governo não pode cortar (como aos benefícios previdenciários, pessoal, abono e seguro desemprego) vão saltar de 91,8% do orçamento neste ano para 101,4% em 2022. Ou seja, não haverá dinheiro para fazer investimentos e a equipe econômica terá que fazer um malabarismo para fechar suas contas. Atualmente, os investimentos públicos já estão minguados. Eles alcançaram apenas 2% do PIB em 2017, o mais baixo nível da série histórica, iniciada em 1995.

Na avaliação do economista Nelson Marconi, da FGV, dificilmente Temer conseguirá aprovar em 2018, ano eleitoral, uma reforma da Previdência. "É uma matéria muito polêmica para um fim de mandato. Isso vai gerar uma dificuldade fiscal maior e um aumento da insegurança sobre o que vai acontecer no próximo Governo. Acho que está muito claro que, tirando o [Jair] Bolsonaro, que é muito imprevisível, todos os candidatos terão uma preocupação com a questão fiscal", explica. Segundo o economista, certamente tudo isso vai fazer com que o próximo ano  haja mais especulações no mercado financeiro. "O que pode gerar mais turbulência no câmbio e pode dificultar a equipe econômica de Temer a continuar o ciclo de queda da taxa de juros". 

Sergio Valle, economista-chefe da MB Associados, concorda que dada a situação fiscal, é impossível pensar que a reforma da Previdência não será aprovada no máximo em dois anos, mesmo que mais enxuta. "Ela estará no radar dos candidatos. Toda a discussão que aconteceu neste ano foi importante para os congressistas e a população terem consciência dos problemas e dos números da nossa Previdência", diz.

Outro desafio complicado que a gestão de Temer terá que enfrentar em 2018 para manter as contas públicas sob controle será o teto de gastos. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do teto, promulgada em  2016, estabeleceu que os gastos da União não poderão crescer mais do que a inflação do ano anterior durante os próximos vinte anos. "Como a inflação esse ano foi muito baixa, a correção do aumento de gastos vai ser muito baixa também. O Governo vai ter que pensar em alguma solução para não estourar a meta, talvez o aumento de impostos, o que é muito difícil, ou terá que cortar ainda mais gatos, será uma situação fiscal complicada", ressalta Marconi.

O adiamento da votação da reforma Previdência não só agrava o quadro fiscal como coloca em risco a nota de crédito do Brasil, que pode ser rebaixada novamente pelas agências de risco no início de 2018.

Cenário incerto

Sondagens realizadas pela FGV com empresários e consumidores mostram que os índices de confiança vem avançando nos últimos meses. Ao mesmo tempo, o Indicador de Incertezas da Economia vem diminuindo, afastando-se do pico mais recente observado em junho de 2017 após o escândalo da JBS, envolvendo Temer. Segundo relatório da Instituição Fiscal Independente, do Senado, a manutenção de um ambiente de baixa incerteza é essencial para a aceleração da retomada da economia em 2018, mas ele não é garantido. "Existe um balanço de riscos que perpassa a estimativa de crescimento econômico, principalmente no que diz respeito às incertezas do cenário político eleitoral e ao desafio de redução do déficit primário e da sustentabilidade do endividamento público, que poderia afetar as medidas de prêmio de risco e, consequentemente, as expectativas de inflação e a condução da política monetária", explica o instituto em nota.

No plano internacional, o panorama é positivo, com perspectiva de crescimento tanto das economias desenvolvidas como as emergentes, mas nada impede que o tabuleiro internacional de maior instabilidade prejudique essas previsões.

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