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A batalha de uma estudante transexual rejeitada pela escola em Fortaleza

Aluna teve matrícula de 2018 negada, segundo a mãe. Após protesto nas redes, colégio se desculpa

Cartaz em protesto a favor de Lara em Fortaleza.
Cartaz em protesto a favor de Lara em Fortaleza.

Lara, de 13 anos, nasceu menino, em Fortaleza, capital do Ceará, mas ao longo dos anos começou a se identificar com o gênero feminino. Durante sua transição, teve o apoio dos pais, dos amigos e inicialmente da escola. Esse primeiro acolhimento, no entanto, se tornou uma batalha diária na instituição em que estuda depois que ela assumiu publicamente ser trans.

Apesar de a coordenação do colégio ter sido receptiva para auxiliá-la no que fosse preciso a partir da sua decisão, Lara percebeu que alguns direitos básicos passaram a não ser respeitados. "Sempre tinha que ir ao banheiro escondida, porque se me vissem indo ao banheiro de mulher, eles falavam algo ou me pediam para ir no exclusivo da coordenação. Por quê? Não faz sentido", conta a adolescente ao EL PAÍS. A instituição tampouco respeitou o pedido de que se adotasse seu novo nome social, algo que é garantido por lei, e continuou colocando o nome civil - masculino- em todos os documentos da aluna: provas, boletins, listas de presença. "Às vezes, me sentia tão magoada que entregava as provas com o nome rasurado", conta.

Lara segura o uniforme.
Lara segura o uniforme.

O pior obstáculo enfrentado por ela, no entanto, surgiu na última terça-feira. Lara ficou sabendo pela mãe que, após uma reunião, a direção da Escola Educar Sesc havia recomendado a família que procurasse outra escola, que pudesse atender “as necessidades” dela e que a matrícula de 2018 da aluna não seria efetivada. "Eu me senti desnorteada, desde o início da transição, foi a pior sensação que tive. Não sentia isso desde que eu ainda era menino", diz Lara, que afirma ter tido sempre apoio dos amigos e da família. Foram poucos os alunos, segundo ela, que a desrespeitavam ou fizeram piadas.

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No mesmo dia, Mara Beatriz, mãe de Lara, registrou uma ocorrência na Delegacia de Combate a Exploração da Criança e Adolescente (Dececa) na capital cearense e publicou no Facebook o relato do ocorrido e sua indignação. "Venho repudiar a atitude da Escola Educar Sesc, ligada ao Sistema Fecomercio, que hoje EXPULSOU minha filha trans de 13 anos, que lá estuda desde os 2 anos de idade, numa clara PRÁTICA TRANSFÓBICA (...) Admitiram que ela é uma ótima aluna, com boas notas e comportamento, mas não vão fazer a matrícula dela para o ano de 2018. Simplesmente a expulsaram, a enxotaram", escreveu. A nota de repúdio da mãe viralizou nas redes sociais, já tendo ultrapassado 50.000 reações e 28.000 compartilhamentos.

Nesta quarta-feira, o Sistema Fecomércio e a Escola Educar Sesc de Ensino Fundamental divulgaram uma nota pedindo desculpas à Lara e família e afirmaram que o caso da aluna foi analisado e que ela tem matrícula assegurada para o ano de 2018. Informaram ainda que a direção do Sistema determinou imediata apuração e tomada de providências para o acolhimento da aluna, bem como a adoção de protocolos para que fatos semelhantes não voltem a acontecer.

"Hoje [quarta-feira] eles me procuraram para pedir desculpas. Mas me sinto muito apreensiva de ela continuar estudando em uma escola que a tratou dessa forma", lamenta Beatriz, que, por agora, pretende manter a filha no instituto de ensino, já que ela cultivou todas suas amizades lá.

Mesmo depois de a escola ter afirmado que a adolescente teria sua matrícula garantida, um ato convocado na frente da escola para protestar contra a transfobia foi mantido. "A comunidade LGBT como um todo se sentiu solidária e parte dessa humilhação que nós passamos. A gerente de educação nos destratou de forma humilhante. Ela deu o recado dela e já pediu para sermos encaminhados para a porta, fomos escorraçados da escola", diz Beatriz.

A mãe de Lara conta que escolheu a escola porque acreditava no projeto construtivista e inclusivo, onde a filha teve oportunidade de conviver com as mais diversas crianças: autistas, down, portadores de deficiência física. "Um lugar que Lara tinha como uma segunda casa, onde ela cultivou todas as suas amizades, nos deu a decepção mais amarga", explica.

Segundo Beatriz, assim que a filha passou a se identificar com o gênero feminino neste ano, ela se prontificou em conversar com a escola. "A coordenadora falou que era uma situação nova, mas que estavam junto com a gente, então parecia tudo bem. A prática não foi assim", diz.

Diante do ocorrido, Beatriz diz ter procurado assistência jurídica do Centro de Referência LGBT Janaína Dutra. Nesta quinta-feira, a mãe de Lara se reunirá com membros do Ministério Público e só depois deve decidir se entrará com uma ação judicial contra a escola ou a gerente de educação, Silvia Maia. "Vamos até as últimas consequências. Pela Lara e por todas que virão depois dela. Foi um caso claro de transfobia. Quero que isso fique de exemplo para outras instituições", explicou. A reportagem tentou contato com Silva Maia na assessoria da escola, mas não obteve retorno.

Na última noite, Lara mal conseguiu dormir e ainda está incerta sobre o futuro. Explica que no próximo ano, se realmente voltar para escola, é por causa dos amigos. "Sinceramente eu sinto um grande constrangimento de voltar para um lugar que eu sofri discriminação. Mas se eu voltar, querendo eles ou não, não vou deixar ninguém me chamar pelo meu nome civil", diz.


* O sobrenome da jovem não está sendo publicado a pedido da família.

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