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Congelamento do ovário, a esperança para engravidar depois do câncer

Quimioterapia pode levar à falência de ovário, mas congelar tecido para reimplantá-lo é saída Banco de ovários no Ceará usa técnica pioneira no Brasil e estuda uso contra osteoporose

Os médicos Lígia Melo Silva e João Marcos Meneses no banco de ovários da Maternidade Escola da Universidade Federal do Ceará.
Os médicos Lígia Melo Silva e João Marcos Meneses no banco de ovários da Maternidade Escola da Universidade Federal do Ceará.Jarbas Oliveira
Marina Rossi
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Em 2014, a estudante de enfermagem Maria Edite Lopes Alcântara, de 22 anos, começou a sentir fortes dores na perna esquerda. Investigando as causas do incômodo, acabou por descobrir que tinha um tipo raro de câncer, chamado sarcoma sinusal da parte mole. O nome estranho significa, de maneira geral, um tipo de tumor que pode afetar as cartilagens, a gordura, os músculos e vasos sanguíneos do corpo. Rapidamente, ela iniciou os tratamentos para combater a doença, mas uma outra preocupação rondava a cabeça do seu oncologista.

"Meu médico ficou com medo de eu ter falência ovariana por causa da medicação", conta ela, que na época estava fazendo radioterapia. "É meio chocante você ter 19 anos e saber que seus ovários podem morrer". Ela se refere à possibilidade de os ovários pararem de funcionar, algo que pode ocorrer como um dos efeitos colaterais do tratamento. Mas a notícia sobre esta possibilidade foi seguida da valiosa informação de que a Maternidade Escola Assis Chateaubriand, da Universidade Federal do Ceará, procurava mulheres no mesmo perfil que ela - jovens, com algum tipo de câncer - para participar de um estudo sobre o congelamento de ovários em mulheres com a doença. Sem custos.

Moradora do município de Graça, a 250 quilômetros de Fortaleza, a estudante foi até a capital procurar os pesquisadores responsáveis pelo estudo, os jovens médicos João Marcos Meneses, 37, e Lígia Helena Melo Silva, 38. Eles explicam que cerca de 30% das pacientes com câncer que tratam da doença apresentam alguma lesão no ovário, levando o órgão a não conseguir mais produzir hormônio durante o tratamento. E nem sempre o ovário volta a funcionar após, o que faz com que estas mulheres, em muitos casos jovens e sem filhos, fiquem inférteis.

"É meio chocante você ter 19 anos e saber que seus ovários podem morrer"

"Descobrimos então, em Valência, na Espanha, que existe esta técnica que congela uma parte do tecido ovariano antes de iniciar o tratamento do câncer", explica João Marcos. "Depois da doença curada, ele é reimplantado, e volta a funcionar e a produzir hormônios normalmente". A notícia, segundo Maria Edite era "uma luz no fim do túnel".

A técnica consiste em retirar um terço do ovário, ou mais precisamente 1 centímetro cúbico do órgão, congelá-lo no nitrogênio e deixá-lo ali, no chamado banco de ovários, até que a paciente termine totalmente o tratamento contra o câncer. Depois disso, este pedaço do órgão pode ser reimplantado, e voltará a produzir os hormônios. "Podemos reimplantá-lo em qualquer parte do corpo", explica a doutora Ligia. "Nos experimentos com cobaias, colocamos, por exemplo, próximo ao estômago dos camundongos, que é uma parte que tem bastante gordura, e 30 dias após o reimplante os níveis hormonais subiram", comemora. Por ser recente - o estudo foi iniciado em 2014 - os médicos ainda não reimplantaram o ovário em nenhuma paciente. O órgão pode ficar congelado por tempo indeterminado no nitrogênio.

Congelamento de óvulos x congelamento de ovários

A nova técnica é diferente daquela que congela os óvulos, pois não visa somente à reprodução, mas à volta da produção hormonal das mulheres. Agora uma nova frente da pesquisa mira o tratamento da osteoporose prematura. Em decorrência da paralisação da produção de hormônios durante a quimioterapia, muitas destas jovens mulheres começam a ter os ossos enfraquecidos. A volta da produção de hormônio também deve contribuir para a volta da massa óssea, dizem os médicos. "Este novo achado abre uma nova expectativa para as pacientes", diz Ligia Helena, que começou a estudar esta nova frente no ano passado.

A advogada Carinne Justino: "Procurem o tratamento. Precisamos manter a esperança".
A advogada Carinne Justino: "Procurem o tratamento. Precisamos manter a esperança".Jarbas Oliveira

É o caso da advogada Carinne Justino, 31, diagnosticada com câncer de mama em 2014. Ela realizou o tratamento com quimioterapia ao longo de um ano, período em que seus ovários continuaram funcionando normalmente. Apesar disso, por causa do tipo de doença que teve, era aconselhável que ela induzisse a menopausa, já que o câncer de mama pode estar vinculado aos hormônios produzidos pela mulher. "Por causa da menopausa induzida, optei por congelar meu ovário", explica ela.

A menopausa induzida acabou causando em Carinne um início de osteoporose, chamado de osteopenia. E aí entra a nova fase do estudo: caso os ovários não voltem a funcionar quando o tratamento terminar - ela espera que isso ocorra em quatro anos - ela passará pela reimplantação do órgão e a expectativa é que a volta da produção de hormônios também reverta o quadro de osteopenia. Ela não tem filhos, mas diz esperar ansiosamente por isso. "Estou esperando loucamente o tratamento acabar para poder ter filhos", diz. "E a vantagem é que meus ovários foram congelados quando eu tinha 29 anos. Quando forem reimplantados, eu terei 35 anos, mas meus ovários ainda terão 29".

Carinne foi uma das primeiras pacientes a procurar os médicos para participar da pesquisa. Até o momento, o banco de ovários conta com tecido de 10 mulheres. Fora do Brasil, a técnica existe há dez anos. "Ao todo, 545 mulheres tiveram seus ovários congelados ao redor do mundo", conta a doutora Ligia. De acordo com ela, 86 crianças nasceram depois de reimplantando o ovário. "Quando as pacientes chegam para o tratamento do câncer, elas já sabem sobre a possibilidade de não ter mais filhos", diz a médica. "Por isso, quando elas descobrem esta técnica, elas ficam desesperadas para participar. Muitas choram, isso acaba sendo uma nova esperança para elas".

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