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Vulcões contribuíram para o colapso do Antigo Egito

Partículas lançadas na atmosfera mudaram o regime de chuvas, abortando a cheia do Nilo

O Egito sempre viveu ao longo do rio Nilo.
O Egito sempre viveu ao longo do rio Nilo.Jeff Schmaltz/NASA GSFC
Miguel Ángel Criado

No ano 30 a.C., Cleópatra VII se suicidou. Com ela, chegava ao fim a milenar história do Antigo Egito. Vários anos de fome, instabilidade interna e assédio dos romanos acabaram com o que restava do império dos faraós. Mas tudo começou no Nilo. No verão de 43, o rio não subiu. E, sem a cheia anual, não houve colheita no ano seguinte para alimentar a população, encher os celeiros dos sacerdotes e pagar os impostos. Agora, uma complexa pesquisa afirma que o princípio do fim pode ter sido uma erupção vulcânica ocorrida muito longe dali.

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Historiadores e climatologistas analisaram a história dos últimos 300 anos do Antigo Egito (323 a.C.-30 a.C.), período da dinastia dos Ptolomeus. E concluíram que muitos de seus vaivéns foram precedidos por erupções vulcânicas, algumas delas produzidas a milhares de quilômetros de distância. Embora os cientistas descartem a ideia de que exista um determinismo ambiental, mostram como os vulcões da Islândia e do Cinturão de Fogo do Pacífico podem ter influído nas cheias do Nilo. Ou melhor, na supressão da cheia – e nos consequentes problemas sociais e políticos.

O Egito era uma das principais civilizações hidráulicas da época, como a civilização do Vale do Indo e a das cidades sumérias também haviam sido. Todo o sistema dependia da cheia anual do Nilo, que inundava os campos no verão. No final de setembro e em outubro, amplas planícies do que hoje é um deserto ficavam verdejantes com os brotos de cereais. As boas colheitas alimentavam o povo e, por meio dos impostos, permitiam que os reis egípcios guerreassem com os rivais: os romanos no oeste e o Império Selêucida no leste.

O Egito era uma das principais civilizações hidráulicas. Todo o sistema dependia da cheia anual do Nilo, que inundava os campos no verão

No entanto, se não chovia na planície equatorial africana e no planalto etíope – as fontes do Nilo –, não havia cheia. Foi o que aconteceu 14 anos antes do suicídio de Cleópatra, em 44 a.C. “Todas as evidências que temos indicam uma redução das precipitações sobre a bacia do Nilo e, portanto, uma menor cheia no verão como resultado do impacto de uma erupção vulcânica como a do Pinatubo (nas Filipinas) ou as que ocorrem em altas latitudes do Hemisfério Norte, como na Islândia”, diz o historiador Francis Ludlow, da Trinity College de Dublin (Irlanda), principal autor do estudo.

O fator-chave aqui é o esfriamento climático após a erupção. “As erupções vulcânicas lançam grande quantidade de gases sulfurosos à estratosfera, onde se oxidam formando pequenas partículas, os aerossóis de sulfato. Esses aerossóis são muito bons para refletir a luz solar de volta para o espaço. Isso faz com que chegue menos energia à superfície [do planeta], gerando esfriamento, menos evaporação e menos potencial para as chuvas”, acrescenta esse especialista em paleoclimatologia.

Houve também um segundo fenômeno. Se a erupção ocorreu em algum vulcão do Hemisfério Norte, como indica a concentração de partículas presas no gelo, o esfriamento dessa parte do globo pôde empurrar para o sul a chamada zona de convergência intertropical (ZCIT), a região onde os ventos de ambos os hemisférios se encontram. Isso teria feito com que os ventos das monções não chegassem às terras altas etíopes, onde o Nilo Azul se empanturra de água.

“Para suas colheitas, os antigos egípcios dependiam quase exclusivamente da cheias de verão do Nilo, provocadas pela ação das monções no leste da África. Nos anos afetados por uma erupção vulcânica, a cheia do Nilo era menor, o que provocava uma tensão social que podia ocasionar revoltas e outras consequências econômicas e políticas”, afirma Joseph Manning, professor de História e Estudos Clássicos da Universidade Yale (EUA). Bem diferente seria que as erupções tivessem provocado todo o caos. “Quanto à seca como causa, o que podemos afirmar é que os Ptolomeus foram razoavelmente resilientes, mas não hesitaram em levar suas sociedades até o limite através do abuso de impostos e da produção de trigo sensível à seca”, explica. “Mas é impossível saber se o povo enfrentava mais penúrias que no passado. Os anos 40 a.C. foram uma época ruim, mas é difícil saber ao certo como isso está ligado ao fim da dinastia.”

A conexão se repete em outros acontecimentos históricos. Papiros e monumentos indicam diversas revoltas internas, como a de Tebas em 207 a.C., iniciadas nos anos posteriores a uma erupção vulcânica. O mesmo acontece com a venda de terras. Base do sustento familiar, vender propriedades era o último recurso usado pelas pessoas não podiam pagar os impostos para evitarem perder a liberdade. Após cada uma das 18 erupções produzidas nesse período histórico, houve um aumento na transferência de propriedades, como mostra um artigo publicado na revista Nature Communications.

Após cada uma das 18 erupções produzidas nesse período histórico, houve um aumento na transferência de propriedades

Com as guerras, o padrão foi um tanto diferente. Quase ao mesmo tempo em que Ptolomeu I criava o último império egípcio, o general Seleuco I Nicator, outro dos herdeiros de Alexandre, o Grande, erguia o Império Selêucida. A história diz que ambos duraram três séculos e sucumbiram ante os romanos. Também diz que houve nove grandes guerras entre os dois impérios. Os pesquisadores não encontraram conexão entre alguma erupção vulcânica, a seca do Nilo e o início de uma dessas guerras. O que puderam comprovar foi a associação contrária: cinco guerras coincidiram com erupções vulcânicas – e em todas elas os egípcios se apressaram em assinar a paz.

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