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Trump: “Estamos aceitando o óbvio. Jerusalém é a sede do Governo de Israel”

Presidente dos EUA rompe com décadas de política externa norte-americana. Casa Branca tenta amortecer reação palestina e diz que a mudança da embaixada levará anos

Jan Martínez Ahrens
Trump exibe a decisão em que os EUA reconhecem Jerusalém como capital de Israel.
Trump exibe a decisão em que os EUA reconhecem Jerusalém como capital de Israel.JONATHAN ERNST (REUTERS)
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O vento da ira volta a ameaçar o Oriente Médio. Em um gesto tão simbólico como demolidor, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reconheceu nesta quarta-feira a milenar Jerusalém como capital de Israel e ordenou um plano para transferir para lá a embaixada do país. Embora a mudança da sede diplomática vá levar anos e talvez nunca se materialize, a proclamação rompe com décadas de política externa norte-americana e abre um ciclo sombrio para as agonizantes negociações de paz entre israelenses e palestinos. “Estamos aceitando o óbvio. Israel é uma nação soberana e Jerusalém é a sede de seu Governo, Parlamento e Tribunal Supremo”, disse Trump.

O presidente voltou a agir de costas para o mundo. Com exceção da Rússia, que já aceitou no início do ano a capitalidade de Jerusalém, Europa, China, as grandes potências muçulmanas e até o Papa alertaram para o vulcão que está a ponto de entrar em erupção. “Faço um forte chamado para que todos respeitem o status quo da cidade, em conformidade com as resoluções pertinentes da ONU”, afirmou Francisco. “Isto é um disparate de dimensões históricas que ameaça toda a região”, sentenciou o ex-diretor da CIA John Brennan (2013-2017).

Ante a tempestade que se avizinha, Trump se refugiou no argumento de que se trata do “reconhecimento de uma realidade histórica”, a aceitação de um fato consolidado tanto pelo passado como pelo presente. “Jerusalém é o coração de uma das mais bem-sucedidas democracias do mundo, um lugar onde judeus, muçulmanos e cristãos podem viver conforme suas crenças. Em 1995 o Congresso aprovou por esmagadora maioria reposicionar a embaixada e desde então todos os presidentes adiaram a decisão por medo de afetar as negociações de paz, mas décadas depois não estamos mais perto do acordo. Este é um passo longamente adiado que permitirá avançar no processo de paz e trabalhar na consecução de um acordo”, disse o presidente. “Durante anos mantivemos a ambiguidade para facilitar o processo, mas está claro que a localização física da embaixada não é matéria de um acordo, e de todo modo nada muda em nossa política na região”, especificou um porta-voz da Casa Branca.

Poucos especialistas acreditam que o passo dado nesta quarta-feira seja tão asséptico. O reconhecimento atinge a medula das relações palestino-israelenses. Jerusalém não é só uma cidade ou uma capital. É um símbolo. Um lugar esgarçado pela história, esquartejado por séculos de lutas e ocupações até formar um quebra-cabeças que ninguém conseguiu resolver. Reivindicada por israelenses e palestinos, a comunidade internacional havia contornado o dilema edificando suas embaixadas em Tel Aviv e dando a esta terra milenar um estatuto mais próprio do limbo que de uma nação desenvolvida.

A decisão de Trump acaba com esta distância e mexe em carne viva. De um golpe impõe um novo equilíbrio de forças. O tabuleiro pró-israelenses ganha fichas e os palestinos retrocedem, abrindo outra vez a ferida do conflito.

Para amortecer as reações adversas, Trump insistiu em que os EUA continuam apoiando um acordo de paz e que a decisão não afeta o estatuto de soberania de Jerusalém nem a demarcação de fronteiras. “Continuamos comprometidos com um pacto aceitável para ambos. É tempo de diálogo, não de violência”, clamou o presidente.

Nessa tentativa de reduzir a tensão, os porta-vozes da Casa Branca enfatizaram que a realocação da embaixada de Tel Aviv para Jerusalém vai levar anos. Alegaram para isso todo tipo de motivos de segurança, burocráticos e de construção, e o presidente até voltou a assinar o adiamento de seis meses que o Congresso exige para manter a legação atual. Tudo isso não conseguiu ocultar que nesta jogada houve um ganhador: Israel e seus falcões na Casa Branca. Entre eles, o próprio presidente.

A declaração de Jerusalém é uma promessa eleitoral do republicano. Não pôde levá-la adiante em maio, quando expirava o prazo da prorrogação anterior, mas desta vez não deixou passar a ocasião. Embora a mudança vá demorar e, talvez, como tantas coisas no Oriente Médio, nunca chegue a se tornar realidade, aproveitou para mostrar-se diante de seus financiadores eleitorais e seus eleitores, sobretudo judeus e evangélicos, como o homem que cumpre sua palavra. Para os seus, reafirmou a imagem de político sem travas e quase marginal, capaz de quebrar tabus do passado e construir uma estrutura de relações internacionais fiel exclusivamente ao que ele considera interesses dos Estados Unidos. As consequências, como já ocorreu com a saída do pacto contra as mudanças climáticas, não importam muito. “Podem tentar limitar os danos o quanto quiserem, mas não poderão porque Jerusalém é um ponto quente demais”, declarou o antigo enviado especial às negociações Martin S. Indyk.

Para os palestinos a mensagem é devastadora. Com um processo de paz empobrecido, Washington se fez de surda às grandes potências europeias e muçulmanas e indicou uma vez mais seu distanciamento dos compromissos históricos. A interpretação é clara. Neste novo período tudo é mutável e nem sequer a solução dos dois Estados é certa. “Continuamos comprometidos com a solução dos dois Estados se ambas as partes a aceitam”, afirmou o presidente, repetindo o que já disse na visita do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, em fevereiro a Washington

Mas colocar os palestinos de cara contra a parede, embora só seja no terreno simbólico, não deixa de ser uma aposta arriscada. Uma estratégia que no Oriente Médio, onde os problemas se medem por séculos e não por anos, pode falhar. Ou o que é pior, reativar a espiral de violência. A chama eterna.

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