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Fernando Holiday, o vereador incendiário nas redes e cordial na Câmara

Líder do MBL deixa de lado os discursos incendiários durante seu primeiro ano na Câmara

Fernando Holiday, em junho deste ano na Câmara de Vereadores.
Fernando Holiday, em junho deste ano na Câmara de Vereadores.Charles Sholl (Folhapress)
Felipe Betim

Terça-feira, três horas da tarde. Vereadores começam a encher o plenário da Câmara de São Paulo para marcar suas presenças na sessão ordinária. Fernando Holiday, vereador do DEM e um coordenadores nacionais do Movimento Brasil Livre (MBL), surge por uma das portas que estão atrás da mesa diretora e diz seu nome pelo microfone. Caminha entre colegas, abraça e aperta a mão de alguns deles e deixa o lugar. Momentos depois, volta para o plenário para marcar sua presença na sessão extraordinária. Cumpre o mesmo ritual, mas desta vez permanece sentado ao lado do presidente da Casa, o vereador Milton Leite (DEM). Na maior parte do tempo em silêncio, com o olho fixo no telefone ou prestando atenção nas falas de seus colegas e no painel de votação. Sempre muito discreto. Às vezes deixa seu lugar e se junta, sorridente e de maneira cordial, a rodas de conversas.

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Este foi o comportamento de Holiday durante toda a última terça-feira, quando a Câmara se preparava para votar um projeto proposto pelo prefeito João Doria (PSDB) que, entre outros pontos, instituía um imposto municipal para serviços como Netflix e Spotify. Apesar de ser um forte defensor do Governo Doria e de sua possível candidatura a presidência da República, o membro do MBL vinha se opondo enfaticamente a esta proposta. No final da sessão, sendo condizente com o que vinha defendendo, disse: "Fernando Holiday vota não". Ele não quis conversar com o EL PAÍS sobre este e outros temas após o fim da sessão.

A postura de Holiday durante toda a votação contrasta com seu modus operandi nas redes sociais, nas quais aborda sobretudo temas nacionais e pouca coisa sobre seu mandato ou a cidade de São Paulo. Elas são constantemente atualizadas, principalmente o Facebook, com postagens contundentes e por vezes agressivas contra a esquerda, o PT e seus adversários. Como em vídeo recente publicado no Youtube no qual ataca o cantor e compositor Caetano Veloso. "Você coloca nós do MBL como conservadores de privilégios e desigualdades. Mas no fundo você sabe que quem procura conservar privilégios são artistas como você! Que requer, anos após ano, milhões e milhões de reais do Ministério da Cultura por meio da Lei Rouanet. É você que procura sustentar suas obras artísticas e engordar cada vez mais os bolsos a custa do dinheiro dos mais pobres!", discursa em tom exaltado, em certos momentos gritando.

Na Câmara, o democrata parece ter deixado de lado de fora essa abordagem incendiária que é característica do MBL, segundo vereadores consultados pela reportagem. Eles garantem que a postura discreta e cordial durante a votação da última terça não foi exceção. "Na maior parte das vezes ele nem se manifesta. Ele não é figura constante nos microfones de aparte, por exemplo. É muito raro", conta Soninha Francine (PPS), que foi secretária de Assistência e Desenvolvimento Social nos primeiros meses da gestão Doria. "Ele costuma pedir a palavra quando se trata de temas sobre os quais ele tem posições contundentes. Que são basicamente as chamadas pautas de comportamento, como a temática LGBT. Ou quando se está discutindo o Escola Sem Partido. Os temas sobre os quais ele se posiciona são bem delimitados", completa.

Já um vereador da oposição ao Governo Doria que não quis se identificar explica que Holiday "chegou imaginando que a tribuna era o caminhão de som do MBL", ainda que no dia a dia "tentasse ser um cara cordato", mesmo com seus adversários. "Ele é um bom orador, um cara com desenvoltura para falar... No início começou de maneira agressiva, mas isso durou algumas semanas, teve de tomar umas pancadas... Mas ele nunca deixou de ser cordial, para ser justo", explica. E acrescenta: "Hoje ele pouco usa a tribuna e não se posiciona nem em temas nacionais, que é a praia dele. Na verdade ele faz o mandato pelo Facebook. É um mandato parlamentar muito apagado se comparado ao que tradicionalmente é um mandato".

Aurélio Nomura (PSDB), líder do Governo Doria na Câmara, acredita que Holiday é "uma grande surpresa", já que se imaginava que ele "seria uma pessoa intempestiva, impulsiva". Na verdade, diz Nomura, o democrata "é intransigente dentro de suas posições e ideários, mas sempre de forma respeitosa". "Falava-se que ele iria incendiar a Câmara. Ele de fato vem incendiando a Câmara, mas de forma respeitosa. Respeitando a posição de todos os vereadores, reconhecendo que cada um tem seus compromissos”, explica o tucano, que diz ainda ter divergências com Holiday em uma série de questões, mesmo ele sendo da base do Governo. “Esta cordialidade que nós temos aqui no Parlamento é o que faz a gente avançar e entender as posições do Fernando", completa.

Fernando Silva Bispo, seu nome de batismo, tem apenas 21 anos. Filho de uma auxiliar de limpeza e de um garçom, teve uma infância pobre em Carapicuíba, na Grande São Paulo, e estudou sempre em escolas públicas, até completar em 2013 o ensino médio. Adotou o "Holiday" em seu sobrenome para homenagear Billie Holiday, cantora de jazz norte-americana e autora do hino antirracista Strange Fruit. Em entrevista à Folha de S. Paulo, disse que a "música não tem nada a ver com ideologia".

