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Projeto Escola sem Partido avança em São Paulo após revés no Supremo

Texto está pronto para ser votado no plenário da Câmara dos Vereadores de São Paulo. Em março, Supremo suspendeu, por liminar, projeto parecido aprovado em Alagoas

Manifestantes na Câmara Municipal de São Paulo, em votação do projeto Escola sem partido no último dia 07.
Manifestantes na Câmara Municipal de São Paulo, em votação do projeto Escola sem partido no último dia 07.Cris Faga/Fox Press (Folhapress)
Marina Rossi
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A ofensiva para eliminar "a doutrinação ideológica" nas escolas, promovida especialmente por grupos conservadores em vários pontos do país, teve mais um capítulo em São Paulo. O projeto de lei que institui o polêmico programa Escola sem Partido em todas as escolas municipais da maior cidade brasileira está pronto para ser votado na Câmara dos Vereadores paulistana. A expectativa é que a votação ocorra no início do ano que vem. O texto (PL 325/2014) foi aprovado nesta segunda-feira pela Comissão de Finanças, último trâmite necessário antes de ir para o plenário. Antes disso, havia passado por outras três comissões, a de Constituição e Justiça, a de Educação e a de Administração Pública. Se for a plenário, terá de ser aprovado ou rejeitado pela maioria absoluta, ou seja, 28 dos 55 vereadores.

As votações nas comissões por onde o projeto passou foram marcadas por manifestações contrárias e a favor do programa. Nesta terça-feira, ao menos 12 pessoas foram detidas depois que a Guarda Municipal precisou intervir em uma manifestação na Câmara contra o Escola sem Partido. O projeto, de autoria do vereador Eduardo Tuma (PSDB), prevê, basicamente, os “deveres” que os professores devem cumprir em sala de aula e o “direito” dos pais sobre a “educação religiosa e moral dos seus filhos”. "(O professor) deverá abster-se de introduzir, em disciplina obrigatória, conteúdos que possam estar em conflito com as convicções morais dos estudantes ou de seus pais", diz um dos trechos (veja mais no quadro abaixo).

O passo da Câmara dos Vereadores paulistana desafia uma decisão do Supremo Tribunal Federal contrária a um projeto do tipo. Em março, o ministro Luís Roberto Barroso derrubou a lei do Programa Escola Livre, aprovada pela Assembleia Legislativa de Alagoas em maio de 2016 e que cujo texto é muito parecido com o da Escola sem Partido paulistana. Na época, o ministro Luis Eduardo Barroso considerou a lei inconstitucional. A decisão foi em caráter liminar, ou seja, suspende a lei até o julgamento do mérito, que é a decisão final do Supremo sobre o assunto. Até o momento, o tema não voltou à pauta do STF.

Assim como Alagoas e São Paulo, diversos outros Estados e cidades têm seu próprio projeto de lei que institui a escola sem partido, todos com trechos muito parecidos ou até idênticos. O texto original é de autoria do advogado Miguel Nagib, precursor do Movimento Escola sem Partido, que nasceu em 2004 para pregar o “fim da doutrinação política nas escolas”.

Cláudia Costin, professora de Harvard e da Fundação Getúlio Vargas, teme que uma possível aprovação do projeto em São Paulo gere um efeito cascata nas demais cidades. "Escola não é lugar para censura", diz. "Evidentemente que não é correto o professor transmitir a visão de mundo dele como a única verdadeira, mas tampouco é correto censurar". Para ela, este assunto não deveria estar sendo debatido no Legislativo, mas sim no âmbito escolar. "Quando o legislador legisla sobre o que deve ser debatido em sala de aula, ele empobrece a educação", afirma. "Definir como uma aula de algum assunto deve ser ministrada não faz sentido para o legislador. Por isso, espero que o projeto não passe e, se passar, que o prefeito vete".

