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Na última hora, Congresso abre caminho à censura nas redes nas eleições 2018

Para valer no ano que vem, medida depende de sanção de Michel Temer até dia 7 Possibilidade de retirar postagem por denúncia de usuário em 24 horas provoca críticas

Felipe Betim
Parlamentares discutem reforma política no Senado.
Parlamentares discutem reforma política no Senado.Marcos Oliveira/Agência Senado

O Congresso Nacional recorreu a votações a toque de caixa e, em alguns casos, manobras heterodoxas para finalizar nesta quinta-feira seu projeto de reforma política a tempo de que as novas regras já sejam aplicadas nas eleições de 2018. Para isso, basta que os pontos sejam sancionados pelo presidente Michel Temer (PMDB) até o próximo sábado, 7 de outubro. Uma das mudanças de última hora, no entanto, provocou imediata polêmica: uma emenda aprovada na madrugada de quarta-feira na Câmara abre caminho para que sejam retirados das redes sociais mensagens que contenham "discurso de ódio, disseminação de informações falsas ou ofensa em desfavor de partido ou candidato" sem a necessidade de uma decisão judicial. Para que isso aconteça, basta que uma pessoa denuncie uma publicação, segundo o texto da emenda proposta pelo deputado Áureo (Solidariedade-RJ).

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Se não for vetada pelo presidente, a emenda terá alto impacto em redes sociais como Google, Facebook ou Twitter e espalhou preocupação tanto entre executivos das gigantes tecnológicas como nas poderosas associações de rádio e TV, revistas e jornais que lançaram nota de repúdio. "A Abraji considera a aprovação deste dispositivo uma grave ameaça ao regime democrático", disse a organização que reúne jornalistas investigativos no país. "Agora, apenas o veto do presidente Michel Temer pode garantir a liberdade de expressão na internet no pleito de 2018", seguiu a associação. 

Fontes do setor tecnológico se dizem preocupadas porque, segundo o texto aprovado, a simples denúncia de um usuário será suficiente para que a publicação seja derrubada em até 24 horas. Em tese, as plataformas terão que suspender as publicações denunciadas para analisar se houve disseminação de ódio ou informação falsa. Uma vez confirmada, a postagem deverá ser eliminada. Contudo, espera-se, na prática, que o grande volume de denúncias durante uma campanha eleitoral faça com que essa análise de conteúdo não seja possível e que as publicações fiquem suspensas indefinidamente, avaliam as mesmas fontes do setor. Outra preocupação é que a medida poderia fazer, por exemplo, com que as equipes de campanha fiscalizem os perfis dos usuários e denunciem as publicações críticas — mas não necessariamente ofensivas — que causam danos a seus respectivos candidatos.

A emenda contraria o Marco Civil da Internet, que regula o uso da rede no Brasil e estabelece que apenas o Judiciário tem a competência para dizer se um conteúdo é ofensivo ou ilegal — salvo os casos que vão contra as regras de uso de uma rede social, como o compartilhamento de pornografia infantil, por exemplo; nesses casos, a própria plataforma pode derrubar o conteúdo. Assim, no modelo brasileiro não existe, em tese, uma censura prévia. Mas a emenda aprovada acaba, na visão de integrantes do setor, com esta "presunção de liberdade de expressão".

Outra preocupação é o fato do texto aprovado na Câmara ser vago e confuso. Por exemplo, fala-se em "publicações" na Internet, mas não se sabe se faz referência apenas às postagens feitas por usuários ou também à páginas inteiras — algo que poderia afetar perfis engajados como o da Mídia Ninja ou do Movimento Brasil Livre (MBL).

O deputado Áureo, líder do Solidariedade na Câmara e autor da emenda, explicou ao jornal Folha de São Paulo que medida trata de "evitar uma guerrilha com fakes". "A única coisa que a gente quer é que o Facebook tenha agilidade do que tem na lei. "É um crime já [fazer comentários com perfis falsos]. Isso pode mudar o resultado de uma eleição. A diferença é que queremos agilidade porque se ficar provado que o autor não é verdadeiro, aí já passou o resultado das eleições", disse o deputado ao jornal. O deputado Vicente Cândido (PT-SP), relator da reforma política na Câmara, também defendeu a medida, que para ele precisa ser usada com "lisura e decência", segundo disse à Folha.

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