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Vida real não reflete otimismo das estatísticas: brasileiros ainda não estão confiantes com a retomada

Nos últimos três meses, tanto o índice de confiança do consumidor como do comércio caíram

Movimento da rua 25 de março diminuiu com a crise econômica.
Movimento da rua 25 de março diminuiu com a crise econômica.H.M.

A conta-gotas, alguns tímidos sinais positivos da economia brasileira começam a aparecer: inflação em baixa, pequena queda do desemprego - mas que ainda atinge 13,3 milhões de pessoas-, taxas positivas das vendas do varejo, taxa de juros caindo...Outra boa notícia foi confirmada, na sexta-feira, com o anúncio do resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre. A economia cresceu 0,2% em relação aos três primeiros meses do ano, puxada principalmente pelo setor de serviços e pelo consumo das famílias. Depois de dois anos de retração, o brasileiro voltou às compras, bastante incentivado pela liberação das contas inativas do FGTS neste primeiro trimestre. Traumatizada pela recessão, a população, no entanto, ainda desconfia de uma retomada da atividade consistente e está cautelosa sobre o futuro.

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Em agosto, tanto o índice de confiança do consumidor como do comércio calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) voltaram a cair - um ponto e 1,1 respectivamente- atingindo o menor nível desde janeiro. "O resultado mostra que o ritmo da economia ainda é lento e que, passado o período de liberação de recursos de contas inativas do FGTS, o comércio está em compasso de espera por novas notícias que deem mais segurança com relação à sustentabilidade da recuperação econômica", explica Aloisio Campelo Jr., Superintendente de Estatísticas Públicas da FGV/IBRE. Ainda segundo o economista, o cenário político turbulento e a crise gerada pelas delações dos proprietários da JBS que envolveram o presidente Michel Temer, contribuem para os consumidores e vendedores colocarem um freio no otimismo.

O camelô Judivan Souza faz parte do grupo dos céticos quanto a melhora da atividade brasileira. Apoiado na barraca de roupas que tem há quase vinte anos na rua 25 de março, centro nervoso de caçadores de liquidações no centro de São Paulo, ele lamenta o fraco movimento do local e não vê sinais de melhora. "Isso aqui era intransitável antes, agora o retrato da crise. Você está vendo algum cliente comprando nessas barracas ou pessoas com sacolas cheias na mão? As minhas vendas caíram pela metade. As pessoas pesquisam muito, mas compram pouco", conta Judivan durante uma tarde de quarta-feira no fim de agosto.

Do outro lado da rua, a comerciante Jéssica Lopes também está preocupada. Dona de uma loja de artigos de esporte em uma das galerias comerciais da rua, ela tem feito malabarismo para não ficar no vermelho e conseguir pagar, pelo menos, o salgado aluguel de 14.000 reais do local. "O Governo fala que o país está melhorando, mas parece que, a cada mês, só piora. Em agosto, as vendas caíram uns 20%. Pensamos que com a liberação do FTGS as pessoas fossem abrir mais o bolso, mas parece que o povo usou o dinheiro para pagar dívida mesmo", conta.

Dentro da galeria, Rafaela de Carvalho, estudante de Relações Públicas, ainda está com as mãos abanando. Foi até lá pesquisar os preços de algumas mochilas e diz que só está fazendo compras por necessidade. "Vim para a 25 ver se encontro algo mais barato, mas não estou podendo comprar nada. Só a mochila mesmo, porque estou sem", conta ela ao lado da mãe que já cortou todos os gastos supérfluos possíveis e diz não ter visto seu poder de compra aumentar com a queda da inflação nos últimos meses.

Roney Pércio anuncia promoções relâmpago.
Roney Pércio anuncia promoções relâmpago.H.M.

Nem o Dia dos Pais, no segundo domingo de agosto, amoleceu o bolso dos consumidores, segundo o vendedor Roney Pércio que trabalha em uma loja de eletrônicos e acessórios de celular há sete anos. Ele também é o responsável por tentar conquistar clientes com promoções relâmpago que anuncia em um microfone. "Nem promoção está adiantando, a crise está pesada. O dia dos pais foi bem fraco, muito abaixo da expectativa. Nas férias de julho, senti uma leve melhorada nas vendas com o fluxo de turistas, mas já piorou tudo outra vez. Estou descrente com a economia", conta. O Indicador Serasa Experian de Atividade do Comércio mostrou, entretanto, a retomada do desempenho nas vendas após dois anos consecutivos de resultados negativos. Na cidade de São Paulo, as vendas realizadas na semana do Dia dos Pais subiram 1,0% ante a mesma semana do ano passado, segundo o índice.

Encostada na vitrine de uma loja no fim da 25 de março, Nina Viggio chama atenção com duas sacolas abarrotadas, mas já vai logo explicando que tudo ali é ferramenta de trabalho. "Quem dera se fossem compras para mim. Isso tudo é tecido que comprei para ver se consigo aumentar as vendas. O movimento ainda está muito fraquinho", conta a costureira que trabalha em casa sob encomenda.

Na avaliação de Viviane Seda Bittencourt, coordenadora da Sondagem do Consumidor, mesmo com a inflação em queda, o consumidor continua com o prognóstico pessimista em relação aos próximos meses. "Há muita cautela nas compras a prazo, em um ambiente que o comprometimento de renda e o desemprego ainda são muito elevados", avalia.

O pessimismo também sobrevoa algumas lojas da rua Oscar Freire - reduto das grifes-, no luxuoso bairro dos Jardins, que vive ainda um período mais minguado. Sueleide, vendedora de uma loja de sapatos femininos, conta que os clientes estão segurando mais nas compras, assustados com a crise que não passa. "Mesmo quem tem mais dinheiro não compra no volume que comprava. Se antes gastavam 5.000 reais, agora gastam mil reais. O mês de agosto foi bem parado. A gente tem visto muita loja fechando também por aqui", conta.

Para o economista Alexandre Chia do Insper, como a economia brasileira ainda começa a sair do fundo do poço, o otimismo dos consumidores e dos comerciantes deve voltar lentamente. Em termos de consumo, apenas o varejo mais barato e essencial, como os alimentos de supermercado, estão retornando. "A incerteza ainda ronda o país, o que faz que demandas de alto valor agregado ainda demorem a aparecer. Hoje a situação apenas parou de piorar", explica.

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