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Por que o Governo da Catalunha quer ser independente da Espanha?

Esses são os dados essenciais para se entender um conflito que colocou a Espanha no momento político mais complicado em 40 anos de democracia

Milhares de manifestantes comemoram decisão do Parlamento catalão de dar início ao processo de independência.
Milhares de manifestantes comemoram decisão do Parlamento catalão de dar início ao processo de independência. David Ramos (Getty Images)
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A Espanha vive o momento político mais complicado após a queda, em 1975, da ditadura militar que governou o país durante 40 anos. O intento dos nacionalistas catalães de convocar de forma unilateral um referendo de independência, declarado ilegal pela Justiça no início de outubro, e semanas depois dar início ao processo separatista causou um enorme racha com o resto do país e dentro da própria Catalunha. A tensão é muito grande, com protestos diários nas ruas de Barcelona e outras cidades da região, enquanto no resto da Espanha a posição de força do Governo de Mariano Rajoy (Partido Popular, centro-direita) tem um amplo apoio político e social.

A Catalunha nunca foi uma nação independente, mas tem há muito um Governo próprio, conhecido como Generalitat. Ela estava integrada dentro do reino de Aragão, cuja unificação com Castela, em 1492, deu origem ao nascimento da Espanha. Tem uma língua própria, falada pela maioria da população. A Catalunha sempre foi uma das regiões mais ricas do país e uma das primeiras a conseguir o desenvolvimento industrial. Ao longo do século XX, milhares de espanhóis de outras regiões emigraram para lá na procura de empregos. Sua economia soma hoje 19% do PIB da Espanha e seus 7,5 milhões de habitantes representam 12% da população espanhola.

O sentimento nacionalista cresceu na segunda metade do século XIX e consolidou-se no início do século XX. Nos anos 30 a Catalunha conseguiu autonomia política dentro da República espanhola e os nacionalistas governaram a região. Após um golpe militar em 1936 e três anos da Guerra Civil, o general Franco tomou o poder e resistiu nele ao longo de 40 anos. A Catalunha, como o resto do país, viveu sob a repressão. O poder ficou totalmente centralizado em Madri e o uso oficial do idioma catalão foi proibido.

A morte de Franco trouxe a democracia. A nova Constituição deu à Catalunha uma grande autonomia política e reviveu a Generalitat. Desde então o partido majoritário foi quase sempre o nacionalista conservador Convergência e União (CiU) que, ainda que lutava por conseguir mais poder para a região, não defendia posições independentistas e até assinava frequentes acordos políticos em Madri com os grandes partidos espanhóis.

O atual enfrentamento começou em 2010, em um momento no que a Espanha estava vivendo uma profunda crise econômica que afetou com especial virulência a Catalunha. Quatro anos antes, os catalães aprovaram em referendo uma nova lei autônoma (Estatuto) que ampliava os poderes da Generalitat e definia a Catalunha como uma nação dentro da Espanha. O conservador Partido Popular fez uma barulhenta campanha em todo o pais contra a nova lei catalã e apresentou um recurso no Tribunal Constitucional espanhol, o qual cortou consideravelmente o Estatuto e não permitiu o uso da palavra nação. Após a sentença, dezenas de milhares de catalães saíram às ruas para protestar na maior manifestação na democracia em Barcelona. A partir desse momento, a escalada do conflito só aumentou.

Desde então, os independentistas se esforçaram para reunir multidões em manifestações convocadas sempre em 11 de setembro, o Dia da Catalunha. Em 2012, ainda em meio à crise econômica e com muitos protestos contra os cortes nas despesas públicas, o presidente regional, Artur Mas, da CiU, disse publicamente que era hora de ter estrutura própria de Estado. Artur Mas, alvo de fortes críticas por sua política de austeridade econômica, alegou que os catalães já estavam cansados de gastar dinheiro para contribuir com o caixa da Espanha. “Não existe batalha mais urgente do que a soberania fiscal de nosso país... Produzimos recursos e riqueza suficientes para vivermos melhor do que vivemos”, disse. Pela primeira vez, um movimento até então muito minoritário via seus anseios refletidos em um presidente que prometia “plenitude nacional”. E que culpava o Governo de Madri por todos os seus problemas.

