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Salma Hayek revela a tortura de trabalhar com Harvey Weinstein: “Foi meu monstro”

Num artigo, a atriz mexicana relata as pressões do magnata para obter favores sexuais durante a produção de ‘Frida’

Pablo Ximénez de Sandoval

Harvey Weinstein foi um cinéfilo apaixonado, um tomador de risco, um mecenas do talento no cinema, um pai carinhoso e um monstro. Durante anos, foi meu monstro.” A atriz mexicana Salma Hayek começa assim um artigo publicado nesta quarta-feira no The New York Times, em que se une aos testemunhos de grandes atrizes que revelaram, nos últimos dois meses, os abusos sexuais tentados ou consumados por Harvey Weinstein, um dos lendários produtores de Hollywood, cujo nome é hoje sinônimo de predador sexual. 

Salma Hayek, no Globo de Ouro 2015. 
Salma Hayek, no Globo de Ouro 2015. Richard Shotwell (Richard Shotwell/Invision/AP)

No início de outubro, duas investigações jornalísticas revelaram, com detalhes assustadores, um segredo conhecido por muitos em Hollywood havia três décadas. Harvey Weinstein, de 65 anos, o poderoso produtor da Miramax e da The Weinstein Company, havia assediado sistematicamente atrizes e candidatas a atrizes em encontros em hotéis, protegido por uma cultura de silêncio e um exército de advogados. Quatro mulheres afirmam que foram estupradas por Weinstein. As polícias de Nova York e Los Angeles abriram investigações. Nomes como Gwyneth Paltrow, Mira Sorvino, Angelina Jolie, Ashley Judd e Annabella Sciorra relataram suas experiências com ele.

Hayek explica em seu texto que não quis falar antes porque não considerava sua voz importante, depois que tantas personalidades haviam contado suas experiências, e também porque achou que não faria diferença. O relato de Hayek se concentra não tanto no que passou na intimidade com Weinstein, mas em descrever, em detalhes, como começa e se desenvolve uma relação de assédio entre um homem poderoso e uma mulher que deseja ser atriz e produtora. O contexto é a produção do filme Frida, projeto pessoal de Hayek, em 2002.

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Hayek conseguiu que Weinstein, então chefe da Miramax, se encarregasse do projeto. Conheceu-o através de sua amizade com o diretor Robert Rodríguez e da esposa dele na época, a produtora Elizabeth Avellan. “Sabendo o que sei hoje, me pergunto se foi minha amizade com eles (e Quentin Tarantino e George Clooney) que me salvou de ser estuprada”, escreve.

Porque, segundo seu relato, uma vez iniciada a relação profissional com Weinstein, o produtor fez de sua vida um calvário, tentando obter favores sexuais em troca de sua participação no projeto. O dia a dia de Hayek consistia em “dizer não”. “Não abrir a porta para ele a qualquer hora da noite, hotel após hotel, locação após locação, incluindo um set onde eu estava fazendo um filme do qual ele nem sequer participava.”

“Não tomar banho com ele”, prossegue Hayek. “Não deixá-lo me ver tomando banho. Não deixá-lo me fazer massagem. Não deixar uma amiga nua dele me fazer massagem. Não deixá-lo me fazer sexo oral. Não me despir com outra mulher.” A atriz afirma que “cada rejeição” era acompanhada da “fúria maquiavélica de Harvey”. Numa ocasião, o produtor chegou a lhe dizer: “Vou te matar. Não pense que não sou capaz.”

Weinstein tentou se desvincular do projeto quando chegou à conclusão de que não conseguiria nada com Hayek, diz ela, que pôde manter Frida de pé graças aos advogados, arrecadar dinheiro por conta própria e recrutar atores de primeiro nível sem a ajuda do produtor. Quando Weinstein percebeu que estava envolvido num projeto que não queria fazer, o assédio passou ao próprio filme.

O produtor pediu que a personagem de Frida Khalo fosse mais sexy. Em certo momento, exigiu que houvesse uma cena com sexo entre mulheres. E que as atrizes aparecessem completamente nuas. A diretora, Julie Taymor, convenceu-o de que fosse uma cena de tango entre a personagem de Hayek e a que Ashley Judd interpreta, que terminaria com um beijo entre ambas. “Nesse momento, ficou claro para mim que ele não me deixaria acabar o filme sem realizar sua fantasia, de um jeito ou de outro”, escreve Hayek.

No dia em que gravavam essa cena, ela sofreu um ataque de ansiedade. Começou a chorar e acabou vomitando, ante a surpresa de toda a equipe, que desconhecia o contexto em que essa cena lésbica havia sido incluída o filme.

Finalmente, com o longa terminado, Hayek diz que Weinstein a continuou torturando por ter se negado a satisfazer suas exigências sexuais. Depois de ver uma montagem preliminar, ele decidiu que o filme não era bom o suficiente para estrear em salas e que o mandaria diretamente para o mercado de vídeo.

Foi a diretora, Julie, que lutou para conseguir que o filme estreasse em apenas um cinema de Nova York, onde passaria pelo teste do público. A resposta da plateia foi muito boa. Segundo Hayek, “na entrada do cinema, depois de uma exibição, ele gritou com Julie”. Jogou na cara dela um dos cartões nos quais os espectadores escrevem suas impressões. “Seu companheiro, o compositor do filme Elliot Goldenthal, interveio e Harvey o ameaçou fisicamente.”

O filme finalmente estreou e foi um sucesso de crítica. Com ele, Weinstein teve seis indicações ao Oscar; venceu duas. Hayek termina seu relato com uma reflexão. “Por que tantas de nós, artistas mulheres, temos que ir à guerra para poder contar nossas histórias, quando temos tanto para oferecer? Por que temos que lutar com unhas e dentes pata manter a dignidade? Acredito que seja porque, como mulheres, fomos desvalorizadas artisticamente até um nível de indecência, até o ponto em que a indústria do cinema deixou de se esforçar para saber o que o público feminino quer ver e quais histórias queremos contar.”

Após as acusações no início de outubro, Weinstein foi demitido de sua própria empresa, a The Weinstein Company, que agora procura um comprador. Também foi expulso da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood e do Sindicato de Produtores. Já são dezenas de acusações contra ele, algumas por incidentes ocorridos há 40 anos. Através de porta-vozes, Weinstein disse considerar que todas as relações foram consentidas e negou as acusações de estupro. Atualmente, jornalistas especializados em famosos afirmam que ele está num centro de reabilitação para viciados em sexo perto de Phoenix, no Arizona.

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