Em janeiro de 2015, Holiday se juntou ao MBL e defendeu nas ruas o impeachment da então presidenta Dilma Rousseff (PT). Naquele momento, o grupo se apresentava como sendo liberal, apartidário e anti-corrupção. Mas uma vez que a pauta da destituição de Rousseff ficou para trás, o grupo passou a também se apropriar de pautas conservadoras, sobretudo em questões comportamentais. No ano passado, Holiday se filiou ao DEM e se elegeu, aos 20 anos, o vereador mais jovem da história da cidade, com 48.055 votos — o 13º mais votado.

Mesmo sendo negro, chegou à Câmara com um forte discurso contra as cotas raciais e propondo o fim do Dia da Consciência Negra. Mesmo sendo assumidamente homossexual, se mostra contra o ativismo LGBT, o qual ele diz conter um discurso vitimista. Para ele, a melhor forma de se combater a homofobia e o racismo é através do "exemplo". "Quanto mais gays, lésbicas, bissexuais, negros e outras tantas minorias conseguirem demonstrar à sociedade que sim, são capazes de alcançar o sucesso pelo mérito e, tendo oportunidade, são capazes de fazer um bom trabalho, aí sim você vai vencer o preconceito", disse à Folha. Para combater a pobreza, sua receita é "diminuir burocracias e agilizar processos".

Outro de seus assuntos preferidos é o Escola Sem Partido, que prega "o fim da doutrinação" nas escolas — especialistas argumentam que, na prática, o projeto atenta contra a liberdade do professor na sala de aula. Em seus primeiros meses de mandato como vereador, Holiday se envolveu em uma polêmica ao visitar de surpresa escolas municipais para averiguar se as crianças estavam sendo doutrinadas. O próprio o secretário de Educação de Doria, Alexandre Schneider, condenou a atitude do membro do MBL. Ainda no início de seu mandato, a vereadora Juliana Cardoso, do PT, acusou assessores de Holiday de invadir seu gabinete após, naquele mesmo dia, membros do MBL e militantes petistas terem se enfrentado. Cardoso chegou a enfrentar o líder do MBL dentro do plenário da Casa e foi contida por colegas. 

Mas as polêmicas e confusões dentro da Câmara parecem ter ficado para trás. Alvo do MBL, que costuma se referir a ela como “maconheira” nas redes sociais, a vereadora Soninha Francine explica que ali dentro não há animosidade no trato pessoal. Ela conta ter sido relatora de vários projetos seus na Comissão de Constituição e Justiça. "E para quase todos eu dei parecer contrário. Nada pessoal e não necessariamente por ir contra minhas ideias. Mas todas as vezes que ele veio me abordar com relação a isso, foi na maior suavidade", conta. "Ele normalmente chega e diz 'olha, você deu um parecer contrário num projeto meu, tem alguma modificação que eu possa fazer no texto para que você refaça seu parecer?'. Sendo ele um representante do MBL e pelo jeito super agressivo que o grupo se coloca com relação a tudo que eu defendo e com relação a mim pessoalmente... Mas aqui na Câmara nunca houve nenhum sinal de desrespeito. Não posso reclamar", acrescenta Soninha. Ela recorda já ter sido xingada por outros colegas da Câmara no Facebook. "Mas pelo Holiday não. Muito pelo contrário. Mesmo eu sendo contrária aos projetos dele, ele sempre foi cordial", completa.

Holiday já apresentou projetos como o que acaba com o monopólio estatal na poda de árvores, o que estabelece multa para os flanelinhas que coagirem motoristas ou o que implanta um sistema simplificado para a reclamação do cidadão. Soninha foi relatora deste último na Comissão de Constituição e Justiça. Explica que, assim como outros, ele apresenta "incoerências internas" que faz com que "não sirva para o fim que se propôs". "Neste projeto, ele impõe uma série de exigências que não simplifica nada e que, além disso, configura inconstitucionalidade e ilegalidade", explica a vereadora do PPS. "Quando ele exige, por exemplo, que para você ter direito a fazer a essa reclamação no modo simplificado, você tem que ser residente no município, tem que comprovar residência, tem que apresentar título de eleitor... Quando na verdade qualquer um é cidadão apto de fazer uma reclamação", argumenta.

Ao longo de seu primeiro ano de mandato, o qual concilia com a faculdade de Direto e a militância no MBL, o vereador vem tentando demonstrar ser coerente com o que prega: "Uma máquina pública mais enxuta e transparente e o fim das mordomias à classe política". Não utiliza carro oficial, anunciou a doação de 20% de seu salário para instituições de caridade e contratou oito assessores dos 17 permitidos, segundo ele. Também se orgulha de ter gastado aproximadamente 7.000 reais em seu gabinete no primeiro semestre — a Câmara reembolsa 282.000 por ano. Ele assegura ainda ter feito uma campanha eleitoral barata no ano passado: declarou pouco menos de 60.000 reais no TSE, ou, como gosta de dizer, um real por voto. No entanto, desde o início do ano vem se defendendo de acusações de que sua campanha também contou com recursos não declarados, algo que contraria o forte discurso anti-corrupção. Agora, precisa também se defender das acusações de seu antigo advogado de campanha, Cleber Teixeira, que assegura que o vereador fez caixa dois.

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