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Avós da Praça de Maio, uma história de luta que completa 40 anos

A organização argentina já encontrou 125 netos sequestrados ou nascidos em cativeiro durante a ditadura

Grupo de Avós marcha com as Mães em maio de 1982
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“As Avós perceberam que uma ausência é uma ausência de toda Argentina, e por isso há um povo que as declara soberanas da memória.” Assim descreveu Mario Bravo, um dos netos nascidos em cativeiro, o trabalho das Avós da Praça de Maio (APM) durante a noite do 40º aniversário de uma organização que continua a levar adiante uma incessante busca iniciada em plena ditadura e que já restituiu 125 identidades. A mais recente foi anunciada no meio do festejo na sala conhecida como a Baleia Azul, no Centro Cultural Kirchner (CCK), onde, como escreveu uma vez o uruguaio Eduardo Galeano, exibiram o “mar de foguinhos” que mantém viva sua luta. Filhos, netos e bisnetos homenagearam um grupo de mulheres que de tão idosas mal conseguem caminhar e que agora transferem a responsabilidade de continuar um trabalho respeitado no mundo inteiro.

Rosa Tarlovsky de Roisinblit tem 89 anos e anda de cadeira de rodas. Mas é a vice-presidenta da APM e ainda comparece todas as terças-feiras às reuniões da diretoria. Usa ajuda, mas especialmente usa sua força. A mesma que emprega para encontrar os netos de suas companheiras, visto que ela encontrou seu próprio neto, Guillermo Pérez Roisinblit. “Os primeiros anos foram muito difíceis, porque não sabíamos como fazer para encontrar nossos filhos, e finalmente percebemos que também levavam nossos netos. Tudo estava contra nós. Estávamos diante de uma ditadura feroz, que não parava por nada, e sobre nossos netos não sabíamos nem o sexo, porque tinham nascido num campo de concentração. Também não sabíamos se nossas filhas sequestradas tinham chegado ao fim da gravidez, pelas torturas e castigos”, lembra Rosa.

“Concluiu-se que com o sangue dos familiares se poderia saber a identidade dos nossos netos”, recorda. A informação hoje soa como natural, mas naquela época era novidade. E ainda faltava a outra ponta do novelo: cutucar o DNA daqueles que circulam pela vida sem saber sua origem. Os que estão nas praças, no metrô, na rua. Os que votam, trabalham e estudam. Tirar o véu de centenas de pessoas que não se permitem ver além do conforto, picar como uma mutuca até encontrar a dúvida sobre a própria identidade. Ou, como diz Ignacio Montoya Carlotto, neto da presidenta, Estela de Carlotto: “As avós são pessoas que trabalham para fazer se encontrar”.

Com todo esse sangue se criou o Banco Nacional de Dados Genéticos, por decreto do ex-presidente Raúl Alfonsín. “Quanto mais familiares se apresentavam, mais chances havia de identificar uma pessoa”, explica Rosinblit. “Não são recuperados, são netos que pudemos identificar e que aceitaram sua nova, mas verdadeira, identidade. Dessa maneira, podem conhecer realmente sua verdade”, completa. “Enquanto houver uma avó, ela fará o que tiver que fazer, mas temos um grupo de pessoas jovens que estamos ensinando, e quando já não restarem avós, eles vão cuidar. Isso não termina até que se encontre o último neto, e o banco de dados genéticos vai existir até 2050 ou mais”, desafia Rosa.

Como acontece em Córdoba com Sonia Torres, a última das avós que restam na segunda província mais importante da Argentina. “Sequestraram minha filha Silvina Parodi e seu marido dois dias depois do golpe, porque integrava uma lista feita pelos militares sobre ‘jovens revoltosos’. Ela estava grávida de seis meses, e cheguei a percorrer sozinha todas as prisões do país para encontrá-la. Quando vim para Buenos Aires conheci as outras avós e nunca me separei delas”, rememora a mulher de 88 anos. E promete a si mesma antes de entrar no auditório: “Vou encontrar meu neto antes de partir”.

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