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Papa pede respeito às minorias étnicas em Myanmar

Pontífice respalda a criticada Aung San Suu Kyi e faz um apelo, sem citá-los diretamente, aos direitos humanos dos rohingya

Daniel Verdú (ENVIADO ESPECIAL)
O Papa aperta a mão da líder birmanesa Aung San Suu Kyi, na terça-feira em Naypyidaw.
O Papa aperta a mão da líder birmanesa Aung San Suu Kyi, na terça-feira em Naypyidaw.Max Rossi (AP)
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O Papa Francisco seguiu por fim o conselho de todos os seus assessores e evitou pronunciar a palavra tabu. Mas ela não fez falta para entendê-lo. Em clara referência aos rohingya, a minoria étnica muçulmana expulsa da região de Rajine pelo exército birmanês, Francisco pediu no discurso mais relevante de sua viagem a Myanmar e Bangladesh que sejam respeitados os direitos de “cada grupo étnico e sua identidade”. Além disso, o Pontífice lembrou Myanmar de suas obrigações como membro da comunidade internacional e mencionou o valor e a vigência da ONU, que definiu a campanha militar desatada contra os rohingya como uma “limpeza étnica de manual”.

A cena é eloquente. O chefe da Igreja Católica defendendo a paz e os direitos de uma minoria muçulmana que representa somente 1% da população em um país budista. Um contexto religioso que, entretanto, permite medir a relevância política do discurso que Francisco fez na terça-feira ante a Prêmio Nobel da Paz, Aung San Suu Kyi, com referências implícitas ao êxodo de mais de 600.000 rohingya, a minoria muçulmana que o exército birmanês expulsou do país. Uma discriminação que o próprio chefe do Exército, Min Aung Hlaing, negou no dia anterior ao Papa em um encontro improvisado que obrigou a mudança da agenda e deu mostras da inquietude gerada entre as elites birmanesas pelas possíveis palavras do Pontífice.

A viagem a Myanmar, transformada em um inesperado desafio político, ocorre em um delicado equilíbrio diplomático em que os cenários contam. Naypyidaw é a fantasmagórica capital política, uma cidade de população indeterminada, criada em 2005 em um território simbólico para o Exército birmanês em suas lutas contra a colonização. Grandes avenidas vazias entre campos de arroz e um urbanismo ministerial fruto de uma ordem militar comunista que ainda pesa nas decisões políticas. O Papa se reuniu nesse local com o presidente do país, Htin Kyaw. Mas, principalmente, com a conselheira de Estado e Prêmio Nobel da Paz, Aung San Suu Kyi, que lhe convidou em maio e com quem se reuniu na segunda-feira em particular durante 45 minutos.

O discurso que veio depois, costurado com uma cuidada, mas direta retórica diplomática, não evitou o tema central e deu um respaldo a Aung San Suu Kyi, criticada pela comunidade internacional por sua aparente passividade no conflito com os rohingya. O Vaticano deu mostras nesses dias de compreender que ela se encontra em uma difícil situação onde os militares ainda ostentam o poder político. “Quero oferecer uma palavra de ânimo a todos aqueles que estão trabalhando para construir uma ordem social justa, reconciliada e inclusiva”, afirmou ao mesmo tempo em que pedia “uma ordem democrática que permita a cada indivíduo e a cada grupo – sem excluir ninguém – oferecer sua contribuição legítima ao bem comum”. Algo que a líder birmanesa agradeceu em seu discurso, mas no qual frisou também que Myanmar tem muitos outros “desafios” além “da região de Rajine” [onde vivem os rohingya], que “chamou com mais força a atenção do mundo”.

Myanmar, um país de 52 milhões de habitantes e 135 minorias étnicas reconhecidas, continua sendo uma democracia frágil – a debilidade de Aung San Suu Kyi, que nem sequer pôde ser eleita presidenta depois de ganhar as eleições, ficou evidente – que cambaleia com as convulsões de cada conflito. O Papa ressaltou que o país “continua sofrendo por causa dos conflitos civis e das hostilidades que por muito tempo criaram profundas divisões”. Ele agradeceu ao trabalho de diversos grupos “para pôr fim à violência […] e garantir o respeito aos direitos de quem considera esta terra como seu lar”. Uma fórmula retórica que define os rohingya, privados da nacionalidade birmanesa apesar de habitar o território há várias gerações. “Só se pode avançar através do compromisso com a justiça e o respeito aos direitos humanos”, declarou.

A viagem do Papa acontece sete meses depois de o Vaticano estabelecer relações diplomáticas com Myanmar durante a visita de Aung San Suu Kyi à Santa Sé. Esta viagem, originalmente vinculada a uma possível visita à Índia, começou a ser preparada naquele momento, quando nada permitia prever a situação atual. Mas o reconhecimento jurídico e político da Santa Sé, lembra o Papa, também traz uma série de obrigações. “A presença do Corpo Diplomático entre nós testemunha não só o lugar que Myanmar ocupa entre as nações, como também o compromisso do país com a aplicação desses princípios fundamentais”. No papel de líder ecumênico que assumiu desde sua nomeação, Francisco lembrou que as “diferenças religiosas não devem ser uma fonte de divisão e desconfiança, mas um impulso à unidade”.

A crise dos rohingya tem um evidente fundo político, econômico e religioso em um país encravado entre China e Índia e onde o Exército é totalmente inclinado aos interesses e costumes budistas. Pela manhã, o Papa se encontrou com o líder dessa comunidade – a quem encorajou a conviver em paz e fraternidade – e com outros grupos religiosos de Myanmar. A todos pediu que utilizem suas crenças para solucionar os problemas conservando sempre sua própria essência. “Não se deixem igualar pela colonização de culturas”.

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