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EUA participam de exercício militar na Amazônia a convite do Brasil

Simulação de caráter humanitário tem participação dos vizinhos Peru e Colômbia

Felipe Betim
Militares brasileiros durante exercício militar na Amazônia.
Militares brasileiros durante exercício militar na Amazônia.Antonio Cruz (Agência Brasil)

Um avião militar C-130 norte-americano vem sobrevoando a Amazônia nos últimos dias. Não, não se trata de uma intervenção estrangeira em solo brasileiro, mas sim de um exercício militar que as tropas dos Estados Unidos participam desde a última terça-feira em conjunto com Exército do Brasil — a convite deste. O avião em questão, aliás, é de carga e faz de simulações de combate a incêndios florestais e transporte de tropas. As ações ocorrem em conjunto com Peru e Colômbia em Tabatinga (Amazonas), na tríplice fronteira amazônica. As simulações ocorrem até o dia 13 de novembro a partir de uma base multinacional formada pelas forças armadas dos três países latino-americanos. Outros 22 países enviaram seus observadores militares para acompanhar a operação, batizada de AmazonLog 17.

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A ação é de treinamento logístico e simula a criação de uma base multinacional que deve ter caráter humanitário. O objetivo principal é treinar militares e criar diretrizes para levar assistência humanitária à população da Pan-Amazônia e preparar para situações emergenciais, como uma onda de imigrantes vindos da Colômbia e principalmente Venezuela, que vive uma severa crise econômica. Devido à escassez de alimentos, há um fluxo constante de venezuelanos atravessando a fronteira norte do Brasil em busca de alimentos, emprego e melhores condições de vida. O Governo de Roraima calcula que 30.000 imigrantes vivam no Estado atualmente.

Ainda que o foco do treinamento seja humanitário, o general Guilherme Theophilo, do Comando Logístico do Exército, admitiu em um vídeo promocional que também existe uma preocupação com o crime organizado na região fronteiriça. "Um dos objetivos é fazer uma fiscalização maior na região e criar uma doutrina de emprego para combater os crimes transfronteiriços, que afetam aquela região na famosa guerra de fronteira que hoje alimenta a nossa guerra urbana existente nos grandes centros", disse.

Uma manobra deste tipo e com estas proporções era algo inédito até o momento na América do Sul. Ela é baseada em uma ação similar promovida pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) na Hungria, em 2015. O Brasil participou como observador. O resultado daquela ação foi de fato a criação de uma base militar multinacional, mas o Exército brasileiro nega que esta seja a intenção. Segundo explica, a OTAN é uma aliança militar, enquanto que as Forças Armadas do Brasil trabalham com outros países "na base da cooperação". A ideia, diz a instituição, é "desenvolver conhecimentos, compartilhar experiências e desenvolver confiança mútua", segundo disse à BBC Brasil.

“Todos sabemos da precariedade em infraestrutura na Amazônia e da quase ausência do Estado nessa região. Atividades como essa buscam soluções para vencer esses desafios e evitar que sejam feitos atendimentos improvisados às populações afetadas por calamidades”, explicou o general Guilherme Theophilo, do Comando Logístico do Exército, durante um seminário em setembro. Já o general Augusto Nardi, chefe de Operações Conjuntas do Ministério de Defesa, resumiu da seguinte maneira a experiência: “Estamos explorando a experiência de operações conjuntas de cunho humanitário entre as nossas três Forças Armadas, para esse perfil de operação, realizada no ambiente de fronteira”.

No total, o Brasil participa com 1.533 tropas, a Colômbia com 150, o Peru com 120 e os Estados Unidos com 30. São poucos os militares norte-americanos na selva amazônica, mas representam mais um sinal da reaproximação com os militares brasileiros. A presença deles ocorre em meio a visitas de autoridades norte-americanas ao Brasil e assinaturas de acordos, como um convênio de intercâmbio de informações em pesquisa e desenvolvimento assinado pelas pasta de defesa de ambos os países. O major-general Clarence K. K. Chinn, comandante do Exército Sul dos Estados Unidos, foi inclusive condecorado em março com a medalha da Ordem do Mérito Militar, em Brasília. Suas tropas realizam operações multinacionais com vários países das Américas.

A manobra militar foi questionada por pessoas como o ex-ministro da Defesa e ex-chanceler Celso Amorim, o senador Linbergh Farias (PT-RJ) e o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), além de outros setores nacionalistas e de esquerda. Braga inclusive fez um requerimento ao ministro da Defesa, Raul Jungmann, e ao comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, pedindo informações sobre a participação dos norte-americanos. Para o parlamentar, a ação poderia resultar em uma possível perda de soberania e ou de subordinação do Exército. Os críticos também temem que esta reaproximação represente um alinhamento por parte do Brasil com as estratégias de defesa e segurança dos EUA, algo que diverge da política de aproximação com os países da União de Nações Sul-americanas (UNASUL).

Já o Ministério da Defesa e o Exército brasileiro acreditam que esta nova fase de cooperação pode render ganhos tecnológicos e comerciais. “Os EUA têm uma expertise muito grande no que se refere à ajuda humanitária. Só de furacões os Estados Unidos tiveram esse ano uns quatro e rapidamente o país se reconstruiu. Além disso, tem uma expertise para passar para a gente em incêndios florestais”, argumentou o general Theophilo na última terça, durante o evento que inaugurou o exercício. Ele taxou as críticas de "mal intencionadas" e lembrou ainda de incêndios como o da Chapada dos Veadeiros no último mês e os que acontecem também na selva amazônica. “Roraima vive queimando e nós nunca aprendemos que temos que combater a incêndios florestais. Por que não passar esse conhecimento para a gente?”, questionou.

As cooperações com os militares norte-americanos não são uma novidade. Em 2016, por exemplo, as marinhas de ambos os países fizeram ações de treinamento antiterrorista devido às Olimpíadas do Rio de Janeiro. O general Theophilo também lembrou na última terça que o exército nacional realiza anualmente simulações com tropas estrangeiras na Amazônia, entre elas as norte-americanas. “Comandei [as tropas do Exército] na Amazônia por quatro anos e todo ano a gente tem exercícios conjuntos com destacamentos de operações de forças especiais da Amazônia. Quantos pesquisadores americanos vêm para cá trabalhar conosco no Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia [INPA]? Os EUA trabalham com a gente, a Alemanha trabalha com a gente”, explicou.

O general Theophilo também acredita que as manobras poderão proporcionar uma série de melhorias na logística da Amazônia Ocidental, que abrange os estados de Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima. Sobre os resultados esperados, disse em outubro: “Nós estamos trabalhando na melhoria dos órgãos provedores, esses são os tangíveis que vão ficar. E temos toda uma doutrina que nós estamos desenvolvendo de ajuda humanitária, de intercâmbio entre as nações vizinhas e da interoperabilidade entre as Forças Armadas e as agências civis”.

Com informações da Agência Brasil.

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