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O desafio da Odebrecht de fazer os Odebrecht cumprirem a lei

Marcelo Odebrecht deixa a prisão nesta terça e será impedido de voltar ao grupo por dez anos Volta à liberdade de ex-presidente condenado pela Operação Lava Jato gera apreensão na companhia

Marcelo Odebrecht, em 2015.
Marcelo Odebrecht, em 2015.HEULER ANDREY (AFP)

Nesta terça-feira, Marcelo Odebrecht deixa a prisão pela primeira vez desde que foi preso em 19 de junho de 2015. O homem que confessou um dos maiores esquemas de corrupção empresarial do país, deixará sua cela de 16 metros quadrados, em Curitiba, para viver em uma mansão luxuosa, em São Paulo, de 3.000 metros quadrados, onde vivem sua esposa e as três filhas. Como parte do acordo de delação premiada, o empresário ainda terá de cumprir mais 912 dias de prisão domiciliar pelo crimes de corrupção ativa, lavagem de dinheiro e associação criminosa da quadrilha que espoliava a Petrobras. Mas sua realidade será muito distante da que deixou para trás antes de ser alvo da Lava Jato.

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Na carceragem, o empresário com fama de controlador, que tentou, mesmo preso, continuar manipulando o sistema ao seu favor — vide o bilhete apreendido pela polícia em que pedia para que fossem destruídos os “e-mails sondas” —, se adaptou rapidamente ao seu novo regime disciplinar. A dúvida é se ele vai se acostumar ao que o espera fora da prisão. A começar pelo impedimento judicial válido pelos próximos dez anos de voltar a atuar na empresa que ajudou a construir.

À parte sua família mais próxima, não há festa com a saída de Marcelo, mas sim apreensão. Os apoiadores que até pouco tempo atrás gritavam #euconheçomarceloodebrecht hoje se calam. Nas redes sociais, os poucos que ainda se arriscam a dirigir palavras de conforto ao empresário, o fazem em grupos fechados. “Ele foi uma vítima de dirigentes corruptos do Brasil...dirigentes esses que não estão presos”, afirma um membro solitário da rede Odebrecht Unida no Facebook.

Hoje não são poucos profissionais que optam por esconder que trabalham ou trabalharam na empresa. “Eles tinham, sim, outra escolha. Podiam ter falado ‘não’ para as propinas. Com certeza teriam perdido muitos contratos e a empresa seria menor do que é hoje, mas, por outro lado, não haveria toda essa desmoralização. E eles continuariam sendo ricos”, desabafa uma funcionária, que prefere não se identificar.

Nos dois anos e meio nos quais Marcelo passou atrás das grades, o nome Odebrecht deixou de ser sinônimo de inovação empresarial para ser relacionado diretamente com o que há de mais perverso na corrupção empresarial. A companhia assumiu os erros. Marcelo demorou a aceitar sua parcela de culpa - o que lhe causou uma crise com seu pai, Emílio Odebrecht, que sempre defendeu as delações -, mas cedeu: “(...) Acho que toda a sociedade errou. Eu não estou tirando, diminuindo o meu erro, acho que errei, fiz vista grossa, cresci assim, o setor empresarial era assim, o fato de outras empresas [fazerem] não justifica eu ter feito. Mas quero dizer que, olhando para a frente, precisa mudar muita coisa, entendeu?”, afirmou o empresário em sua delação.

Os crimes cometidos pelo Grupo Odebrecht não se limitaram ao território brasileiro. Executivos da companhia admitiram práticas ilícitas em diversos países como: Argentina, Venezuela, Equador, México, El Savador, Colômbia, República Dominicana, Panamá, Angola, Peru… Esse último é onde as investigações estão mais avançadas. Com menos de um ano e meio no poder, Pedro Pablo Kuczynski (PPK) poderia ser transformar no primeiro presidente a ser destituído pelo escândalo da Odebrecht. O peruano está sob forte pressão para renunciar após o partido fujimorista Força Popular divulgar uma lista de pagamentos que PPK teria recebido da Odebrecht durante quatro anos, há uma década, através de uma empresa de que era sócio. Kuczynski disse que quando os pagamentos foram feitos à Westfield Capital, entre 2003 e 2006, ele não estava à frente dessa firma, pois exercia o cargo de ministro do Governo de Alejandro Toledo (2001-2006).

