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Declaração ambígua de independência prolonga caos na Catalunha

Presidente catalão, Carles Puigdemont, suspende ruptura para ganhar tempo para um suposto diálogo. Governo espanhol considera declaração inadmissível

Carles Puigdemont nesta terça-feira, durante seu discurso no Parlamento catalão.
Carles Puigdemont nesta terça-feira, durante seu discurso no Parlamento catalão.Albert Garcia

O presidente da Generalitat, Carles Puigdemont, declarou na terça-feira a independência da Catalunha, mas defendeu suspender durante várias semanas os efeitos dessa declaração para conseguir uma mediação. Em uma intervenção milimetricamente planejada para tentar evitar a intervenção da autonomia e contentar ao mesmo tempo as bases independentistas, Puigdemont afirmou: “Assumo o mandato do povo de que a Catalunha se converta em um Estado independente em forma de república”. Em seguida, acrescentou: “Proponho que o Parlamento catalão suspenda os efeitos da declaração de independência para que, nas próximas semanas, empreendamos o diálogo”. Puigdemont prolongou assim a incerteza sobre a economia, que já produziu uma fuga maciça de empresas.

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A fórmula escolhida por Puigdemont para proclamar a independência e depois colocá-la em suspenso foi influenciada por pressões extremas, tanto do setor mais independentista para que não desse nem um passo atrás, como do Governo, da comunidade internacional e dos empresários para que renunciasse ao seu plano.

No entanto, a filigrana dialética não impediu que Puigdemont desse a entender claramente que a independência tinha sido declarada e que a única coisa que pedia para deixar em suspenso eram seus efeitos. Ou, o que é o mesmo, a aplicação da lei da transitoriedade jurídica, que fixa a desconexão real da Catalunha do resto da Espanha.

Os deputados dos dois partidos independentistas que têm a maioria absoluta do Parlamento catalão, Juntos pelo Sim e Candidatura da Unidade Popular (CUP), assinaram depois da sessão um documento que proclama “a república catalã como Estado independente” e pede seu reconhecimento internacional. O documento, de grande importância política, pode não ter, no entanto, validade jurídica, pois não foi votado nem registrado no Parlamento.

A sessão terminou, portanto, sem nenhum tipo de votação e deixando um ambiente de incerteza absoluta em relação aos próximos passos que podem ser dados pelos independentistas e pelo Governo.

Embora o documento de declaração de independência tenha sido assinado por todo o bloco separatista, os anticapitalistas da CUP se dissociaram de Puigdemont e falaram de “oportunidade perdida” por este ter deixado em suspenso a declaração de independência.

Como justificativa para sua intenção de assumir “o mandato do povo para que a Catalunha se converta em um Estado independente em forma de república”, Puigdemont fez referência a “um consenso muito amplo e transversal” que sustentava que o futuro “tinha de ser decidido pelos catalães através de um referendo”. E sobre a tentativa de diálogo com o Estado, interpretou que a resposta foi “uma negativa radical e absoluta, combinada com a perseguição às instituições catalãs”. “Não somos criminosos, nem loucos, nem golpistas, nem abduzidos”, disse o presidente catalão em espanhol. “Não temos nada contra a Espanha e os espanhóis”, acrescentou, para depois reclamar que a “relação não funciona” para justificar sua decisão. “Queremos nos reentender melhor”, disse.

Depois de declarar a independência e suspender seus efeitos, Puigdemont lançou chamados à “responsabilidade” dos atores envolvidos. Ao Governo central pediu que “ouça” aqueles que defendem a mediação e os “milhões de cidadãos de toda a Espanha que pedem que renuncie à repressão e à imposição”.

“Intimidar”

Pugdemont convidou os cidadãos catalães a agir com “respeito” aos que pensam diferente. Pediu às empresas que continuem gerando riqueza e “não caiam na tentação de usar seu poder para intimidar a população”.

Ele disse isso depois que as grandes empresas fizeram uma fuga maciça da Catalunha devido à insegurança jurídica provocada pelo processo independentista. A declaração de Puigdemont na terça-feira, que não estabelece uma data para a concretização dos efeitos da independência, prolongará ainda mais essa insegurança.

O discurso de Puigdemont coincidiu, de fato, com um novo dia de fuga de empresas da Catalunha. Depois da debandada, nos últimos dias, de seis das sete maiores empresas do Ibex 35, na terça-feira a saída continuou com o anúncio da transferência da sede social de, entre outras, a seguradora catalã Occidente, a editora Planeta, as filiais espanholas da agência de viagem on-line eDreams Odigeo ou o grupo químico Indukern. Outras empresas – como a Freixenet e a Codorniu – esperavam o discurso de Puigdemont para decidir.

Além disso, o CaixaBank e o Banco Sabadell deram mais um passo e também mudaram suas sedes fiscais para a Comunidade Valenciana depois de terem anunciado na semana passada a mudança de suas sedes sociais.

O presidente catalão tentou implicar, de novo, a comunidade internacional no conflito, algo que o Governo espanhol já disse que não acontecerá. “Peço à União Europeia que se envolva profundamente e que vele pelos valores constitutivos da União”, afirmou.

Esse apelo às instituições comunitárias veio, precisamente, apenas algumas horas depois que seus principais líderes rejeitaram o plano de Puigdemont de proclamar a independência. A rejeição mais contundente veio do presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, que antes da sessão plenária pediu respeito pela ordem constitucional da Espanha. “Hoje eu peço que o senhor respeite a ordem constitucional e não anuncie uma decisão que tornaria impossível esse diálogo”, disse em um debate no Comitê das Regiões da União Europeia (UE), depois de lembrar que em 2 de outubro pediu diálogo ao presidente do Governo (primeiro-ministro) espanhol, Mariano Rajoy.

Pouco antes do início da sessão plenária do Parlamento catalão, o porta-voz do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, desmentiu qualquer tentativa de mediação de sua parte. O presidente francês, Emmanuel Macron, também quis mostrar sua confiança de que a crise catalã pode ser resolvida “pacificamente”.

A oposição catalã reagiu com uma mistura de incredulidade e indignação às palavras do presidente. Inés Arrimadas, do Cidadãos – Partido da Cidadania (C’s), considerou que a autonomia catalã foi colocada “em risco”. O Partido dos Socialistas da Catalunha (PSC), por outro lado, agarrou-se à pouca concreção de Puigdemont para colocar em dúvida que ele tenha deixado qualquer coisa em suspenso. “Não se pode suspender uma declaração que não foi feita”. A coligação Catalunha Sim Se Pode, da qual faz parte o Podemos, interpretou as palavras do presidente como uma porta aberta para o diálogo.

A sessão plenária do Parlamento catalão teve problemas antes mesmo de começar, a ponto de ter atrasado uma hora. Foi o próprio Puigdemont que solicitou esse adiamento por causa das discrepâncias de última hora surgidas com a CUP. Enquanto Puigdemont e o Juntos pelo Sim queriam limitar a sessão a uma declaração ambígua e sem concretizações, a CUP exigia uma declaração de independência sem nuances. A fórmula escolhida finalmente não satisfez amplos setores do partido anticapitalista. Fontes do Juntos pelo Sim acrescentaram que, além dessa discrepância, Puigdemont tentou algum tipo de mediação internacional que não se materializou. Também o PP e o Cidadãos tentaram interromper a sessão plenária e chegaram a pedir formalmente sua suspensão, solicitação que não foi atendida pela maioria independentista.

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