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Roberto Sá | Secretário de Segurança Pública do Rio

“A realidade do Rio, de três facções criminosas em disputa, se revela no país inteiro”

Secretário de Segurança Pública enfrenta corte de orçamento em 2018 e índices violentos em alta. As convalidas UPPs terão 10.000 reais para despesas, contra 5,4 milhões do último ano

María Martín
O secretário de Segurança Pública do Rio, Roberto Sá, com o governador Luiz Fernando Pezão ao fundo.
O secretário de Segurança Pública do Rio, Roberto Sá, com o governador Luiz Fernando Pezão ao fundo.Tânia Rego (Agência Brasil)
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Faz um ano e dois meses que Roberto Sá (Barra do Piraí, 1964) assumiu a Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro. As Olimpíadas acabavam de terminar, o Estado já tinha decretado calamidade financeira, e os índices de letalidade violenta prenunciavam níveis de dez anos atrás. “Eu gosto de desafios, mas não esperava que fosse dessa monta”, afirma.

O cenário, desde então, não melhorou, a violência continua aumentando, e o horizonte não é nada esperançoso. O orçamento da pasta em 2018 vai diminuir quase 5% e um corte de 500 milhões, quase 10% do total, vai fazer tremer a Polícia Militar, que já tem mais da metade das viaturas paradas por falta de manutenção. O ajuste vai deixar as convalidas Unidades de Polícia Pacificadora com apenas 10.000 reais para despesas, o equivalente a cerca de 50 pneus, contra os 5,4 milhões deste ano. Sá, no entanto, diz que recuou do seu plano, anunciado em agosto, de enxugar o programa e deslocar 3.000 homens das UPPs para patrulharem o asfalto. Os constantes conflitos na Rocinha lhe fizeram repensar a estratégia.

Em encontro com um grupo de correspondentes estrangeiros no dia 13 de dezembro, o secretário voltou a cobrar um rigor maior da progressão de pena e das leis para punir criminosos e abriu a porta a delações premiadas de narcotraficantes. O secretário, que já protagonizou embates com o Governo federal elogiou, desta vez, a presença das Forças Armadas no Estado que vêm apoiando operações contra o tráfico com resultados modestos. Na avaliação de aliados de Michel Temer e do governador Luiz Fernado Pezão, do PMDB, a participação dos militares no Estado coroou o "sequestro" do Governo do Rio pela gestão federal, mas para Sá trata-se de o Governo federal ter entendido que tem sua responsabilidade num contexto de violência urbana. O Rio, lamentou o secretário, vive “um momento dramático”. Preocupado, segundo ele, com a letalidade das ações policiais, afirmou não saber o que aconteceu na madrugada do dia 11 de novembro quando uma operação da Polícia Civil com apoio do Exército deixou sete mortos –um oitavo morreu um mês depois.

Pergunta. O senhor anunciou que pode recuar do pedido de transferência de Rogério 157, pivô do conflito na Rocinha, a um presídio federal se ele fizer delação. Se isso acontecer, poderia abrir a porta a novas delações premiadas e, em consequência, uma nova maneira de combater o tráfico de drogas? Poderia se esperar um impacto comparável ao que as delações estão tendo na Lava Jato?

Resposta. Em princípio ele vai para um presídio federal para prejudicar sua articulação local. Se me apresentarem formalmente uma proposta de delação que diz que ele está disposto a delatar o chefe dele, que ele vai dizer quem é o cara do asfalto que banca, se é que tem, ou entregar o criminoso que está em outros locais, a gente pode ver a permanência dele no Rio enquanto está depondo e fazendo delação. Mas não como prêmio, se não porque seria uma maneira mais fácil de tomar depoimentos. A delação tem suas regras também, não adianta me apresentar para baixo. Ele tem que entregar pessoas mais importantes que ele. O cumprimento da pena é algo para ser dialogado durante a delação num segundo momento. É preciso considerar que o criminoso de colarinho branco é um cidadão com RG, com empresa e com um status social que tende a falar para ver reduzida sua pena. O criminoso do crime organizado não tem esse status e não está se importando muito com isso, está se importando com a vida. Se ele fala muito, ele morre. Há uma tendência, e eu espero que mude, a falarem muito pouco. Há um desejo grande de que essas pessoas comecem a fazer delações e a gente comece a prender cada vez mais pessoas da hierarquia.

P. O senhor fala bastante do aprimoramento das ações policiais. O jornal O Globo publicou uma reportagem que revelava que, de 2010 a 2015, apenas 20 policiais militares são responsáveis por 10% das mortes por suposta resistência à ação policial no Estado todo. A matéria diz ainda que metade desses policiais respondem por crimes como tráfico de drogas. A PM qualificou de injusta essa apresentação de dados. Gostaria de saber qual é sua análise.

