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“Trump e Putin não têm por que ficar mostrando quem tem o maior”

Após passar quase dois anos em uma prisão russa, a cantora da banda Pussy Riot falou ao EL PAÍS em sua passagem pelo México

Jacobo García
Nadya Toloknó, cantora da banda Pussy Riot.
Nadya Toloknó, cantora da banda Pussy Riot.Daniel Mordzinsky

Nadezhda A. Tolokonnikova, também conhecida como Nadya Tolokno (Norilsk, Rusia, 1989), caminha com charme e sorri timidamente para a câmera.

Porém, a suavidade do momento frente às lentes de Daniel Mordzinski se rompe a cada vez que responde, e suas palavras, como suas canções, se transformam em mísseis: “Putin é uma barata”, “Putin e Trump estão medindo seus pênis continuamente”, diz. Seu discurso intercala grosserias sobre os presidentes que amargam sua vida com reflexões sobre o populismo, o muro, a repressão na Rússia e a luta das mulheres no México.

Integrante da banda de punk-rock Pussy Riot, conhecida por sua oposição ao presidente russo, Vladimir Putin, as redes sociais estão cheias de vídeos com os chutes, golpes e cacetadas que recebeu da polícia russa. Em 2012, foi condenada a dois anos de prisão por irromper com sua música irreverente na catedral de Moscou em protesto contra o apoio da igreja à eleição de Putin. Convidada pelo Hay Festival de Querétaro, passou rapidamente pelo México, onde conversou com o EL PAÍS no terraço de um hotel da cidade colonial.

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Pergunta: Pode se apresentar na Rússia?

Resposta: Cada vez é mais difícil, e continuamente a polícia está cancelando os espetáculos onde queremos tocar. Não posso fazer muitos shows na Rússia, porque os organizadores me perguntam: “Quer voltar à prisão?”; e eu digo: “Não”; e então cancelam. Obviamente há diferentes reações ante o que fazemos, mas o que me surpreende é que cada vez há mais e mais pessoas jovens que querem vir.

P. Putin projetou uma imagem ao mundo como alguém decidido e carismático.

Trump e Putin são unidos não apenas pelo populismo, mas pelo gosto pela riqueza e o poder

R. Não sei quem acredita nisso, porque eu acho que ele é uma barata (risos). Há alguns meses estava em cartaz na Rússia uma obra de teatro que tratava de várias baratas que se juntavam e pouco a pouco conquistavam o poder... e acabou sendo suspensa. Putin tem uma imagem de alguém poderoso entre as pessoas mais velhas. Agora gosta de se mostrar como o macho, mas quando chegou ao poder era um homem pálido e fraco. Quando foi eleito pelos oligarcas que o controlam, ele não sabia o que fazer com o poder, e ano após ano foi construindo uma imagem, que é a que o mundo conhece. Mas seu poder é altamente ineficaz. Conheço regiões onde as escolas estão sem eletricidade e o Governo não faz nada.

P. A sociedade russa está adormecida?

R. Falta informação e, às vezes, as pessoas não querem protestar para evitar represálias ou serem demitidas de seu emprego. Isso não significa que não se pense em política, mas não podem fazer nada porque têm medo. Muitas vezes pessoas jovens se aproximam de mim para me dizer: “Queremos protestar e nos rebelar, mas quando tivermos certeza de que é possível mudar alguma coisa, porque me arrisco demais”. E é bastante gente.

P. Como é seu dia a dia na Rússia?

R. É como um jogo de gato e rato: escutam minhas conversas, grampeiam o telefone e, inclusive, recentemente divulgaram no Youtube uma conversa particular em que eu estava falando grosserias com meus amigos.

P. Você passa parte do seu tempo nos EUA, como tem vivido a chegada de Trump?

R. Desde que Trump ganhou tem muita gente que se sente como se uma abelha tivesse picado sua bunda. Foi preciso chegarem os problemas graves para saberem que há outra forma de enfrentar as coisas. E o fato de que Trump esteja aqui faz com que chame mais a nossa atenção para as coisas negativas. Os ativistas estão reagindo e estão se movimentando.

Redes sociais estão cheias de vídeos com chutes e golpes dados pela polícia russa

P. Com a chegada de Trump ao poder o populismo está ganhando?

R. Vejo similaridades entre Trump e Putin, mas não apenas em suas propostas populistas, mas em seu gosto pela riqueza e o poder. Eles falam, mas suas ações não estão relacionadas com suas palavras. Dizem que vão ajudar as pessoas, mas não é verdade, no fim as classes mais desfavorecidas estão perdendo seu plano de saúde. E na Rússia ocorre o mesmo, e cada vez há mais hospitais sem medicamentos.

P. Trump e Putin são um espelho de si mesmos?

R. Quando se fala de Putin não tem que se pensar que é a Rússia, nem que Trump seja os EUA. São coisas diferentes. Mas eles são um espelho de como foram os dois países na Guerra Fria. Há muitas similaridades e, às vezes, escuto Putin falando na televisão: “Faremos isso porque os EUA também fazem”. Paradoxalmente, quando morei nos Estados Unidos aprendi muito sobre o sistema russo. Mas agora não precisamos dessa imagem que dão de estarem medindo o pênis continuamente para ver quem tem o maior. No fim, ambos são só uns mentirosos e corruptos que não resolvem os nossos problemas.

P. O que acha da construção do muro?

R. Acho que é muito triste, e não é novo. Se observamos a história do mundo, os regimes totalitários fizeram o mesmo. É fácil jogar a culpa dos seus problemas nos mexicanos, nos muçulmanos... Mas, como podem dizer que os mexicanos os ameaçam? Vão envenená-los com tacos?

P. Qual balanço você faz de seus quase dois anos na prisão?

R. Aprende-se muito sobre um país através de suas prisões. É algo que não desejo a ninguém.

P. Você tem sido inspiração para muitas jovens ativistas, o que diria às mulheres que lutam contra a violência no México?

R. Primeiro, que não se rendam e, segundo, que é importante ter lugares alternativos como refúgios ou locais de trabalho para onde possam ir quando decidirem deixar uma casa onde haja abusos contra mulheres. Quando são criadas condições para se acreditar que é possível sair de onde se está e ter uma vida melhor, como as ondas, continuarão se reproduzindo. É importante conhecer e compartilhar quais são as ferramentas legais com as quais podem contar e ter advogados que possam ajudar. Não sei como é a educação no México, mas, na Rússia, é ruim e muitas mulheres jovens não têm boa informação sobre contraceptivos e a encontram na Internet, que não é uma fonte confiável.

P. Como o punk-rock pode influenciar no que está acontecendo?

R. O punk tem um grande poder e é uma poderosa corrente artística. É uma pergunta importante para mim, porque não queremos que nosso punk soe como era o de antes. Não queremos ser outros Dead Kennedys, mas sim provocar mudanças e incomodar Putin e outros. É um grande desafio.

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