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Não há moradias portuguesas para tanta demanda

Lisboa, Porto e a costa de Algarve estão à frente do boom imobiliário do país

Porto é uma das cidades portuguesas onde mais subiram os preços
Porto é uma das cidades portuguesas onde mais subiram os preçosGETTY

Os estudantes estrangeiros que chegarem ao Porto para este ano letivo encontrarão uma desagradável surpresa: o preço da moradia subiu 40%. Culpa do boom imobiliário que vive Lisboa e que, pela primeira vez, estende-se por toda Portugal. Se na Europa o crescimento médio do setor é de 4,5%, em Portugal chegou a 8% no último trimestre.

Desde 2013, o aumento do preço da habitação deixou de ser um fenômeno exclusivo de Lisboa, a cidade europeia da moda, e se estendeu pelo país, como uma mancha de azeite que preocupa algumas pessoas. Outras, nem tanto. Enquanto os organismos internacionais começam a se preocupar, o setor imobiliário afirma que, com exceção de Lisboa e Porto, a revalorização residencial no país continua abaixo dos tempos pré-crise.

São quatro anos de preços subindo, embora nunca com tanta agressividade quanto esses 8% entre abril e junho, segundo o Instituto Nacional de Estatística. "O olho do furacão está em Lisboa", explica Ricardo Guimarães, diretor do Confidencial Imobiliário (CI); "mas seus efeitos colaterais, pela primeira vez, começam a ser sentidos no resto do país".

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Com exceção de 15, os preços subiram nos outros 278 municípios de Portugal continental. Dois anos atrás, a situação era oposta: os preços haviam caído em 236 municípios, em relação ao ano anterior, segundo dados do CI.

"A revalorização dos imóveis em Lisboa é de 24,3% este ano, na vizinha Oeiras é de 13,6%, em Cascais é de 18,3%, na capital do Algarve, Faro, é de 26,7%", diz o diretor do CI, "mas com exceção de Lisboa, os preços no resto do país não chegaram aos níveis pré-crise".

Ao contrário de outros países, o crescimento que o setor vive em Portugal não é pela construção, mas pela reabilitação. Apenas 14% das casas vendidas este ano são novas e, ainda assim, é um recorde desde 2013. Este ano, serão vendidas 280.000 casas no total, diante das 178.850 de 2013. "Mas o mercado não voltará a registrar o número de transações da década anterior porque o estoque imobiliário é inferior ao do passado e porque o setor financeiro é muito mais conservador na concessão de créditos", explica Luís Lima, presidente da APEMIP, a associação nacional dos agentes imobiliários.

O setor bancário, que continua digerindo os estragos dos bancos Espírito Santo, Novo Banco e Caixa Geral, ainda não se aventura a conceder crédito empresarial, mas se abriu ao hipotecário, que se quintuplicou em três anos.

Nenhuma das agências imobiliárias vê uma bolha no atual dinamismo, pelo menos não como a dos anos 2000, fundamentalmente porque não se repete o crédito fácil daquela época. A maioria das compras em Lisboa (metade do mercado nacional) é com dinheiro à vista e de estrangeiros que chegam em ondas: primeiro foram os brasileiros e chineses, depois os franceses, então os escandinavos e, por último, os turcos. Portugal converteu-se em um país-refúgio. "Não há bolha porque o mercado nacional não apresenta uma dinâmica irracional de preços; o risco pode ser para o investimento, mas não para a residência", afirma Guimarães.

Os proprietários têm uma opinião diferente. "Estamos em uma bolha", afirma Luís Menezes Leitão, "apenas os intermediários negam isso; outra coisa é que ela vai estourar". O presidente da Associação Lisboeta de Proprietários (ALP) cita as causas da bolha: o novo imposto sobre patrimônio, a extensão do congelamento de aluguéis, a concessão de visas gold para compra de apartamentos de meio milhão de euros, o turismo e os benefícios para aposentados estrangeiros. "Se esses últimos incentivos forem mantidos, não é previsível que a bolha estoure em um ou dois anos. Em todo caso, o grande prejudicado é o mercado de aluguéis. Com o aumento de impostos e o congelamento dos aluguéis, o proprietário prefere vender".

"Não é uma bolha, são bolhinhas", afirma Lima. "No centro de Lisboa, Porto e Algarve, os preços estão acima do mercado por falta de oferta, isso provocará um aumento do metro quadrado nos seus arredores; mas, já no passado, conseguimos sobreviver à desvalorização dos ativos e sobreviveremos a uma eventual especulação de preços".

A consultora PHMS prevê que, até 2022, os preços subam anualmente por volta de 5% em média a nível nacional. "A escassez da oferta para compra e para o aluguel é um dos principais fatores para o aumento dos preços", segundo a Portuguese Housing Market Survey.

FMI, CE e BCE desconfiam da escalada de preços

Os organismos internacionais concordam que não há bolha, mas desconfiam da escalada de preços das moradias na Europa. FMI, CE e Banco Central Europeu alertam que não há razão para pânico, mas para monitoramento, evitando retrocessos, especialmente em países como Espanha e Portugal.

Em dezembro, o FMI lembrava: "Entre 2007 e 2008, os preços dos imóveis entraram em colapso, marcando o início da crise. Agora, o índice dos preços de moradia do FMI mostra que estamos quase de volta aos preços pré-crise. É hora de voltar a nos preocuparmos?". Nesse relatório com 60 países, Portugal ocupava o 15º lugar na subida dos preços.

Neste trimestre, Portugal subiu ao quarto lugar europeu em crescimento de preços (7,9%), atrás apenas da República Tcheca (12,8%), Lituânia (10,2%) e Letônia (10,1%).

O BCE também olha a escalada com preocupação, especialmente nas capitais europeias, "promovida especialmente por investimentos estrangeiros". Embora não cite o caso de Lisboa, este sem dúvida é um dos mais claros, porque já chegou a preços pré-crise. Mas os salários dos trabalhadores locais, não. O turismo e o investimento estrangeiro estão fazendo os preços dispararem. Em seu relatório esta semana, o Conselho Europeu para o Risco Sistêmico (ESRB) também alerta para o aumento de preços na Europa.

Esses organismos oficiais reconhecem que não existem, neste momento, as facilidades de crédito hipotecário que existiam em 2000, mas que o fenômeno, agora, está ligado, como no caso de Portugal, à oferta escassa de habitação e à rentabilidade também escassa dos produtos bancários.

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