Dias depois, Artur Mas levou ao Parlamento uma lei para convocar um referendo de independência, mas fracassou. Logo depois convocou eleições antecipadas. Perdeu 12 cadeiras no Parlamento regional que foram majoritariamente para o partido que sempre defendeu a independência, Esquerda Republicana de Catalunha (ERC). Assim a demanda nacionalista se radicalizou. Em 2013, CiU e ERC combinaram um referendo. A grande maioria dos partidos espanhóis e os catalães não nacionalistas recusaram apoiar esse plebiscito. O seu argumento sempre foi que a Constituição espanhola impede a uma região de votar para se separar da União. Mesmo assim o referendo foi realizado em 9 de novembro de 2014. Como a iniciativa havia sido denunciada diante da Justiça pelo Governo central, com o apoio dos partidos contra a independência, a Generalitat deixou de chamá-lo de referendo e passou a denominá-lo “processo participativo”. Para evitar se expor a uma inabilitação judicial, os governantes catalães deixaram que a consulta fosse organizada por voluntários. A votação ocorreu com urnas de papelão. Os partidos não independentistas boicotaram e pediram que suas bases não participassem. No final votaram 2,3 milhões de pessoas de um censo estimado de 5,4 milhões de catalães. Dentre eles 80,76% foram a favor da independência.

Paralelamente, foram descobertos casos de corrupção que minaram o partido de Artur Mas. A polícia e a Justiça desvendaram que a CiU costumava cobrar 3% de propina em obras públicas. Jordi Pujol, presidente durante duas décadas, padrinho político de Mas e a grande figura do nacionalismo catalão desde a queda da ditadura, teve que reconhecer que escondeu uma fortuna no paraíso fiscal de Andorra, e acabou sendo acusado de lavagem de dinheiro e crime fiscal.

Artur Mas voltou a convocar eleições em 2015 e formou uma grande coligação nacionalista com a ERC, chamada Juntos pelo Sim. O seu objetivo era fazer dessas eleições um plebiscito a favor da independência. Embora os partidários da separação da Espanha não tenham conseguido chegar a 50% dos votos, somaram a maioria de deputados no Parlamento regional, entre o Juntos pelo Sim e uma agremiação nova, a Candidatura de Unidade Popular (CUP). A CUP, anticapitalista e defensora de uma estratégia radical de ruptura com a Espanha, obrigou Artur Mas a abandonar a presidência em troca de seu apoio para poder governar. O dirigente nacionalista foi substituído por outro membro de Convergência mais claramente independentista, Carles Puigdemont.

Apesar dos protestos dos partidos na oposição e das advertências do Governo, advogados, juízes, empresários e instituições europeias, os partidos independentistas aprovaram no dia 7 de setembro deste ano uma lei para convocar um referendo em 1º de outubro. E o fizeram impedindo as emendas da oposição, que, por sua vez, acabou abandonando suas cadeiras no Parlamento. No mesmo dia, o Tribunal Constitucional espanhol suspendeu em caráter de urgência essa lei. No dia seguinte, os independentistas aprovaram outra lei, chamada de desconexão, que contempla todos os passos para a proclamação da República da Catalunha. Também foi suspensa pelo Tribunal Constitucional.

As pesquisas de opinião mostram que a população catalã está muito dividida, sem uma maioria clara a favor da separação da Espanha. Segundo o último levantamento feito pelo próprio Governo catalão, há dois meses, 49% eram contra a independência, e 41% a favor. Mais uma pesquisa realizada em setembro pela empresa Metroscopia para o EL PAÍS salientou que 61% acham que o referendo convocado para o 1º de outubro não é válido legalmente. Porém 82% desejam que os governos de Madri e Barcelona negociassem um acordo para realizar um plebiscito dentro da legalidade. Para isso, seria preciso a abertura dum processo de diálogo. Mas faz muito tempo que as conversas entre as duas partes foram interrompidas.

No final de outubro, semanas após a realização do referendo na Catalunha (que foi alvo de forte repressão das autoridades espanholas), o Parlamento catalão se antecipou à decisão do Governo central de intervir na Catalunha e aprovou uma resolução que dá início ao seu processo unilateral de independência da região. Milhares de pessoas favoráveis à independência foram às ruas de Barcelona celebrar. Mas horas depois, o premiê Mariano Rajoy anunciou que decidiu destituir o Governo catalão, dissolver o Parlamento local e convocar novas eleições

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