"Explorados politicamente"

Se aprovado, caberá ao prefeito João Doria (PSDB) promulgar ou vetar a nova lei que valerá para todas as 12.821 escolas municipais da cidade. O tucano já sinalizou ser favorável ao projeto quando, no ano passado ainda como candidato, disse que “nossos filhos não têm de ter educação política nas escolas”.

Na justificativa projeto de lei, o autor do texto afirma que "é fato notório que os professores e autores de livros didáticos vêm-se utilizando de suas aulas e de suas obras para tentar obter a adesão dos estudantes a determinadas correntes políticas e ideológicas; e para fazer com que eles adotem padrões de julgamento e de conduta moral - especialmente sexual - incompatíveis com os que lhes são ensinados por seus pais ou responsáveis". Afirma também que é "necessário e urgente adotar medidas eficazes para prevenir a prática da doutrinação política e ideológica nas escolas".  O texto também diz que os estudantes estão sendo "manipulados e explorados politicamente", o que fere o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Ainda, que "em certos ambientes, um aluno que assume publicamente uma militância ou postura que não seja a da corrente dominante corre sério risco de ser isolado, hostilizado e até agredido fisicamente pelos colegas. E isto se deve, principalmente, ao ambiente de sectarismo criado pela doutrinação".

Na Câmara dos Vereadores de São Paulo há uma outra proposta, quase igual ao texto de Tuma, de autoria do vereador do MBL, Fernando Holiday (DEM), que está parada desde que foi apresentada, em abril. A Assembleia Legislativa do Estado também tem seu texto, de 2015, de autoria do deputado estadual Luiz Fernando Machado (PSDB). Na Câmara dos Deputados, há ao menos quatro projetos que tratam deste tema.

O que diz o projeto de lei dos vereadores de São Paulo

O projeto de 2014, de Eduardo Tuma, decreta, dentre outros pontos:

Art. 1: (...) A criação do programa Escola sem Partido, atendendo aos seguintes princípios:
I - Neutralidade política, ideológica do Município,
IV - Reconhecimento da vulnerabilidade do educando como parte fraca na relação de aprendizado,
VI - Direitos dos pais a que seus filhos menores não recebam a educação moral que venha a conflitar com suas próprias convicções

Art. 3 - No exercício de suas funções, o professor:
I - Não abusará da inexperiência da falta de conhecimento ou da imaturidade dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente político-partidária, nem adotará livros didáticos que tenham esse objetivo,
V - O professor não criará em sala de aula uma atmosfera de intimidação, ostensiva ou sutil, capaz de desencorajar a manifestação de pontos de vista discordantes dos seus, nem permitirá que tal atmosfera seja criada pela ação de alunos sectários ou de outros professores,
VI - Deverá abster-se de introduzir, em disciplina obrigatória, conteúdos que possam estar em conflito com as convicções morais dos estudantes ou de seus pais

Parágrafo único. Para o fim do disposto no caput deste artigo, as escolas afixarão nas salas de aula, nas salas dos professores e em locais onde possam ser lidos por alunos e professores, cartazes com o conteúdo e as dimensões previstas no Anexo desta Lei.

Art. 6 - A Secretaria Municipal de Educação promoverá a realização de cursos de ética do magistério para professores da rede pública, abertos à comunidade escolar, a fim de informar e conscientizar os educadores, os estudantes e seus pais ou responsáveis, sobre os limites éticos e jurídicos da atividade docente, especialmente no que se refere aos princípios referidos no Art. 1 desta Lei.

Art. 7 - A Secretaria Municipal de Educação poderá criar um canal de comunicação destinado ao recebimento de reclamações relacionadas ao descumprimento desta Lei, assegurando o anonimato.

Anexo I
Deveres do professor
I - O professor não abusará da inexperiência, da falta de conhecimento ou da imaturidade dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente político-partidária
III - O professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas
V - O professor deverá abster-se de introduzir, em disciplina obrigatória, conteúdos que possam estar em conflito com as convicções morais, religiosas ou ideológicas dos estudantes ou de seus pais ou responsáveis

Leia o texto na íntegra aqui.

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