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Presidente do Peru apela para o antifujimorismo para evitar seu impeachment

“Não fui suficiente transparente, peço desculpas, mas não sou corrupto”, alega Pedro Pablo Kuczynski

O presidente de Peru, Pedro Pablo Kuczynski, nesta quinta-feira no Congresso.
O presidente de Peru, Pedro Pablo Kuczynski, nesta quinta-feira no Congresso.Martin Mejia (AP)
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O presidente do Peru, Pedro Pablo Kuczynski, utiliza todos os mecanismos do poder para tentar evitar na última hora que a oposição consiga os 87 votos necessários para destituí-lo por “permanente incapacidade moral”. Nos corredores do Congresso peruano, instalou-se a ideia de que PPK, como é conhecido, poderia se salvar por muito pouco, mas a incerteza ainda é total. Em uma sessão dramática, após uma longa noite de negociações, PPK lutava para continuar no poder depois de ser vinculado ao escândalo da Odebrecht. E para isso apelou ao antifujimorismo, o movimento mais poderoso do Peru, e pediu a outros congressistas que não colaborem com o “golpe” do grupo do ex-ditador Alberto Fujimori. “Está em suas mãos salvar a democracia ou afundá-la por muito tempo”, afirmou.

Com semblante muito grave, entre aplausos dos poucos parlamentares que o apoiam (apenas 18) e o silêncio da enorme bancada partidária fujimorista – 71 dos 130 parlamentares –, Kuczynski entrou no Congresso para se defender das acusações e tentar evitar o impeachment. Se for destituído, o cargo será assumido pelo primeiro-vice-presidente, Martín Vizcarra, um homem a sua confiança, mas se Vizcarra e a outra vice-presidenta, Mercedes Araoz, rejeitarem a incumbência, como já prometeram, a chefia do Executivo seria assumida pelo presidente do Congresso, o fujimorista Luis Galarreta. Por isso Kuczynski apela à esquerda e a alguns parlamentares de centro para que a presidência não seja entregue ao grupo do autocrata que governou o Peru entre 1990 e 2000, deu um autogolpe e ainda está na prisão por corrupção.

“Devo enfrentar de pé e dando a cara a uma acusação falsa e odiosa, movida por um desejo inconstitucional de me afastar do poder pela força de seus votos. Devo demonstrar minha inocência. O que está em jogo é a democracia, que tanto custou ao Peru recuperar. O povo não perdoa nem esquece. Tudo em minha vida eu obtive com base no esforço e trabalho honesto. Venho lhes dizer, olhando nos olhos, que não sou corrupto e não menti. Jamais favoreci nenhuma empresa. Não tenho nada do que me envergonhar, sempre agi conforme a lei e a ética”, disse Kuczynski, para então detalhar os vínculos da sua empresa Westfield Capital com a empreiteira brasileira Odebrecht na época em que ele foi ministro da Economia de Alejandro Toledo, para tentar demonstrar que não teve nada a ver com essas transações. De acordo com a sua versão, ele se beneficiou por ser o dono da firma de investimentos Westfield, mas não fez nenhuma gestão nem se inteirou dos contratos de consultoria com a Odebrecht, porque, quando entrou na política, deixou a empresa nas mãos do chileno Gerardo Sepúlveda.

O ponto mais fraco da sua defesa política consiste em que ele sempre negou ter tido qualquer relação profissional com a Odebrecht. Quando essa empresa detalhou os contratos com a empresa de PPK, o escândalo eclodiu. Por isso ele pediu perdão por esse silêncio e pela falta de explicações até agora. “Lamento sinceramente não ter notado antes, mas isso não me transforma num corrupto nem significa uma infração à Constituição. Compreendo que deveria ter oferecido um conjunto de documentos. Não fui suficientemente transparente, mas não sou corrupto. Peço à nação sinceras desculpas por não explicar minha conduta profissional. Jamais menti ao povo peruano. Jamais recebi um suborno. Jamais incorri em um conflito de interesses. Mas peço desculpas porque não soube explicar, não prestei atenção às formas da política. Deveria ter notado a tempo o grave clima de ingovernabilidade. Continuo aprendendo”, disse, no único momento de autocrítica.

