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Argentina confirma morte de ativista desaparecido e reação de Macri é criticada

Ministro da Justiça diz que é "compreensível" que família de vítima esteja irritada

Com Andrea Antico e Germán Maldonado (de óculos), Sergio Maldonado reconhece diante da imprensa a identidade de seu irmão.
Com Andrea Antico e Germán Maldonado (de óculos), Sergio Maldonado reconhece diante da imprensa a identidade de seu irmão.AFP
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Na tarde desta sexta-feira, chegou ao fim uma espera de quase 80 dias. Na própria entrada do necrotério onde os Maldonado reconheceram o cadáver de seu irmão caçula, Santiago, um grupo de pessoas improvisou um santuário. Apenas uma hora depois do triste anúncio, velas, flores e cartas se juntaram para homenagear a memória de um jovem artesão que ninguém conhecia até três meses atrás. A poucas horas das eleições deste domingo, as primeiras reações recaíram contra o Governo de Mauricio Macri. O ministro da Justiça, Germán Garavano, afirmou que o Executivo auxiliará a Justiça. “Seja quem for, o responsável sofrerá as consequências”, declarou. Em seguida, porém, ponderou que isso ocorrerá “caso haja um responsável”, abrindo espaço para a hipótese de uma morte acidental.

“Não foi uma investigação normal, mas, de toda maneira, o Poder Executivo sempre procurou colaborar com a Justiça”, insistiu o ministro em uma entrevista ao canal de notícias TN duas horas depois da confirmação oficial. Ele informou, também, que Macri enviou condolências à família. “O presidente conversou com a mãe de Santiago. Estão irritados, e é compreensível que estejam assim”, disse.

Em seguida, a própria família, mais incomodada ainda com as declarações do ministro, contestou. “Garavano não falou comigo. É mentira. Só nos enviaram uma mensagem. Parece-me ruim que se utilize tudo isso politicamente, às vésperas das eleições. E também acho hipócrita, da parte de Macri, telefonar para minha mãe justamente hoje, a partir de um telefone privado, se dizendo solidário. Ela não está em condições de atender telefonemas”, reagiu Sergio Maldonado, bastante irado, no mesmo programa. “Não conseguimos acreditar que Macri seja tão cara-de-pau; depois de 80 dias, a dois dias das eleições, ele telefona, hoje, justo agora. Tinha de ter ligado muito antes. Tinha de ter feito isso desde o primeiro dia e não dia em que tivemos de reconhecer Santiago no necrotério”, acrescentou sua esposa, Andrea Atico, ao canal C5N.

Garavano saiu em defesa de sua colega da Segurança, Patricia Bullrich, que deu respaldo à ação policial na operação de 1 de agosto. “A ministra Bullrich, naquele momento, diante de uma versão que ela considerava realmente improvável, reagiu daquela forma, e há disputas que podem ter outros interesses por trás e que não ajudaram em nada. O importante é saber o que, de fato, aconteceu com Santiago e que a justiça seja feita com toda a força da lei”, disse o ministro da Justiça.

“O caso atingiu um nível de politização muito alto. Isso não é novidade e acabou contribuindo para que a verdade seja conhecida. É algo que todos nós temos de tirar como lição. Quando estamos diante de um fato que provoca comoção, é preciso deixar a política de lado, não pensar em termos eleitoreiros e a ajudar a Justiça para que ela possa solucionar a questão rapidamente”, avalia Garavano.

O prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel também comentou o caso Maldonado. “Houve uma busca interminável, com uma política errática do Governo ao tentar esconder tudo e não assumir a responsabilidade da Guarda Nacional e ao não fazer uma investigação como deveria. Agora será preciso ver quanto tempo ele ficou na água, é preciso fazer as análises, buscar a verdade, a justiça, e apoiar a família, que está arrasada depois de tantos ataques, incompreensões e zombarias por parte de pessoas sem qualquer senso de humanidade e solidariedade. É preciso investigar e impedir que esse crime caia na impunidade”, observou Esquivel.

Estela de Carlotto, dirigente das Avós da Praça de Maio, também lamentou a morte de Maldonado. “Que enorme injustiça é esta de não permitir que envelheçam. É a maldade de uma parcela da humanidade, que não são seres humanos, mas sim animais”, disse, acrescentando que “os pais e irmãos de Santiago precisa saber que as pessoas do bem estão do seu lado, que os admiram, os apoiam e os acalentam. A agressão gratuita é coisa que parte de pessoas ruins e essas pessoas ruins acabam mal, pois são aquelas que antes falavam uma coisa e agora falam outra. Passam de um lado para outro conforme seus interesses econômicos, e não defendem bandeira alguma”.

O prédio do necrotério judicial traz uma placa lembrando as “centenas de militantes populares” que foram autopsiados sem o acompanhamento de um juiz durante a ditadura militar. Os cerca de 50 metros da fachada permaneceram iluminados a noite inteira. Centenas de cartazes improvisados prestavam apoio à família Maldonado e criticavam o Governo Nacional, Benetton e a Justiça. “Sua pessoa solidária o converteu em filho de todos”; “Teu corpo dói em nós como um membro fantasma de nossa democracia mutilada”; “Você foi, é e será um exemplo para toda a sociedade”; “Seu corpo estropiado é a Argentina estropiada” e “ Obrigado, irmão, sua partida da terra dignifica os seus pais e todos os solidários do mundo”, diziam os cartazes mais expressivos.

Enquanto isso, a família dá início a um luto que nunca chegará ao fim e para o qual só resta a lembrança, resumida por Antico: “Santiago foi um sol, uma pessoa íntegra, com ideais bastante claros e que amava sua mãe. Era um rapaz solidário e lembrarei dele para sempre. Fizemos tudo que estava ao nosso alcance para podermos encontrá-lo. Era um bom rapaz e não merecia, nem ele nem ninguém, o que aconteceu. Da mesma forma que passamos todos esses 80 dias à sua procura, vamos passar todos os dias que forem necessários para que os responsáveis paguem por isso. Não só os autores materiais, mas também os mentores intelectuais do crime e as pessoas nocivas que criaram todo tipo de dificuldade. Não importa quanto tempo isso levará, mas elas irão pagar pelo que fizeram”.

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