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Tensão dispara na Catalunha após operação policial para barrar referendo de independência

Milhares de pessoas protestam no centro de Barcelona contra a decisão de prender membros do Governo regional que comandavam a organização do plebiscito

Protesto no centro de Barcelona contra o Governo espanhol
Protesto no centro de Barcelona contra o Governo espanholSUSANA VERA (REUTERS)

A tensão entre o Governo da Espanha e as autoridades da Catalunha acirrou nesta quarta-feira diante da tentativa dos catalães de realizar um referendo de independência da região para se separar do resto da Espanha. A polícia espanhola deflagrou pela manhã uma operação para barrar o plebiscito que o Governo regional planeja para o próximo 1 de outubro. Os policiais chegaram com mandados de busca e apreensão em 41 escritórios das Secretarias do Governo catalão que trabalhavam na organização do referendo. Após um dia inteiro percorrendo diferentes locais, a polícia prendeu 14 membros do comando para a preparação da consulta e apreendeu 10 milhões de cédulas eleitorais.

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Ao longo do dia grupos de  militantes independentistas reunidos na frente de diferentes edifícios do Governo catalão vaiaram a polícia espanhola e tentaram atrapalhar a operação. Já à noite, após a polícia cumprir os mandatos e levar presos os organizadores do referendo, 40.000 pessoas lotaram a praça de Catalunha, no centro de Barcelona, para protestar contra a atuação do Governo espanhol e defender a independência.

Por que a Catalunha quer a independência?

A Catalunha soma 19% do PIB da Espanha e 12% da população do país. Embora nunca tenha sido independente, tem uma língua e algumas características culturais próprias. Desde o começo do século 20 cresceu na região um movimento nacionalista, que já nos anos 30 tentou declarar a independência de forma unilateral. Após a recuperação da democracia na Espanha, em 1979, a Catalunha conseguiu uma grande autonomia do poder central. Ao longo desses anos, os nacionalistas sempre estiveram no governo da região. Nessa época, eles cobravam mais soberania e sobretudo mais dinheiro, alegando que contribuíam desproporcionalmente com o caixa comum de toda a Espanha. Afirmavam que estariam arcando com o custo do desenvolvimento das regiões mais pobres. Embora exigissem o reconhecimento nacional da Catalunha, os grupos nacionalistas aceitavam continuar dentro da Espanha desde que conseguissem algum tipo de status político especial. Mas tudo mudou nos últimos dez anos.

Desde há alguns dias a tensão na Catalunha vinha aumentando devido à intenção dos nacionalistas, que comandam o Governo regional, conhecido como Generalitat, de fazer o referendo apesar de essa manobra ter sido considerada ilegal pelo Tribunal Constitucional da Espanha. Nos dias anteriores a polícia já havia realizado operações para impedir a colocação de cartazes que convocavam a população a votar. Enquanto isso, o Governo da Espanha tomou o controle das contas da Generalitat. O Ministério Público ainda avisou que processaria todas as pessoas que colaborassem com a organização do referendo, dentre elas 712 prefeitos de toda a região, somando 948 municípios.

Quarta-feira foi resultado de anos de tensão acumulada

A tensão chegou ao ponto máximo nesta quarta-feira com a primeira operação que atingiu o próprio Governo regional e que acabou, pela primeira vez, com a detenção de dirigentes políticos. Os protestos, com numerosos panelaços, continuavam em Barcelona e outras cidades da região por volta da meia-noite. Coletivos sociais como o Fútbol Club Barcelona divulgaram notas contra a atuação policial. Um manifesto no mesmo sentido foi lido nos teatros de toda a região.

O chefes dos Governos da Catalunha e da Espanha trocaram farpas através de pronunciamentos oficiais. O catalão Carles Puigdemont acusou o Governo de Madri de "impor um estado de emergência e suspender de fato o auto-governo da Catalunha". O primeiro ministro espanhol, Mariano Rajoy, respondeu horas mais tarde: "O referendo é um devaneio. Voltem à lei e à democracia. Estamos defendendo os direitos de todos os espanhóis, incluindo os catalães". Rajoy também explicou que a polícia deflagrou a operação em cumprimento ao mandado de um juiz. Os principais partidos políticos da Espanha apoiam a posição do Governo de centro-direita de Rajoy e defendem que a Constituição espanhola não permite o referendo.

Nos últimos anos a demanda catalã por mais dinheiro foi crescendo até se tornar um lema: "A Espanha nos rouba”. Desde 2010, no meio da pior crise econômica que o país viveu em muito tempo, os nacionalistas foram pouco a pouco se encaminhando para posições independentistas. Nunca ficou claro que a opinião majoritária do povo fosse favorável a se separar da Espanha. A última pesquisa feita pelo próprio Governo da Catalunha há poucos meses assinalou que 49% da população era contra a independência e 41% a favor. Mas os dois principais partidos espanhóis, conservadores (PP) e socialistas (PSOE), com um grande apoio da opinião pública do resto do país, sempre recusaram a realização do referendo.

O Governo catalão decidiu então tomar o caminho da desobediência e convocar a consulta apesar de haver sido declarada ilegal pela Justiça. Dia após dia o confronto foi se intensificando até acabar num quadro cheio de perigos e incertezas, com um forte racha entre as instituições catalãs e o resto da Espanha. Também dentro da própria Catalunha, há uma forte cisão entre os nacionalistas e os que não concordam com a independência.  

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