Do auge à queda do império

Sob a liderança de Marcelo, o império da Odebrecht prosperou e viveu seus anos dourados de 2008 até 2015. A holding se transformou em um dos cinco maiores grupos empresariais do Brasil e chegou a ser o segundo maior empregador do país, atrás apenas da Petrobras. Quando o empresário assumiu a companhia, a Odebrecht tinha 40 bilhões de reais de receita bruta, 84 mil funcionários e presença em 17 países, além do Brasil. Já ao final de 2015, o grupo apresentava receita bruta de 132 bilhões de reais, tinha 128 mil funcionários e estava presente em 25 países. Durante os sete anos de comando do "Príncipe", o faturamento mais do que triplicou. O número de subsidiárias que faziam parte da holding também dobrou, passando de sete para 14.

Toda essa maré de bonança, no entanto, terminou quando Marcelo foi preso no âmbito da Operação Lava Jato em junho de 2015. Desde então, o grupo foi proibido de fazer negócios com países da América Latina, viu seu risco de calote ser elevado por agências de risco, e precisou traçar um plano de reestruturação. Os números da holding também despencaram. Em 2016, a receita bruta da empresa caiu para 89,8 bilhões e o grupo passou a contar com 75 mil integrantes. Após a crise que abateu a empresa, a Odebrecht decidiu focar seus esforços em um número menor de negócios. Com menos dinheiro entrando no caixa, a holding reduziu sua atuação de 15 para 9 negócios, deixando a área de energia e desmobilizando os investimentos em saneamento no Brasil.

O foco de atuação da Odebrecht agora é a área de engenharia e construção, petroquímica, açúcar, álcool e bioenergia, serviços de óleo e gás, empreendimentos imobiliários, infraestrutura e concessões rodoviárias. Para saldar suas dívidas, a empresa fez um plano de reestruturação, em que se determinou que seria preciso vender parte de seus ativos, num valor que deve totalizar 12 bilhões de reais quando for concluído em 2018. Até o momento, já conseguiu embolsar cerca de 7,4 bilhões ao vender alguns negócios: Rutas de Lima, Olmos e Chaglla (Peru) / Odebrecht Ambiental, Teles Pires e Senandes (Brasil).

Novos tempos, novos nomes

Um dos principais desafios da Odebrecht para 2018 será se provar como uma empresa capaz de fazer os Odebrecht, ou seja, seus próprios acionistas, cumprirem a lei. A necessidade de desvincular a companhia da família é tanto, que, não à toa, se discute até mudar o nome do grupo. Com a imagem manchada e atravessando dificuldades para obter novos contratos (a carteira de projetos teria caído pela metade), algumas empresas da holding mudaram de nome. A Odebrecht Agroindustrial, que passou a se chamar Atvos e a Odebrecht Realizações Imobiliárias passou a se chamar OR. A Braskem, braço petroquímico, manteve seu nome, mas passou a adotar uma nova marca, com identidade visual nas cores azul e amarelo, a fim de se distanciar o tradicional vermelho que marca a história da companhia. Segundo o grupo, a decisão de alterar a marca ficará a cargo de cada empresa, em linha com suas necessidades.

Na semana passada, Emílio Odebrecht, anunciou que deixará de ser o presidente do Conselho de Administração da Odebrecht em abril do próximo ano, mas não informou quem será o seu sucessor. Ele disse ainda que o cargo de diretor presidente da holding não será mais exercido por membros da família.

A companhia tem feito de tudo para convencer o mercado de que a postura da holding hoje é bem diferente da confessada por Marcelo em sua delação. O grupo investiu milhões em um programa de conduta e ética para mostrar que as práticas de corrupção já não serão mais admitidas. "Hoje, temos consciência de que atuar com ética, integridade e transparência é fundamental para sobrevivermos e voltarmos a crescer. É uma demanda dos nossos clientes e das sociedades onde estamos presentes", disse em discurso na presença de 200 executivos na reunião anual do grupo no último dia 15. "Quem passou pelo que passamos, aprendeu o que aprendemos, mudou como mudamos e manteve sua cultura e suas qualidades empresariais e técnicas, como nós mantivemos, apesar da saída de muitos companheiros, será certamente a escolha de Clientes e a preferência de parceiros de negócios", completou.

Não é a primeira vez que a empresa investe em uma iniciativa como essa. No passado, Marcelo foi responsável por criar toda a fachada do programa de responsabilidade empresarial e compliance - que nada mais é do que o conjunto de disciplinas capaz de fazer a empresa seguir as leis -, enquanto também gerenciava uma unidade de negócios responsável pelo pagamento em rede de propinas para políticos e funcionários públicos no Brasil e no exterior. Foi parte de uma resposta da empresa que aperfeiçoou seus esquemas para burlar a lei para sobreviver ao mais célebre escândalo até então, o dos Anões do Orçamento, de desvio de verbas para obras, em 1992. Resta saber se a Lava Jato, que tem na Odebrecht um dos seus grandes símbolos sobre o alcance da lei, poderá mesmo mudar o padrão. 

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