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EL PAÍS se despede de suas rotativas

Funcionários da gráfica estiveram no jornal desde sua fundação, em 1976, e fazem parte de sua história A partir de agora, o jornal será impresso em oficinas externas

Andrea Nogueira Calvar
Funcionário da rotativa do El País, colocando as pranchas em 15 de dezembro.
Funcionário da rotativa do El País, colocando as pranchas em 15 de dezembro.JULIAN ROJAS (EL PAÍS)
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Parem as máquinas! A frase é uma das mais legendárias do jornalismo. Somente uma notícia de última hora e de especial relevância pode fazer com que seja pronunciada. Essa expressão dá uma ideia da importância desse elo na confecção de um jornal. Um jornal é muito mais do que seus jornalistas, é um compêndio de departamentos, e as rotativas e todos os que trabalham nelas tornam possível que as notícias cheguem em papel às mãos dos leitores.

Por isso, a edição de domingo 17 de dezembro é histórica: foi a última a ser impressa nas rotativas próprias do EL PAÍS na Espanha. A partir da edição de segunda-feira, o jornal será impresso em oficinas externas junto com outros veículos de imprensa.

O diretor do EL PAÍS, Antonio Caño, explica a decisão: “Há tempos era evidente que a transformação digital exigiria uma mudança do modelo industrial de produção dos jornais. Hoje, quando o maior volume de leitores dos jornais vem do meio digital e a queda de difusão das edições de papel é constante em todos os veículos e em todos os países, deixou de fazer sentido a existência de uma gráfica exclusiva para cada jornal. É preciso buscar outras fórmulas que se ajustem melhor à dimensão que hoje têm as edições de papel, até mesmo para tentar prolongar a vida do papel. E é preciso destinar esforços e recursos onde realmente estão os leitores e o futuro, nas novas plataformas tecnológicas”.

“É inevitável um olhar nostálgico aos anos da tinta nos quais a colaboração de jornalistas e funcionários das rotativas conseguiu feitos memoráveis para a história do EL PAÍS – quem pode se esquecer da noite de 23 de fevereiro de 1981 em que os funcionários das rotativas do jornal foram espontaneamente aos seus postos de trabalho para facilitar a saída às ruas do histórico exemplar do “EL PAÍS com a Constituição”! –. Mas dessa saudável lembrança precisamos avançar com otimismo nessa nova era de jornalismo massivo e acessível em que o EL PAÍS tem o compromisso de manter e defender com novos instrumentos os mesmo valores de sempre”, acrescenta Caño.

Quando o EL PAÍS completou seu 40° aniversário, em maio de 2016, organizou uma grande exposição. Em uma das instalações havia uma referência ao número de jornais que haviam sido impressos até esse momento: 5,2 bilhões de exemplares. Hoje, a transformação digital permite que os conteúdos do EL PAÍS cheguem todos os dias a milhões de pessoas em todos os formatos e narrativas existentes. Em novembro o jornal chegou aos 100 milhões de navegadores únicos na Internet, número recorde para um jornal espanhol.

As oficinas nasceram pelas mãos do jornal em 1976. Cinco anos após sua inauguração, participaram ativamente de um dos momentos mais importantes não só do jornal, mas da Espanha: o golpe de Estado de 23-F. Quando o tenente-coronel Antonio Tejero gritou no Congresso a frase “Todo mundo quieto”, os técnicos das rotativas estavam descansando em suas casas após uma jornada de trabalho.

No ano passado o EL PAÍS comemorou os 40 anos daquela capa com um documentário. Nele, Carlos Montejo, à época oficial de montagem, relata como viveram momentos cruciais nos quais se avaliou enviar metade dos empregados para casa porque sofriam “um risco físico evidente”. “Não eram idiotas, pensavam que o jornal iria combater e que eles teriam um papel nisso”, afirmou. A imensa maioria dos empregados ficou para ajudar a fazer a edição especial.

Quando a tentativa de golpe de Estado paralisou a Espanha, o papel era o único suporte em que o jornal era distribuído e, mesmo que as rotativas tenham nascido modestas, a tiragem crescente impôs a necessidade de ampliá-las, tarefa realizada entre os anos de 1989 e 1990. Não foi a única adaptação, pois a chegada da cor às páginas também exigiu um novo sistema com o qual a capa ganhou calor e texturas que depois se estenderam às páginas interiores. Pablo Cayado, diretor gerente da gráfica que até domingo imprimia o EL PAÍS, lembra que com as primeiras capas “havia gente que dizia que um jornal deveria ser só em preto e banco”. A busca de uma maior qualidade na imagem impôs a cor e as rotativas multiplicaram por quatro seu tamanho, primeiro em 2002 e depois em 2007, para poder abrigar essa novidade técnica. Um ano antes as máquinas já haviam alcançado o máximo de sua capacidade de trabalho com uma impressão de 600.000 exemplares por dia. 60.000 por hora.

O 23-F foi a experiência mais exigente vivida pelas rotativas pelo risco real sofrido pelos funcionários, mas de forma nenhuma a última noite de tensão. Cada notícia surgida na última hora do dia atrasa o fechamento do jornal e com isso todo o processo de impressão e distribuição. Nas rotativas recorda-se com grande vivacidade a queda das Torres Gêmeas durante os atentados de 11 de Setembro, dia em que o EL PAÍS chegou às bancas com uma edição especial de tarde. Todos os empregados compareceram para poder contar aos leitores o que estava acontecendo. Era uma época em que a Internet ainda não havia colonizado a sociedade. As diferentes eleições, atentados terroristas e a abdicação do rei Juan Carlos são outros dos marcos históricos que essas rotativas precisaram enfrentar ao longo de sua história.

Agora, muitos empregados levaram para casa como lembrança as pranchas com as quais foram impressas essas e outras notícias. “Eles também fazem parte da história do jornal”, ressalta Cayado. Além disso, muitos dos jornalistas do EL PAÍS foram à oficina na última semana para despedirem-se dos colegas e das rotativas, que os acompanharam em sua trajetória no jornal.

O número de exemplares que saíam dessa oficina diminuiu paulatinamente por conta do surgimento do suporte eletrônico. O leitor não só mudou o canal de acesso ao jornal, como também modificou seu perfil. Metade dos usuários lê as notícias de fora da Espanha.

Em um novo passo de adaptação às últimas formas de produção e formato, o EL PAÍS agradece aos funcionários de suas rotativas e dá as boas-vindas a uma etapa renovada, em que recebe novos leitores através de múltiplas plataformas como as redes sociais e a televisão, com o objetivo de consolidar sua liderança de informação.

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