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Almodóvar, de A a Z

Dicionário analisa a obra do cineasta com verbetes sobre seus filmes, influências e paixões

Gregorio Belinchón
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“Acho que as pessoas me dão muito mais importância do que tenho”, pode-se ler na primeira frase do livro Universo Almodóvar. Estética de la Pasión en un Cineasta Posmoderno [Universo Almodóvar. Estética da Paixão em um Cineasta Pós-Moderno sem lançamento previsto no Brasil]. É uma declaração de Pedro Almodóvar à revista Cahiers du Cinéma, na qual afirmou que nem sequer se sentia um representante da movida [movimento de contra cultura do final dos anos 1970 em Madri] ou bandeira de diferentes orientações de sexualidade. E daí vem o subtítulo – pós-moderno – escolhido por José Luis Sánchez Noriega, professor de História do Cinema e do Audiovisual da Universidade Complutense e autor de variada bibliografia sobre diretores e movimentos.

“É pós-moderno porque ultrapassa a movida para criar uma obra mestiça, na qual combina uma multiplicidade de elementos”, conta o professor. “E por isso decidi escolher as variáveis a considerar, como corpo, desejo, sexo... Em suma, o que molda sua identidade cruzando transversalmente seus fotogramas. E depois escolhi as palavras que melhor definiam seu cinema e são essas que coloquei”. A elas, acrescentou seus 20 filmes, “e outras mais conjunturais”, como Paul Morrissey. Assim nasceu o dicionário, “pensando em seu contexto histórico e internacional”.

O livro ronda Sánchez desde 2007. “Estava dando um curso para norte-americanos e tinha anotações sobre um diretor, do qual sou seguidor, mas não apaixonado. Há filmes de que não gosto e outros de que gosto. No entanto, é inegável que, depois de Buñuel não existe um cineasta espanhol mais conhecido em todo o mundo. Assim, no ano passado decidi sentar e refletir sobre o que permanecerá de Almodóvar daqui a 30 anos. Para além de amores e fobias, que marca deixará no cinema?”.

No entanto, esse dicionário profusamente ilustrado não foi escrito apenas para a comunidade acadêmica, mas para qualquer fã. Sánchez reconhece ter gostado muito da preparação. “Porque você cruza dados e ideias, descobre seus conceitos transversais e isso é muito rico como estudioso e como cinéfilo”. E dá o exemplo do uso de fotografias nos filmes do cineasta. “Fiquei surpreso ao descobrir sua importância. Ou que, de fato, de seus 20 filmes, apenas três são comédias. O que acontece é que ele inclui pilhéria em metade dos seus melodramas”.

Ao longo dessa centena de verbetes espalhados por496 páginas, de Abraços Partidos (a primeira) a John Waters (a última), há espaço para desenvolver comida, símbolos, tauromaquia, Salomé, lesbianismo, melodrama, fotografia, incesto, estética, cartazes... “O cinema de Almodóvar melhora muito quando você o pensa”, reflete Sánchez. “É um problema de verossimilhança. Uma vez que você pula a cerca, você acredita no universo ficcional e desfruta de como ele roda, das referências, dos diálogos. Você encontra os valores dele e aí está a riqueza de Almodóvar”. Na introdução o autor defende que seu dicionário fornece itinerários e chaves para que mais tarde o leitor possa apreciar os filmes.

“Espero que existam pontos em aberto, aberturas que o espectador complete assistindo aos filmes”. Para Sánchez, Almodóvar tem uma arma poderosíssima como criador: “Tem uma grande personalidade e, em última instância, conta a história que quer. Pense em A Lei do Desejo, que estreou em uma Espanha ainda cheia de tabus, com uma lei do divórcio aprovada apenas cinco anos antes, e que conta um drama homossexual de maneira absolutamente natural, sem apologias ou proclamações. Leva o público ao seu terreno”. Antes de escrever, Sánchez decidiu não falar com o cineasta. “É um livro acadêmico imparcial e eu não queria nenhum tipo de interferência. Depois de pronto, sei que ele deu uma folheada e gostou, mas segundo sua secretária não lê o que se escreve sobre ele. E pouco mais”.

A pós-modernidade é um sinal dos tempos. “Explicar Almodóvar a partir da movida madrilenha é reducionista, eclipsa suas muito diferentes perspectivas. Como ele, não se pode entender Greenaway, Lynch, Carax, Kaurismäki ou Jarmusch sem passar por seu caráter descrente e irônico e por sua busca por uma artificialidade nascida de seus estilos, que conformam seus mundos”, conta Sánchez. Outra motivação para publicar agora o livro: “Almodóvar ainda tem filmes a fazer, certamente, mas intuo que o grosso de sua filmografia está feito, ele já completou uma etapa”. O livro também serve para resumir uma época, capítulo dourado do cinema espanhol.

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