R. É uma dado que revela o quanto foi perniciosa essa lógica da gratificação faroeste [que de 1995 até 1998 bonificou os policiais que mais matassem]. Aqueles policiais mais corajosos, que buscavam maior remuneração, lembremos que a gratificação chegava a 150% do salário, foram em busca de confronto. Esse dado é até 2015 e não pega minha gestão, mas como estamos tendo um número de autos de resistência relativamente elevado eu determinei imediatamente ao comandante da PM que verificasse onde esses policiais estão agora, se passaram pelo programa de aperfeiçoamento profissional, como está o comportamento deles de lá para cá e como é que está a situação judicial e administrativa deles. Pedi também que mapeassem quem está com os índices de disparo de arma elevado. Aquele dado me acendeu um farol e pedi saber sobre a situação daqueles e de outros.

Por enquanto a participação do PCC é comercial e vamos torcer para que fique por aí, pois nós sabemos o grau de organização deles.

P. Do final do ano passado para cá, vimos um incremento da violência entre facções criminosas, com os massacres nas prisões, mas também nas ruas. Qual é a situação atual dessa guerra?

R. Essa realidade que nós temos no Rio de três facções criminosas disputando espaço está se revelando no país inteiro. Aqui tem essa lógica expansionista que, na minha opinião, só e possível em razão desse poder bélico que eles têm. O enfrentamento mais violento que nós tivemos, embora com menos vítimas, foi o da Rocinha, que foi uma dissidência dentro da mesma facção. E tivemos uma confusão no Caju, perto da Avenida Brasil. Mas essa briga está como sempre foi. Não aumentou.

P. A situação não parece ser a mesma quando o PCC vem ganhando importância no Rio e com o recrudescimento da violência na Rocinha pela disputa agora de duas facções rivais.

R. É que o PCC para nós é uma realidade no Brasil, é uma realidade no Paraguai, e no Rio de Janeiro ainda é parceiro comercial. Então fisicamente não tem algo significante. Há ainda muita lenda, o que não significa que amanhã resolva se instalar para competir com outras facções. Por enquanto a participação do PCC é essa e vamos torcer para que fique por aí, pois nós sabemos o grau de organização deles. Na Rocinha, especificamente, temos pessoas que se sentem de um grupo e outras de outro o que me faz manter 550 homens ali diariamente. Mas as inteligências da PM, da Polícia Civil, da Secretaria de Administração Penitenciaria e da Polícia Federal estão estudando a situação para me apresentarem cenários e eu poder decidir a estratégia.

P. O que aconteceu no complexo do Salgueiro no dia 11 de novembro, quando uma operação conjunta entre a Polícia Civil e o Exército deixou sete mortes – após um mês, mais uma vítima não resistiu?

R. Essa operação se dá após um contato direto entre uma força especial [Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil, Core] e outra força especial [Exército] que resolvem ir até lá para fazer um reconhecimento. A história que os senhores conhecem é a que nós conhecemos [nem Polícia Civil nem Exército reconheceram ter atirado contra as vítimas]. Estamos dando todo o apoio ao Ministério Público e à Delegacia de Homicídios para identificar os autores. No entanto, nenhum dos policiais da Core afirma ter atirado. Não houve disparo por parte das nossas forças especiais.

P. Com todo respeito, não acredito que os senhores não saibam o que aconteceu. Sete mortos podem se contabilizar todos os dias no Rio de Janeiro. Mas a questão do Salgueiro é que, pelo que parece, foi o Exército quem matou, de um jeito nada convencional. As testemunhas relatam a presença de helicópteros, homens de preto descendo de rapel e o que parece ter sido uma armadilha para matar. Se a gente não cobrar abre-se uma porta e um precedente perigoso, dado que uma nova lei não permite mais investigar militares como antes eram investigados.

R. É obvio que a gente tem que respeitar a opinião de cada um, mas nós somos profissionais de segurança e não devemos falar de investigações em curso sem conclusão. São hipóteses que não estão comprovadas. O que eu sei é o que está nos autos da Divisão de Homicídios. Tenho e cobro uma ação muito forte das policias civil e militar, para além disso não tenho nem competência legal. Já há uma orientação nossa para eles terem muito cuidado nessas operações pontuais. Mas a gente tem que dar autonomia e cobrar. Neste caso está sendo cobrado e está sendo investigado. Respeito sua percepção, mas não posso falar sobre hipóteses e onde não há nada concreto.