Mas, por trás do escândalo propriamente dito, há uma clara disputa de poder, que ele qualificou abertamente de “golpe”, a ponto de pedir ajuda à Organização dos Estados Americanos. Por isso Kuczynski usa armas políticas e busca repetir a dinâmica que o levou à presidência do Peru, há apenas um ano e meio. PPK tinha as eleições perdidas. Era um candidato muito preparado, mas sem carisma, quase acidental, que esteve a ponto de não passar para o segundo turno. Mas então, quando Keiko Fujimori já saboreava a vitória, entrou em funcionamento um mecanismo infalível num país onde há 27 anos toda a política gira em torno do mesmo sobrenome: o antifujimorismo.

Houve manifestações, e intelectuais, analistas e jornalistas influentes se empenharam em convencer os peruanos de que deveriam evitar que Keiko Fujimori chegasse à presidência. Até Veronika Mendoza, líder da esquerda, muito distante de um ex-executivo bancário de perfil liberal como PPK, pediu voto para ele, com o único objetivo de frear a filha de Fujimori. E, juntos, conseguiram o que parecia impossível. Por apenas 40.000 votos, no último suspiro, Kuczynski ganhou – graças a um antifujimorismo no qual ele nunca acreditou, tanto que pediu voto para a filha do autocrata em 2011. Mas esse antifujimorismo alheio é a base do seu limitado poder, e agora apela novamente a ele para se salvar de um impeachment. Kuczynski fala de “golpe” e tenta jogar para os parlamentares da esquerda – os mesmos que foram decisivos para a sua vitória – a responsabilidade por entregar o poder à família Fujimori se ele for destituído.

Os 20 deputados da Frente Ampla, o grupo de Mendoza, se dividiram. Os fiéis a ela decidiram não apoiar a destituição de PPK. Mas os outros 10 a respaldaram e a promoveram, o que, somando-se aos 70 votos do fujimorismo, a conta se aproximasse perigosamente dos 87 necessários para aprovar o impeachment. Wilbert Rozas, seu porta-voz, justificou o voto favorável: “Não vamos a reboque do fujimorismo, vamos combater a corrupção de direita e de esquerda. Não há corruptos amigos e inimigos. Nas ruas dizem ‘fora corruptos’, temos que limpar o país. As prisões estão cheias de pobres, e não de quem leva o dinheiro do povo em carrinhos de mão”. Miguel Torres, do fujimorista Força Popular, foi muito duro: “O primeiro servidor público decidiu nos enganar. Temos um presidente da República que mentiu, que demonstrou sua incapacidade para distinguir entre o correto e o incorreto. São mentiras de Estado, põem em evidência que não pode continuar ocupando o cargo”.

O presidente utilizou durante um ano e meio a estratégia de apaziguamento com o fujimorismo. Tentou de tudo. Entregou-lhe até cinco cabeças, as dos ministros que eles forçaram a se demitir. Inclusive se mostrou disposto a conceder o indulto a Alberto Fujimori, o patriarca, preso por corrupção desde 2007. Precisamente enquanto Kuczynski falava no Congresso, corria a notícia de que uma junta médica se mostrou favorável a esse indulto, que seria, portanto, iminente. A família Fujimori é tão complexa que a filha mais velha, Keiko, está rompida com o pai e não quer que o indultem. Mas o segundo filho, Kenji, se mantém fiel ao progenitor e negocia o indulto com PPK. Ambos, Keiko e Kenji, lutam pelo controle do partido. PPK também estimulou essa divisão e sobretudo a conciliação com o fujimorismo, mas sempre fracassou. Por isso, na última hora o presidente se concentrou em utilizar uma arma muito mais eficaz, a mesma que o levou ao poder, o antifujimorismo, que fará muitos deputados pensarem várias vezes antes de votarem a favor da destituição.

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