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Nicolás Maduro tira da cartola um bitcoin bolivariano

Anúncio se choca com a filosofia de uma divisa nascida para livrar-se do controle dos Governos

Luis Doncel

Se Satoshi Nakamoto – o pseudônimo da pessoa ou pessoas que há quase uma década criou o bitcoin e a tecnologia que o acompanha, o blockchain – viu nessa semana o programa Os Domingos com Maduro, provavelmente precisou se beliscar para certificar-se de que o que estava vendo era real. O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, usou o programa de televisão semanal para anunciar o lançamento iminente do “petro”, a criptomoeda com a qual o Governo bolivariano planeja escapar do bloqueio norte-americano.

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A nova moeda digital, como disse Maduro, será respaldada pelas riquezas naturais do país – ouro, petróleo, gás, e diamantes –, e que servirá ao Estado da Venezuela para ganhar “soberania financeira”. Mas essas ideias se chocam com a filosofia com a qual nasceu o bitcoin, a mais conhecida e bem-sucedida de todas as moedas digitais, que se baseia na descentralização e independência em relação a qualquer Governo, Banco Central e regulador centralizado.

Ainda é muito cedo para saber o alcance dessa fusão entre o bolivarianismo e a ideologia libertária inerente à tecnologia de encadeamento de blocos. Ainda não se sabe se é um mero anúncio propagandístico de pouco futuro ou se é uma profunda mudança em um país que vive uma crise monetária brutal. Mas Pablo Fernández Burgueño, um dos fundadores do laboratório espanhol de blockchain NevTrace, acredita mais na primeira opção.

“Quando Maduro fala do lançamento de uma nova criptomoeda, se refere a uma coisa diferente do que nós entendemos por esse conceito. Obviamente, essa suposta divisa não terá mineiros [os programadores que resolvem problemas informáticos para criar bitcoins em troca de uma remuneração], porque o petro foi pensado para ser emitido e controlado pelo Governo”, afirma Fernández Burgueño.

Uma moeda desvalorizada

A última incorporação à moda das criptomoedas vem de um país cujo sistema monetário há tempos atravessa uma profunda crise. O bolívar perdeu em um mês 57% de seu valor em relação ao dólar por conta dos controles de capital e a impressão massiva de dinheiro. Como informa a Business Insider, o Governo emitiu há poucas semanas uma nova nota de 100.000 bolívares. A queda livre da moeda oficial fez com que o salário mínimo do país seja de 4,3 dólares (15 reais), de acordo com a Reuters. Enquanto o bolívar despenca, o bitcoin segue a tendência contrária. No começo do ano valia 1.000 dólares (3.240 reais), e na segunda-feira superava os 11.200 dólares (36.295 reais).

O anúncio de Maduro surpreende, também, porque a crise monetária na Venezuela levou muitos internautas a utilizarem bitcoins como forma de evitar os controles de capital do país e impulsionou o negócio de mineração de bitcoins. “Também não acho que terá sucesso como sistema para escapar do bloqueio dos EUA; porque se for respaldado por bens e ativos, eles podem sofrer as mesmas restrições que os bolívares atuais. Parece mais um movimento desesperado”, diz o fundador da NevTrace.

O anúncio de Maduro não é, entretanto, uma ideia exclusiva da Venezuela. O Equador já decretou em 2014 a proibição do bitcoin para estabelecer a sua própria moeda digital, chamada Dinheiro Eletrônico. A ideia era criar uma divisa que convivesse com uma situação de paridade com o dólar emitida e distribuída pelo Banco Central. Em um comunicado emitido nesse ano, o Banco Central equatoriano pediu à população que fique “alerta” e recuse atividades promovidas por “organizações inescrupulosas que procuram dar golpes sob a oferta de altos rendimentos, produtos de sistemas piramidais que utilizam os bitcoins”.

O anúncio do lançamento do bitcoin venezuelano foi recebido com ceticismo. A oposição ressaltou imediatamente a falta de credibilidade do projeto. “Maduro está fazendo papel de palhaço”, respondeu o deputado Ángel Alvarado, de acordo com a agência Reuters. Diante das críticas, Maduro disse estar convencido de que o lançamento do petro permitirá à Venezuela “avançar em matéria de soberania financeira” e impulsionar o desenvolvimento econômico e social do país.

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