P. Mas secretário, como é possível que o senhor, máximo representante da Segurança Pública do Estado, não saiba como morreram sete pessoas numa operação conjunta da qual se diz que ninguém atirou?

R. A gente tem cerca de 400 homicídios dolosos por mês, mais ou menos. Você acha que a gente consegue saber a autoria de todos eles?

P. Têm o Exército no meio, não são sete homicídios convencionais.

R. O máximo representante da Segurança Pública tem suas estruturas para investigar, mas minha função é estratégica, eu só posso saber aquilo que minha estrutura me apresenta. Entendo sua curiosidade jornalística, só que você está numa posição que pode falar de suas hipóteses, mas eu estou numa situação de responsabilidade. Quem antecipa fatos de investigação tende a se atropelar e cometer equívocos, então eu só posso falar o que está nos autos. Como diz o mundo do direito o que não está nos autos, não está no mundo. A autoria vai ser elucidada, mas não imediatamente.

P. O Estado não tem uma estatística para acompanhar o número de vítimas de balas perdidas. Neste ano, vimos uma explosão do número de casos. O senhor não acha que as operações policiais são responsáveis por esses danos? Não seria importante ter um diagnóstico preciso e constante dos prejuízos que uma operação policial causa para avaliar se foi bem sucedida? Por exemplo, se a operação apreende armas ou drogas, mas uma criança é baleada, não pode ser considerada bem sucedida.

A prioridade não são as operações mas elas infelizmente ainda são necessárias. Concordo que não vale a pena nenhuma perda de vida para apreender uma pistola. A ação do Estado tem que ser qualificada para proteger a sociedade e não aumentar o risco.

R. Cada bala perdida é investigada como homicídio ou lesão corporal. Mas, em termos estatísticos, seria muito ruim o Estado dar uma informação que tem caráter oficial e ser equivocada. A própria descrição do fato é complicada. Como vai se saber se foi bala perdida? Só pelas circunstâncias, não há uma questão objetiva e isso gera desconfiança do próprio número. Entendemos que é melhor tratar isso como crime e investigar, ao invés de ter uma estatística oficial que não podemos confirmar. Em relação às operações, você tem razão. A gente diminuiu bastante, mas não zeramos. A prioridade não são as operações mas elas infelizmente ainda são necessárias. Concordo que não vale a pena nenhuma perda de vida para apreender uma pistola. A ação do Estado tem que ser qualificada para proteger a sociedade e não aumentar o risco. A polícia tem que proteger a população.

P. Poderia fazer um balanço da atuação do Exército nesses meses no Estado?

R. Eu vejo vantagens. Nem sempre é o resultado da prisão ou apreensão, embora estejam sendo números relevantes. A vinda das Forças Armadas é a ação do Governo federal no sentido de entender que, num contexto de violência urbana, ele tem seu papel, com a Polícia Federal, com a Polícia Rodoviária, com a Agência Nacional de Inteligência, com as Forças Armadas... Vejo muito positivo o Governo federal entender sua participação e trabalhar de forma conjunta e coordenada, uma vez que eles têm muitas pessoas e recursos materiais que podem nos auxiliar nos tempos que temos pela frente.

P. Qual é sua avaliação da política de UPPs e o que vai acontecer com elas?

R. Elas tiveram seu momento de muito impacto, elas se expandiram, mas a partir de 2013 começou a haver episódios que ligaram um alerta. Começamos a ter policiais baleados. Hoje há uma tendência natural a uma retração, a um cuidado maior no patrulhamento de becos e vielas. Por sobrevivência, porque as armas continuam chegando e as pessoas atirando. A polícia continua nesses lugares, mas de forma mais cautelosa. Eu não penso em acabar com elas, mas em redirecionar essa ação. As UPPs existem, não tem o grau que tinham no início da sua implementação de patrulhamento total, mas elas continuam representando a presença do Estado. Há muita cobrança para recuar, é uma das estratégias, mas no meu caso é a última, porque a gente tem que enfrentar o crime. A UPP não pode ficar sozinha. Hoje penso em implementar o que não consegui até hoje que é a Polícia Civil e a PM trabalharem junto e quiçá, inclusive, com as Forças Armadas, para fazer operação de grande porte que iniba troca de tiro.

P. O que vai acontecer com os 3.000 agentes que o senhor anunciou que iriam se deslocar das favelas ao asfalto?

R. Vamos rever esse número para baixo em razão do que aconteceu na Rocinha. Aquilo chamou minha atenção pelo fato de termos uma UPP lá e não ter podido evitar o que aconteceu.

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