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Luisa Ortega: “Continuarei denunciando que não há democracia na Venezuela”

Ex-procuradora-geral que virou inimiga número um de Nicolás Maduro conversa com o EL PAÍS

Francesco Manetto
Luisa Ortega Díaz, em coletiva na última quarta-feira em Brasília
Luisa Ortega Díaz, em coletiva na última quarta-feira em BrasíliaEVARISTO SA (AFP)

A nova vida de Luisa Ortega Díaz (Valle de la Pascua, 1958) começou há pouco mais de uma semana. A ex-procuradora-geral da Venezuela, que se tornou inimiga pública número um do presidente Nicolás Maduro, chegou a Bogotá no dia 18 em um voo privado, depois de abandonar Caracas e fugir de lancha para a ilha de Aruba. Ela ficou quatro dias na Colômbia sob proteção do Governo de Juan Manuel Santos, que lhe ofereceu asilo, e viajou ao Brasil para participar de um encontro de procuradores do Mercosul sobre corrupção e o caso Odebrecht. Depois, retornou a Bogotá, onde prepara as denúncias contra o sucessor de Hugo Chávez.

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Ortega Díaz, um dos ex-funcionários de alto escalão com mais informações sobre o regime, tem agora uma prioridade: revelar as engrenagens de um sistema do qual ela mesma fez parte e com o qual rompeu definitivamente no final de março, diante do processo que culminou em 30 de julho com a eleição de uma Assembleia Nacional Constituinte. Uma das primeiras decisões deste novo Parlamento − que substituiu o anterior, de maioria oposicionista − foi destituí-la. E assim começou, formalmente, sua perseguição.

A ex-procuradora, que conversa com o EL PAÍS por telefone, mostra-se animada. “Sinto-me muito fortalecida, apesar dos ataques que tenho recebido do Governo da Venezuela. Sinto-me fortalecida porque o apoio tem sido maior, principalmente das pessoas, do cidadão venezuelano, que tem muita esperança de que haja liberdades, de que haja democracia, paz, tolerância, respeito, de que haja decência na Venezuela”, afirma.

Ortega Díaz planeja apresentar várias acusações públicas com base nas provas de que dispõe e promete lutar contra a violação dos direitos humanos. Em sua opinião, a gravíssima crise institucional e econômica que assola o país tem relação com a corrupção. “É a corrupção que mantém a Venezuela mergulhada nesta crise de alimentação e de remédios, porque o dinheiro que deveria ser destinado à resolução dos problemas de saúde e alimentação da população está nos bolsos de um grupo que detém o poder”, afirma.

A antiga responsável pelo Ministério Público, que foi designada em 2007 e confirmada em 2014 por outros sete anos, faz também duras críticas à Justiça. “Continuarei denunciando pelo mundo que na Venezuela não há Estado de Direito, que na Venezuela não há democracia, não há liberdades, e que é impossível que sejam punidos os responsáveis pelos delitos, quer sejam de corrupção ou contra os direitos humanos, porque também não há Justiça. A Justiça se acomodou para favorecer um grupo que quer se perpetuar no poder”, argumenta Ortega Díaz, que em várias ocasiões acusou Maduro de trair o legado do ex-presidente Chávez. “Eu não mudei, os outros mudaram”, sustenta a ex-funcionária.

Críticas da MUD

As palavras da ex-procuradora − que fugiu com seu marido, o deputado Germán Ferrer, e dois colaboradores − a colocam agora na linha de frente da oposição a Maduro, à qual estão se somando setores do chavismo crítico. Apesar disso, para a aliança oposicionista Mesa de Unidade Democrática (MUD) não é fácil esquecer seu papel na investigação da acusação contra o opositor Leopoldo López. Ela lembra, contudo, que no passado também já fez objeções ao Governo. Por exemplo, quando “o Ministério de Defesa aprovou uma resolução identificada com o número 8610, que dizia que nas manifestações as Forças Armadas podiam utilizar armas de fogo”.

A ex-procuradora acrescenta: “Nossa Constituição diz que nas manifestações não podem ser utilizadas armas de fogo, e sim que [a atuação] tem de ser proporcional à violência dos manifestantes. Se jogam pedras, [as Forças Armadas] não podem utilizar armas, por exemplo. Então, fiz objeção a essa resolução e posteriormente venho fazendo objeções a operações lançadas na Venezuela pelo tema da segurança da população, que chamaram de OLP, Operação de Libertação do Povo, que eram verdadeiras repressões contra a população pobre. Havia buscas sem ordem judicial, desalojavam as pessoas de seus lares, de suas moradias, roubavam suas propriedades, computadores, telefones, laptops, faziam isso como parte dessas operações. Também fiz objeções a isso. Fui contra isso”.

Mas a gota d’água, para Ortega Díaz, foram os ataques ao Parlamento eleito em 2015 e controlado pela oposição. “Queriam dissolver a Assembleia Nacional, e efetivamente a dissolveram com a Constituinte. Você pergunta ao povo da Venezuela se ele quer a Constituinte e ele vai dizer que não, porque o povo da Venezuela quer que sejam resolvidos os problemas da falta de alimentos, de saúde, de segurança”, analisa a ex-procuradora. “A Venezuela tem um dos índices de homicídios mais altos da região, a cifra de 2016 é de 70,1 por 100.000 habitantes. É isso que o povo da Venezuela quer que seja resolvido, não uma Constituinte que já está instalada há um mês e não resolveu nada. Qual foi a solução apresentada por esta Assembleia Constituinte?”, pergunta.

De qualquer forma, Ortega Díaz, que visitará nas próximas semanas vários países aos quais foi convidada, tem esperança em uma saída negociada para a crise venezuelana. “Tomara que seja pelos caminhos da paz. Uma situação de violência seria muito terrível para meu povo, seria mais uma calamidade para meu país, que Deus não permita isso. Que seja pelo entendimento, pelo diálogo, pela negociação, tomara que seja por essa via”.

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