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Poder econômico da Argentina se entrega a Macri e dá como certa sua vitória nas eleições

A uma semana das eleições em que Kirchner tenta voltar, a reunião empresarial IDEA mostra a mudança da Argentina

Carlos E. Cué
O chefe de Ministros, Marcos Peña, entrevistado pelo jornalista Carlos Pagni no colóquio de IDEA.
O chefe de Ministros, Marcos Peña, entrevistado pelo jornalista Carlos Pagni no colóquio de IDEA.Telam
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A Argentina se move em ondas. E, desta vez, à frente da onda está comodamente instalado Mauricio Macri e seu grupo, uma nova experiência política em um país historicamente dominado pelo peronismo. Todos os dias ele consolida um pouco mais seu controle dos complexos mecanismos do poder argentino. A uma semana das eleições legislativas, praticamente todo o poder, o político, o empresarial, o sindical e o regional, assumem que é Macri que manda e será assim por um longo tempo. O colóquio de IDEA, uma organização empresarial chave que reúne o poder econômico todos os anos em Mar del Plata, mostrou definitivamente a guinada a favor de Macri, que todos já veem, com base em pesquisas, como o grande vencedor das eleições de 22 de outubro. A reunião, de três dias, é uma espécie de catarse coletiva: nos corredores todos insistiam que Macri manda, e não há dúvidas, a oposição está em retrocesso – a não ser que aconteça uma grande surpresa eleitoral – e agora só falta tirar a dúvida do suposto destino trágico do país. “Queremos tirar o estigma do fracasso coletivo da sociedade argentina”, disse Javier Goñi, presidente da IDEA.

Apenas três meses atrás, em julho, um milhão de argentinos correu para comprar dólares. A possibilidade, então refletida pelas pesquisas, de que Cristina Fernández de Kirchner venceria as eleições em Buenos Aires por uma grande diferença e daí poderia construir uma plataforma para voltar ao poder em 2019 provocou o que os argentinos chamam de uma corrida cambiária. Em agosto, chegaram as primárias e Kirchner ganhou, mas por uma diferença mínima. Agora todas as pesquisas indicam que vai perder, e em qualquer caso os analistas insistem que Macri terá cerca de 40% de apoio em todo o país, com um peronismo dividido e com lutas internas. Por isso está instalada a ideia de que Macri veio para ficar e ele é o verdadeiro poder.

Marcos Peña, a mão direita do presidente, aproveitou o encontro de IDEA para avisar aqueles empresários que ainda têm dúvidas e resistem. “Ainda prevalece o medo em alguns setores. Não veem bem o processo político. Não entenderam a profundidade dessa mudança, é muito profunda, veio para ficar por decisão dos argentinos, que estão cansados de fracassar. Vai ser uma exigência cada vez maior”, alertou. Peña também entrou nessa atmosfera de terapia coletiva: “O que mais temo é o histórico autoboicote argentino, a paixão pelo fracasso, essa ideia de que vai ser como daquela vez. Essa obsessão por analisar a conjuntura em função do passado não é normal, em outros países não acontece”, disse em meio a risos e aplausos.

A luta de Kirchner

Kirchner continua sendo a única pessoa que pode causar complicações para Macri. E está lutando para manter a resistência. Na verdade, de forma simbólica, organiza na sexta-feira um ato em Mar del Plata poucas horas antes da conversa de Macri com os empresários em IDEA. Ele já tem o poder empresarial e grande parte do sindical, ela luta contra ele na rua, com seus eleitores, concentrados nas áreas mais pobres. Mas as pesquisas indicam que Macri está ganhando a partida e pode acumular mais poder do que alguém já teve em muitos anos na Argentina, principalmente pela fraqueza da oposição.

O mundo do poder age como se Kirchner não existisse. Só interessa Macri. “É o presidente, é a pessoa com quem devemos negociar, tenho 220.000 filiados e aqui estão as pessoas que podem criar emprego para que sejam 400.000. Nota-se no ambiente que são novos tempos, o sindicalismo vai acompanhar”, diz nos corredores Antonio Caló, um dos sindicalistas mais veteranos da Argentina, representante dos metalúrgicos, cuja presença é em si uma mensagem. “Com estas eleições começam os anos dourados de Macri”, resumiu o jornalista Carlos Pagni, encarregado de entrevistar Peña na frente de todos os empresários, em uma intervenção que superou as expectativas.

“Todos que temos poder devemos ceder um pouco, é falso que só podemos criar indústria se fecharmos as importações”, disse a empresários preocupados pela perda do colchão do protecionismo. A tensão entre o Governo e os empresários que não decidem se devem investir estava no ambiente. “O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, nos disse que estamos em um momento no qual o país que fica quieto fica para trás. Na Argentina há muitas pessoas que não precisam de mudança porque estão indo muito bem. Mas pensem no país que estão deixando para seus filhos”, afirmou Peña. Também aproveitou, agora que todo mundo aplaude, para lembrar a falta de solidariedade de alguns empresários no primeiro ano, quando os dados eram terríveis e eles pediam um ajuste maior. Fez isso com uma imagem: “Estávamos pilotando o avião, e na seção VIP [os empresários] diziam que o frango estava frio, mas estávamos tentando evitar que o avião caísse!”. Os empresários também estão mudando. Uma pesquisa apresentada pela consultora D'Alessio no IDEA diz que a confiança dos executivos está no nível mais alto em 15 anos. Chega a 57% os que pretendem ampliar seus investimentos no próximo ano.

Macri e seus aliados se sentem fortes e não param de lançar mensagens de autoridade. Inclusive se atreveram a promover a prisão de sindicalistas acusados de corruptos, algo sempre difícil em um país que tem as centrais mais fortes da América Latina. Acaba de prender Pata Medina, líder da construção em La Plata, que tinha várias propriedades e carros de luxo, um helicóptero e até um jato particular em nome de suas empresas. Seus seguidores jogaram bombas molotov para tentar evitar a prisão. Alguns até sugerem que poderia ir contra Hugo Moyano, o mais conhecido e poderoso sindicalista da Argentina, líder histórico de Caminhoneiros. Outros esclarecem que nunca chegará a tanto.

O presidente está tão valente com sua provável vitória que explicou aos jornalistas que tem uma lista de 562 pessoas que teria de mandar em um foguete à Lua porque impedem o crescimento da Argentina. Aí estão sobretudo sindicalistas, políticos e empresários que dominam alguns setores altamente protegidos. É justamente o mundo que melhor conhece Macri, porque ele vem daí, seu pai era um dos maiores representantes do que os argentinos chamam de “a pátria contratista”. “Agora muitos estão se perguntando assustados se eles serão os próximos, se estão nessa lista, eles já são mais empresários que sindicalistas e têm muito a perder, estarão com Macri”, comenta reservadamente um funcionário do Governo. Por isso agora para muitos a preocupação não é mais se Macri vai mandar, mas se saberá gerenciar tanto poder.

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